sábado, 7 de agosto de 2021

Indústria brasileira: mudar ou mudar, FSP

 

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Membros, respectivamente, dos conselhos de administração da Klabin, da Natura&Co e da Ultrapar

Após uma presidência ininterrupta de 17 anos, a recente troca de comando da Fiesp (Federação das Indústrias dos Estado de São Paulo) nos convida a refletir sobre a representação da indústria, outrora detentora de grande prestígio e influência, principalmente na segunda metade do século 20.

Com justa razão estas entidades foram importantes protagonistas na construção de uma indústria forte e diversificada, colaborando ativamente na criação de uma sociedade urbana e moderna, diante de uma história de carências, como a desigualdade e o baixo nível educacional da população. Ainda assim, cumpriram um papel relevante e apontaram um caminho de oportunidades.

Seus representantes frequentemente eram ouvidos sobre as principais ações em análise pelos governos e, por sentirem sempre o pulso do segmento manufatureiro, eram tidos como líderes em nível nacional.

Hoje a situação é bem outra: a perda de influência de seus representantes, com consequências nefastas para o setor e para o país, é fruto, em primeiro lugar, da ausência de evolução de um sistema de governança, concebido no Estado Novo, fato que permitiu seu uso político além de dificultar a renovação das lideranças, por admitir incontáveis prorrogações de mandatos.

As divergências internas causadas por complexos interesses setoriais têm feito com que sua voz seja o mínimo denominador comum de um conjunto de demandas que passam longe de uma proposta abrangente para o desenvolvimento do país.

A situação é tão grave que muitos dos tradicionais associados se perguntam sobre a razão de suas existências e de suas utilidades, enquanto muitas das grandes empresas e a quase totalidade das mais inovadoras, de qualquer tamanho, não encontram abrigo em várias das casas organizadas para defender os interesses dos incumbentes, criando, em consequência, seus canais próprios de reflexão e interlocução.

A dificuldade de assumir prioridades em linha com as mudanças do cenário mundial, criou um sistema retrógrado que deu guarida a erros de política econômica, permanecendo inerte diante do fim do ciclo de substituição de importações, desconsiderando a globalização, a revolução tecnológica e a agenda ambiental, muito bem exemplificado, nesse último caso, pelo apoio a retrocessos do marco regulatório ambiental, levados a cabo pelo atual governo, em uma clara miopia com o que importa ao país e ao mundo. A indústria brasileira tem ficado de costas para a integração mundial, ao contrário daquelas de economias emergentes que conseguiram superar o desafio da renda média.

Se fazia sentido patrocinar políticas defensivas e de cunho protecionista em uma época em que a maioria dos países adotava a mesma doutrina, mantê-las até os dias de hoje é não apenas inútil, como prejudicial do ponto de vista da sociedade e das próprias empresas.

Sob o pretexto de preservar empregos e evitar o fechamento de unidades, tal doutrina prejudica toda a sociedade, pois consumidores e agentes econômicos são levados a adquirir produtos mais caros e de menor qualidade, limitando seu acesso a tecnologias, insumos e equipamentos modernos, dificultando ganhos de produtividade e inibindo a capacidade de suas empresas de participar dos mercados globais.

É certo que o "Custo Brasil" contribui para a ineficiência e a baixa competitividade dos agentes produtivos. Combatê-lo exige o avanço de reformas que vem sendo debatidas há décadas com algumas propostas maduras e bem formuladas dependentes da boa vontade do Congresso diante da falta de convicção do executivo em liderá-las.

Contudo, este “Custo Brasil” é também composto, em parte significativa, por incentivos e subsídios, que transformaram nossas políticas em um conjunto de exceções onde os iguais têm tratamentos diferentes, multiplicando-se as chicanas burocráticas e a insegurança jurídica. E aqui é preciso reconhecer que situação na qual nos encontramos deve-se igualmente à representação da indústria que atuou fortemente em favor das exceções e dos pleitos setoriais.

Perseguir apenas o mercado interno, quando devemos nos adequar à expansão internacional, é conflitante com o capitalismo empreendedor. Há algo de errado em não perceber que a ânsia de perpetuar um modelo ultrapassado, leva ao desaparecimento, ainda que lento, de seus próprios representados, assemelhando-se aos episódios descritos por Barbara Tuchman em seu livro “A marcha da insensatez”, onde ações equivocadas provocaram consequências opostas às desejadas.

Não é de se estranhar, portanto, que a relevância da indústria brasileira venha caindo consistentemente há mais de 15 anos e que os setores mais afetados são justamente os de maior conteúdo tecnológico. A exemplar saída da Ford do país mostra claramente a falência do modelo de subsídios e incentivos generosos, vigentes durante décadas, que afastou o setor da competição internacional, combustível essencial para a busca da inovação e da produtividade.

Entende-se, entretanto, que há caminhos alternativos para o surgimento de uma renovada indústria que conduza o país a uma nova etapa de desenvolvimento sustentável.

O tempo perdido será recuperado com uma mudança no rumo, iniciando-se pela aceitação de que a integração global não pode ficar à mercê da velha negociação, modelo toma lá dá cá. Mais especificamente, a redução tarifária deverá ser unilateral e atingir a média dos países da OCDE em horizonte predeterminado, sem a procrastinação embutida na estratégia de apenas contar com os grandes acordos comerciais para praticar tais reduções. Em paralelo, as agendas ambiental e de combate às desigualdades serão fundamentos do modelo econômico em substituição a políticas setoriais de menor amplitude.

No âmbito interno, a mudança de rumo passa pela realocação de recursos herdados da velha política industrial, de forma a privilegiar a inovação por meio de investimentos públicos e privados em CT&I (ciência, tecnologia e inovação), fazendo emergir novos negócios, onde produtos terão embarcados o componente de serviços, desenhados com o uso intensivo da tecnologia de informação e comunicação, objetivando servir o mercado global. Uma das consequências será a de não mais patrocinar setores que não têm competitividade para prosperar neste cenário.

O Brasil precisa, para tanto, de líderes em todas as suas dimensões, pessoas que ajudem a conduzir o país para o lado certo, que compreendam a integração de gestão com política, de desenvolvimento sustentado com ciência e educação, de democracia com bem-estar, de criação de riqueza com oportunidades, distribuição de renda e redução de desigualdades.

E precisa igualmente de empresários que escolham e acompanhem seus representantes de forma criteriosa, deles exigindo posicionamentos que indiquem o rumo do crescimento sustentável, para além dos interesses de cada um, tendo claro que a mudanças deixarão vitimas. No caso da entidade paulista, com um novo presidente que conhece bem estes temas, cria-se uma expectativa de novas posturas.

Tudo isso é tarefa difícil. Requer determinação, coragem, compromisso com o país e com a qualidade de vida do nosso povo. É a agenda que traduz o Brasil moderno, que reacende a esperança de um povo machucado por anos de estagnação.

Energia cara acende alerta sobre onda de calotes no mercado livre, FSP

 Nicola Pamplona

RIO DE JANEIRO

Com R$ 110 milhões em contratos de fornecimento de energia no mercado livre, a comercializadora Argon Energia pediu recuperação judicial nesta quinta (5), alegando dificuldades para comprar os volumes que se comprometeu a entregar diante da disparada dos preços provocada pela crise hídrica.

O pedido reforça alertas sobre o risco de uma nova onda de calotes nesse mercado, onde geradores e consumidores negociam contratos bilaterais de fornecimento, com o cenário de preços altos, que deve se manter até o fim do ano.

A Argon não comenta o pedido, alegando confidencialidade, mas a Folha apurou que entre os credores há outras comercializadoras, geradoras de energia e clientes como a Gol Linhas Aéreas, a Rio Preto Hotéis e a Rio JV Partners, da rede hoteleira Hyatt.

É a primeira empresa do segmento a recorrer à recuperação judicial após o início da crise hídrica, mas nas últimas semanas, compradores de energia no mercado livre começaram a receber cartas de outras comercializadoras informando dificuldades para honrar os contratos.

Os primeiros alertas levaram o diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) Efraim Cruz a solicitar à CCEE (Câmara Comercializadora de Energia Elétrica) informações sobre os contratos de diversas comercializadoras.

Ele quer que a câmara responsável pela gestão do mercado repasse informações sobre os contratos de uma série de comercializadoras e alerte sobre eventuais indícios de possibilidade de inadimplência elevada que possam gerar risco ao mercado.

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Comercializadoras são empresas que atuam como intermediárias no mercado de energia, comprando contratos de eletricidade de geradores para vender aos consumidores finais, como indústrias, shoppings ou redes de varejo, por exemplo.

Segundo os dados da CCEE, há hoje 421 empresas habilitadas para atuar como comercializadoras no mercado livre, que vem apresentando forte crescimento nos últimos anos, como alternativa das empresas para fugir do aumento na conta de luz.

O mercado funciona como uma bolsa de energia, na qual vendedores, compradores e intermediários negociam contratos de suprimento. Ao fim de cada mês, a CCEE calcula quanto foi o consumo e promove a liquidação dos contratos.

Quando uma empresa não consegue comprovar a entrega, é obrigada a recorrer ao mercado de curto prazo e pagar o PLD (preço de liquidação de diferenças). Com o recrudescimento da crise hídrica, o preço usado nessa liquidação disparou, atingindo o valor máximo de R$ 583,88 na última semana de junho.

"Algumas comercializadoras apostaram numa curva de preços que não se concretizou", explica Ricardo Lima, que foi do conselho de administração da CCEE. "Apostaram que os preços não subiriam e, agora, se veem sem condições de comprar volumes suficientes para cumprir seus compromissos."

A princípio, o prejuízo de eventuais calotes é do cliente, que terá que pagar a diferença na hora da liquidação. Mas em outros momentos semelhantes, parte do rombo caiu no colo de todos os participantes do mercado, já que vítimas de calotes judicializaram a questão.

Ainda não é possível identificar o tamanho do problema, que começará a surgir na liquidação de julho, concluída apenas em setembro. Mas os alertas levam o mercado a pedir pelo reforço nas regras prometido pela Aneel na última onda de calotes, em 2019.

A CCEE tem duas propostas de reforço. Uma delas eleva as exigências para a habilitação de novas comercializadoras, com o estabelecimento de patrimônio líquido mínimo e a proibição de que sócios que já tiveram empresas monitoradas por condutas atípicas abram novas comercializadoras.

A medida impediria uma prática conhecida no mercado como "Revalida", na qual agentes que já tiveram problemas compram participação em alguma das diversas comercializadoras hoje inativas para voltar a operar.

A outra proposta melhora a avaliação de risco das operações, define condutas atípicas e estabelece sanções mais pesadas para agentes que não conseguirem cumprir seus compromissos.

"Um ambiente de contratação livre com agentes com capacidade de negociação, operações adimplentes e solvência financeira contribui inclusive para expansão do mercado livre e impulsiona a expansão econômica e atração de investimentos", defende a câmara, em uma das notas técnicas.

O advogado Luis Souza, sócio no Souza, Mello e Torres Advogados, destaca que no mercado financeiro é necessário que as corretoras façam depósitos de garantias, que definirão sua capacidade de operar com ações e outros títulos.

"Isso não existe no setor elétrico, então tem comercializadoras que dizem ter lastro e vendem a energia, mas a CCEE só terá ideia no dia da liquidação", afirma, defendendo a adoção de reforços de segurança.

O problema, ressalta, ocorre porque o sistema brasileiro é bastante dependente da energia hídrica, o que amplia o risco de volatilidade de preços. Em mercados mais térmicos, os riscos são menores.

Em nota enviada à Folha, a CCEE disse que "tem acompanhado o cenário atual e atuará de acordo com a regulamentação vigente para mitigar possíveis impactos no mercado multilateral" e que o reforço na segurança é prioridade.

"Com o objetivo de aprimorar e reforçar a segurança de mercado, a instituição tem desenvolvido propostas para tornar os critérios de participação no mercado de energia mais rígidos e aplicar boas práticas do mercado financeiro, por exemplo, para garantir a liquidez", afirmou.

Procurada, a Aneel não havia se manifestado sobre o assunto até a publicação deste texto. A Abraceel (Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia) disse na quarta que não conseguiria comentar o assunto esta semana por dificuldades de agenda.

Argon Energia disse que, "por questões de confidencialidade, não se posicionará sobre o assunto".