quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Clima nos apavora justamente quando conseguimos sobreviver a ele, Leandro Narloch, FSP

Na sua opinião, o que aconteceu nos últimos cem anos com o número total de mortes causadas por furacões, inundações, secas, ondas de calor e outros desastres climáticos? Peço que escolha uma destas alternativas:

  • a) Aumentou mais de 800%
  • b) Aumentou cerca de 50%
  • c) Manteve-se constante
  • d) Diminuiu cerca de 50%
  • e) Diminuiu mais de 80%

Como a população mundial cresceu de 1,8 bilhão em 1921 para 8 bilhões em 2021, é razoável cravar as respostas B ou C, pois o fato de haver mais pessoas resultaria em mais vítimas. Muitos leitores devem ter escolhido a primeira opção, tendo em vista as notícias assustadoras do relatório do IPCC desta semana.

A alternativa correta, porém, é a última. As mortes por desastres naturais diminuíram 87% desde a década de 1920 até os anos 2010, segundo dados coletados pelo Our World in Data.

Passaram de 540 mil por ano para 68 mil. A taxa em relação à população teve picos de 63 mortes por 100 mil habitantes em 1921, e 176 em 1931. Hoje está em 0,15.

Esses números levam a dois paradoxos interessantes sobre a relação entre o homem e o clima. O primeiro lembra o Paradoxo de Spencer –referência a Herbert Spencer, para quem “o grau de preocupação pública sobre um problema ou fenômeno social varia inversamente a sua incidência”.

Assim como os ingleses se deram conta da pobreza quando ela começava a diminuir, durante a Revolução Industrial, a humanidade está apavorada com os infortúnios do clima justamente depois de conseguir sobreviver a eles.

O segundo paradoxo: ao mesmo tempo em que emitimos muito (mas muito mesmo) carbono na atmosfera e causamos um grave problema de efeito estufa, também nos tornamos menos vulneráveis à natureza. Na verdade, proteger-se do clima foi um dos principais motivos para termos poluído tanto.

Veja o caso da construção. Produzir cimento consiste grosseiramente em queimar calcário e liberar dióxido de carbono.

Se a indústria de cimento fosse um país, seria o terceiro maior emissor de gases do efeito estufa. Mas essa indústria poluidora permitiu que as pessoas deixassem casas de pau-a-pique ou madeira para dormirem abrigadas em estruturas mais seguras.

Já a fome originada pela seca, principal causa de morte por desastres naturais nos anos 1920, foi resolvida com a criação dos fertilizantes químicos, sistemas de irrigação e a construção de represas e redes de saneamento.

Todas essas atividades causaram aquecimento global –mas não deixam de ser grandes conquistas humanas, que merecem ser celebradas e difundidas entre os pobres que ainda vivem sob risco de morrer durante furacões, secas ou inundações.

Será que a queda histórica das mortes por desastres naturais vai se reverter nos próximos anos, tornando realidade os vaticínios apocalípticos de Greta Thunberg, para quem “bilhões de pessoas morrerão se não tomarmos medidas urgentes”?

O ativista climático Michael Shellenberger, autor do brilhante “Apocalipse Nunca”, que será lançado este mês no Brasil pela editora LVM, acha que não.

Pretendo falar mais sobre o livro de Shellenberger em outras colunas, mas já adianto um dos argumentos: o alarmismo ambiental despreza a capacidade humana de se adaptar e resolver problemas.

“Os Países Baixos, por exemplo, tornaram-se uma nação rica mesmo tendo um terço de suas terras abaixo do nível do mar, incluindo áreas que estão nada menos do que sete metros abaixo do mar”, diz ele.

A luta contra o aquecimento global não precisa de ativistas obcecados com o apocalipse (que geralmente desprezam soluções óbvias, como a energia nuclear). Precisa de tecnologia, de inovadores, de gente que dê mais conforto e segurança à humanidade interferindo na natureza cada vez menos. 

Elio Gaspari - Uma crise que veio do nada, FSP

 No próximo dia 25 completam-se 60 anos do início da crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros. Em 1996, lendo o livro-reportagem do jornalista Carlos Castello Branco, que havia sido assessor de imprensa do tatarana, Fernando Henrique Cardoso comentou: “O Brasil esteve perto de uma guerra civil sem que houvesse crise econômica, crise social ou até mesmo uma crise política séria. Era tudo futrica”. Isso e mais um presidente pensando em dar um golpe.

Passaram-se 60 anos, uma pandemia matou mais de 560 mil pessoas, há 14,8 milhões de desempregados, e o país está novamente numa encrenca institucional. Blindados desfilam por Brasília e o presidente ameaça sair dos limites da Constituição. A crise sanitária existe e a econômica agravou-se. Mesmo assim, espremendo-se a encrenca institucional, voltou-se ao ponto de partida: tudo futrica e enunciados golpistas.

Na crise sanitária valsam vigaristas em torno da cloroquina e de golpes com imunizantes. Na crise econômica, o ministro Paulo Guedes enfrenta as estatísticas do desemprego brigando com o IBGE. A crise política girou em torno do voto impresso contra as urnas eletrônicas. Atrás desse biombo está um presidente que já anunciou sua disposição de rejeitar o resultado da eleição do ano que vem.

Os blindados que se moveram em Brasília ecoam a cena em que o presidente americano Donald Trump pretendia comemorar a data nacional de 4 de julho de 2020 (quatro meses antes da eleição) com uma parada militar de aviões sobrevoando grandes cidades e tanques no gramado da Casa Branca.

O plano encolheu quando o chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, entrou na discussão: “Vocês não aprendem? Não é assim que fazemos. Isso é o que faz a Coreia do Norte, o que fazia Stalin. Nós não fazemos paradas desse tipo. Isso não é a América”.

No caso brasileiro, Bolsonaro conseguiu seu desfile.

Em 1961 Jânio Quadros armava o golpe da renúncia. Era o truque da moda. Em julho de 1959, o chefe revolucionário Fidel Castro havia renunciado ao cargo de primeiro-ministro de Cuba e voltou cinco dias depois, nos braços do povo, livrando-se do presidente Manuel Urrutia.

Jânio sentia-se desconfortável dentro das quatro linhas da Constituição, mas fingia respeitá-las. Não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro.

Em 1961 as futricas alimentaram a crise. Hoje as crises são convertidas em futricas e pirraças. Piorou-se.

Aqui, como nos Estados Unidos de Trump, o presidente transformou o que deveria ser uma discussão em torno das medidas para enfrentar a pandemia num debate sobre a cloroquina.

O ministro da Economia tinha um amigo inglês que poderia remeter para o Brasil 40 milhões de kits de testes para o coronavírus por mês. Felizmente, coube a Paulo Guedes o papel de exterminador da marquetagem de um “Plano Marshall” para a economia nacional.

A bizarrice saiu da Casa Civil do general Braga Netto e durou poucas semanas, até que o ministro ensinou: “Não chamem de Plano Marshall porque revela um despreparo enorme”. A girafa virou “Pró-Brasil” e sumiu do mapa.

Em 1961, muito além das futricas, havia o projeto golpista de Jânio. Nas palavras tardias de um coronel que em 1961 estava disposto a ir para o pau: “Naquela manhã de 25 de agosto, o que faltou foi alguém que trancasse o Jânio no banheiro do palácio”.