Tulio Kruse, O Estado de S.Paulo
08 de agosto de 2021 | 05h00
O empresário Luis Eduardo da Cruz, de 62 anos, acordou às 3h na última terça-feira ansioso com o dia que teria pela frente. Pensava naquilo que chamou de “fantasma”: o Instituto de Atenção Básica e Avançada de Saúde (Iabas), do qual foi fundador. Há um ano, contratos do Iabas com a prefeitura do Rio foram motivo para que um juiz decretasse a prisão preventiva dele e da mulher, Simone, que durou cerca de um mês. Sentia incômodo porque teria de falar sobre o “fantasma”.
Atualmente, Cruz está na Serra da Mantiqueira, a 470 quilômetros da sede do instituto, e preocupado em deixar o assunto afastado. Sua nova paixão é um terreno de 43 hectares em Espírito Santo do Pinhal, no interior paulista. Ele trabalha para instalar ali uma “vinícola butique”, com uvas selecionadas e produção de poucos milhares de garrafas por ano. Se tudo ocorrer como planejado, a empresa pode se tornar referência na produção de vinhos finos na região e, segundo Cruz, um patrimônio para as próximas gerações da família.
Para o novo empreendimento, a InnVernia, Cruz tem planos que incluem o plantio de quatro variedades nunca cultivadas em solo brasileiro, fertilização com o auxílio de drones e um aviário com galinhas d’angola e gansos criados soltos na propriedade para adubação natural do solo. Ele também disse que está conduzindo um processo de secagem de uvas – ou appassimento – em proporções maiores do que qualquer outra vinícola brasileira, mas esse ainda é um experimento. Cruz reconheceu, no entanto, que talvez nem tudo ocorra conforme planejado.
O Iabas se tornou um caso exemplar de questionamentos que rondam a relações de organizações sociais (OSs) com o poder público, o que foi tema de comissões parlamentares de inquérito e alvo de operações da Polícia Federal ao longo da pandemia do novo coronavírus. Em paralelo à prisão de Cruz, no ano passado, o instituto foi um dos pivôs do impeachment do ex-governador do Rio Wilson Witzel, por deixar de entregar mais da metade dos leitos de UTI em um hospital de campanha. Nesse caso, o empresário e sua mulher já não tinham mais relação com o instituto.
Cruz, a mulher e o filho, Daniel, são réus na Justiça do Rio acusados de desvio de dinheiro, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A denúncia do Ministério Público do Rio diz que as irregularidades ocorreram na contratação, pelo Iabas, de empresas que tinham familiares e amigos como sócios. Os promotores alegam que houve um desvio de pelo menos R$ 6,2 milhões para companhias de aluguel de carro, paisagismo, arquitetura e um laboratório de análises clínicas.
Cerca de 13 horas após acordar com insônia, irritado, Cruz pontuava alguns dos argumentos de defesa, parado em frente às mudas do vinhedo. Ele afirmou que não houve favorecimento nas contratações e, inclusive, que o instituto deve dinheiro às empresas até hoje. Os problemas teriam ocorrido em um contexto de turbulência nas finanças da prefeitura que, segundo o empresário, começou a atrasar os pagamentos ao Iabas e, assim, prejudicar também os fornecedores do instituto.
“Ninguém queria ser contratado pelo Iabas, você tinha de implorar para uma empresa ir lá e concorrer”, relatou. “Adoraria que advogados, juízes e promotores ficassem uma semana em Bangu 8, como treinamento. Até para o sujeito pensar: ‘Vou dar uma porrada aqui em alguém, deixa eu dar uma lida novamente (nas petições e sentenças)’.”
Aquela foi a segunda prisão que ele e a mulher enfrentaram. Em 2018, o casal foi detido em uma operação que mirou suspeita de desvio de verbas em contratos da prefeitura do Rio com a Fundação Bio-Rio, da qual Cruz era conselheiro, para a gestão de cursos de pós-graduação. Os dois foram absolvidos em maio deste ano. O empresário espera “marcar um três a zero” novamente, que é como ele se refere à vitória judicial. Cruz está fora da gestão do Iabas desde 2017, o que se tornou um dos argumentos contra a prisão que ocorreu três anos depois. “Acho que cometi um erro, porque (o Iabas) era uma coisa tão grande e tão bacana que eu deveria ter permanecido no conselho, até para poder falar o que eu penso. Mas eu saí completamente do Iabas – de corpo, alma, espírito e pessoa”, disse.
Trajetória
Paulistano do Tucuruvi, na zona norte, Cruz, que atualmente mora em Campinas, teve seu primeiro emprego aos 11 anos. Foi office-boy e depois escriturário de uma imobiliária em São Paulo. Estava apenas alguns meses mais novo do que a idade mínima para o trabalho, que era de 12 anos na Constituição de 1967. Aos 14, chefiava o departamento pessoal de um escritório de contabilidade.
Sua primeira viagem ao exterior foi com 17 anos, ao receber uma bolsa do Rotary Club para estudar na Pensilvânia (EUA). Ao retornar, passou por três faculdades em três anos: Direito em São Paulo, Farmácia e Medicina no Rio. Ainda estudante, no centro de tratamento de queimados do Hospital Federal do Andaraí, ele conheceu um componente químico que iria fazer sua vida como empresário no setor farmacêutico.
“Tinha umas freiras do Texas que traziam um produto que mudava a vida dos pacientes”, relembrou. A substância ativa era sulfadiazina de prata, que se tornou a base do primeiro produto que Cruz colocou à venda no mercado brasileiro, o Dermazine. O produto foi registrado em 1991 e comercializado pelo laboratório Silvestre. Foi a primeira empresa do grupo Axis Biotec, que Cruz ainda preside, dona de quatro empresas farmacêuticas que vendem desde medicamentos até serviços de armazenamento de células-tronco.
Futuro
Em março, o empresário vendeu a linha Dermazine, com seis produtos, por R$ 24 milhões. A intenção é investir na “vinícola dos sonhos”. A primeira safra será colhida em 2022, e ele estima que as primeiras garrafas possam estar nas prateleiras dois anos depois. No auge, deve produzir cerca de 50 mil garrafas por ano, com espécies da Toscana e do Cáucaso.
Cruz faz planos para quando tiver 80 anos. Quer estudar Física, porque “no estudo do buraco negro, daqui a 20 anos, a gente já vai ter avançado muito”. O MP do Rio, porém, pede a condenação do empresário a penas que, somadas, ultrapassam as próximas duas décadas. /COLABORARAM CAIO SARTORI e VINICIUS VALFRÉ