sexta-feira, 5 de novembro de 2021

JOÃO PAULO DE VASCONCELOS AGUIAR - Curas milagrosas e a internet no Brasil, FSP

 João Paulo de Vasconcelos Aguiar

Gerente de Comunicações para a América Latina da Internet Society

pandemia evidenciou os riscos envolvidos na prescrição de tratamentos equivocados. Além de não lidar com os sintomas iniciais, a cura proposta traz complicações secundárias —em alguns casos, irreversíveis.

É o que se vê recentemente com as sucessivas tentativas de resolver, com soluções aparentemente simples e milagrosas, questões complexas acerca do uso da internet no Brasil.

Ao longo das últimas duas décadas, sobretudo a partir da experiência pioneira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o país construiu um arcabouço legal exemplar para a regulação do ambiente digital. Essa tradição, contudo, vem sendo eclipsada por iniciativas unidimensionais, focadas apenas na tecnologia, buscando resolver problemas sociais profundos.

O horizonte atual está cheio delas, a exemplo da insistência do governo federal em avançar com o agora proposto pelo projeto de lei 3.227/2021. Partindo do argumento de defesa da liberdade de expressão, o PL altera as regras para a remoção de conteúdos nas redes sociais, determinando uma lista taxativa de "justas causas" para tal.

O governo Jair Bolsonaro argumenta que a proposta não impede a exclusão de conteúdos e perfis, "apenas combate arbitrariedades e exclusões injustificadas e duvidosas, que lesam os brasileiros e suas liberdades". A realidade, contudo, é que qualquer moderação que não se encaixe em uma das razões predeterminadas só pode ser autorizada pelo governo (ou após um longo processo na Justiça).

O projeto de lei, assim, não apenas não entrega a solução prometida como cria outros problemas, com implicações graves para a infraestrutura digital.

A lista de "justas causas", por exemplo, não leva em consideração diversas ameaças no ambiente digital. Autoriza a ação das redes sociais para conter a disseminação de vírus e outros códigos maliciosos, mas não trata de combate a spam, de ataques de negação de serviço, de desfiguração de páginas ou da possibilidade de remoção de links para sítios e formulários que buscam roubar dados dos usuários. Isso aumenta sobremaneira a insegurança e pode gerar uma crise de confiança severa no ecossistema digital brasileiro.

É essencial lembrar também que o desenvolvimento da atual legislação sobre a internet ocorreu de maneira colaborativa, com a participação dos setores público e privado e da sociedade civil. O movimento unilateral e repentino do governo Bolsonaro cria incertezas no ambiente regulatório e pode desencorajar o desenvolvimento de serviços e aplicações no país —afugentando investimentos e travando a inovação e o crescimento.

Defender o que estabeleceu o Marco Civil da Internet, aliás, nada tem a ver com conceder imunidade total a essas plataformas. A legislação já prevê formas de responsabilização desses entes por condutas equivocadas ou abusivas. E diversas outras provisões estão atualmente em discussão no Congresso. Dessa maneira, é de suma importância que os legisladores coloquem o país de volta aos trilhos do desenvolvimento que levaram ao marco civil.

Para além de discussões imediatas, é preciso compreender ainda que a internet é um ecossistema complexo, distribuído em inúmeras camadas de infraestrutura, serviços, aplicações e usuários. A intervenção num ponto pode gerar efeitos colaterais em outros (dentro e fora do país) e comprometer o que precisa ser um ambiente aberto, conectado globalmente, seguro e confiável.

Por isso, torna-se necessária —e urgente— a adoção de uma "avaliação de impacto" diante de decisões que digam respeito ao ecossistema digital.

A prática já é exigida pela Constituição no caso de atividades que possam causar significativa degradação do meio ambiente. No contexto da internet, se apresenta como um caminho para a elaboração de políticas públicas e marcos regulatórios capazes de assegurar o equilíbrio entre direitos dos usuários, segurança jurídica e inovação nos negócios, bem como o progresso socioeconômico sustentável.

Hélio Schwartsman - Por que políticos ajudam Bolsonaro?

Mais de 600 mil mortos pela Covid, fome, inflação e desemprego em alta, abismo fiscal à vista, destruição ambiental. No exterior, o presidente do Brasil virou motivo de chacota. Não é possível que deputados experientes do centrão e de partidos mais gelatinosos como o PSDB e o PDT estejam satisfeitos com este governo. Ainda assim, votaram a favor da PEC dos Precatórios, cujo principal beneficiário é Bolsonaro.

PEC dos Precatórios tem muitos vícios e pouquíssimas virtudes. É verdade que permitirá pagar bolsas a famílias muito carentes, mas ela detona de forma burra o teto de gastos, que permitiu ao país manter os juros baixos por um bom tempo, legaliza o calote em decisões da Justiça e permitirá uma farra de gastos eleitorais não prioritários. Esse último elemento é parte da explicação para o comportamento dos políticos, já que a PEC engordará as verbas para o "orçamento secreto" e para o fundo eleitoral.

Painel da Câmara dos Deputados durante votação da PEC dos Precatórios - Frederico Brasil/Futura Press/Folhapress

Ainda assim, a sabedoria política convencional reza que políticos deveriam afastar-se de presidentes que se tornam impopulares, não tentar salvar-lhes a pele, em especial quando não há identificação histórica com eles. A hiperfragmentação partidária brasileira desafia a sabedoria política convencional. Os três anos de Bolsonaro escancararam isso.

Não houve presidente que, no campo da retórica, batesse tanto no centrão. Bolsonaro foi eleito prometendo fazer o grupo passar a pão e água. O leitor se lembrará da musiquinha entoada por um bajulador de quatro estrelas. Mas foi ao centrão que Bolsonaro recorreu quando as coisas ficaram feias. É do centrão que o presidente é hoje refém.

O bloco saiu mais convencido de sua própria importância, o que baixou o custo de aliar-se a quem perca eleições. Mesmo que um congressista amorfo vá até o fim com Bolsonaro (e surfe nas verbas de fim de mandato), ele sabe que será chamado a ajudar o próximo governo, seja ele qual for.