Após uma presidência ininterrupta de 17 anos, a recente troca de comando da Fiesp (Federação das Indústrias dos Estado de São Paulo) nos convida a refletir sobre a representação da indústria, outrora detentora de grande prestígio e influência, principalmente na segunda metade do século 20.
Com justa razão estas entidades foram importantes protagonistas na construção de uma indústria forte e diversificada, colaborando ativamente na criação de uma sociedade urbana e moderna, diante de uma história de carências, como a desigualdade e o baixo nível educacional da população. Ainda assim, cumpriram um papel relevante e apontaram um caminho de oportunidades.
Seus representantes frequentemente eram ouvidos sobre as principais ações em análise pelos governos e, por sentirem sempre o pulso do segmento manufatureiro, eram tidos como líderes em nível nacional.
Hoje a situação é bem outra: a perda de influência de seus representantes, com consequências nefastas para o setor e para o país, é fruto, em primeiro lugar, da ausência de evolução de um sistema de governança, concebido no Estado Novo, fato que permitiu seu uso político além de dificultar a renovação das lideranças, por admitir incontáveis prorrogações de mandatos.
As divergências internas causadas por complexos interesses setoriais têm feito com que sua voz seja o mínimo denominador comum de um conjunto de demandas que passam longe de uma proposta abrangente para o desenvolvimento do país.
A situação é tão grave que muitos dos tradicionais associados se perguntam sobre a razão de suas existências e de suas utilidades, enquanto muitas das grandes empresas e a quase totalidade das mais inovadoras, de qualquer tamanho, não encontram abrigo em várias das casas organizadas para defender os interesses dos incumbentes, criando, em consequência, seus canais próprios de reflexão e interlocução.
A dificuldade de assumir prioridades em linha com as mudanças do cenário mundial, criou um sistema retrógrado que deu guarida a erros de política econômica, permanecendo inerte diante do fim do ciclo de substituição de importações, desconsiderando a globalização, a revolução tecnológica e a agenda ambiental, muito bem exemplificado, nesse último caso, pelo apoio a retrocessos do marco regulatório ambiental, levados a cabo pelo atual governo, em uma clara miopia com o que importa ao país e ao mundo. A indústria brasileira tem ficado de costas para a integração mundial, ao contrário daquelas de economias emergentes que conseguiram superar o desafio da renda média.
Se fazia sentido patrocinar políticas defensivas e de cunho protecionista em uma época em que a maioria dos países adotava a mesma doutrina, mantê-las até os dias de hoje é não apenas inútil, como prejudicial do ponto de vista da sociedade e das próprias empresas.
Sob o pretexto de preservar empregos e evitar o fechamento de unidades, tal doutrina prejudica toda a sociedade, pois consumidores e agentes econômicos são levados a adquirir produtos mais caros e de menor qualidade, limitando seu acesso a tecnologias, insumos e equipamentos modernos, dificultando ganhos de produtividade e inibindo a capacidade de suas empresas de participar dos mercados globais.
É certo que o "Custo Brasil" contribui para a ineficiência e a baixa competitividade dos agentes produtivos. Combatê-lo exige o avanço de reformas que vem sendo debatidas há décadas com algumas propostas maduras e bem formuladas dependentes da boa vontade do Congresso diante da falta de convicção do executivo em liderá-las.
Contudo, este “Custo Brasil” é também composto, em parte significativa, por incentivos e subsídios, que transformaram nossas políticas em um conjunto de exceções onde os iguais têm tratamentos diferentes, multiplicando-se as chicanas burocráticas e a insegurança jurídica. E aqui é preciso reconhecer que situação na qual nos encontramos deve-se igualmente à representação da indústria que atuou fortemente em favor das exceções e dos pleitos setoriais.
Perseguir apenas o mercado interno, quando devemos nos adequar à expansão internacional, é conflitante com o capitalismo empreendedor. Há algo de errado em não perceber que a ânsia de perpetuar um modelo ultrapassado, leva ao desaparecimento, ainda que lento, de seus próprios representados, assemelhando-se aos episódios descritos por Barbara Tuchman em seu livro “A marcha da insensatez”, onde ações equivocadas provocaram consequências opostas às desejadas.
Não é de se estranhar, portanto, que a relevância da indústria brasileira venha caindo consistentemente há mais de 15 anos e que os setores mais afetados são justamente os de maior conteúdo tecnológico. A exemplar saída da Ford do país mostra claramente a falência do modelo de subsídios e incentivos generosos, vigentes durante décadas, que afastou o setor da competição internacional, combustível essencial para a busca da inovação e da produtividade.
Entende-se, entretanto, que há caminhos alternativos para o surgimento de uma renovada indústria que conduza o país a uma nova etapa de desenvolvimento sustentável.
O tempo perdido será recuperado com uma mudança no rumo, iniciando-se pela aceitação de que a integração global não pode ficar à mercê da velha negociação, modelo toma lá dá cá. Mais especificamente, a redução tarifária deverá ser unilateral e atingir a média dos países da OCDE em horizonte predeterminado, sem a procrastinação embutida na estratégia de apenas contar com os grandes acordos comerciais para praticar tais reduções. Em paralelo, as agendas ambiental e de combate às desigualdades serão fundamentos do modelo econômico em substituição a políticas setoriais de menor amplitude.
No âmbito interno, a mudança de rumo passa pela realocação de recursos herdados da velha política industrial, de forma a privilegiar a inovação por meio de investimentos públicos e privados em CT&I (ciência, tecnologia e inovação), fazendo emergir novos negócios, onde produtos terão embarcados o componente de serviços, desenhados com o uso intensivo da tecnologia de informação e comunicação, objetivando servir o mercado global. Uma das consequências será a de não mais patrocinar setores que não têm competitividade para prosperar neste cenário.
O Brasil precisa, para tanto, de líderes em todas as suas dimensões, pessoas que ajudem a conduzir o país para o lado certo, que compreendam a integração de gestão com política, de desenvolvimento sustentado com ciência e educação, de democracia com bem-estar, de criação de riqueza com oportunidades, distribuição de renda e redução de desigualdades.
E precisa igualmente de empresários que escolham e acompanhem seus representantes de forma criteriosa, deles exigindo posicionamentos que indiquem o rumo do crescimento sustentável, para além dos interesses de cada um, tendo claro que a mudanças deixarão vitimas. No caso da entidade paulista, com um novo presidente que conhece bem estes temas, cria-se uma expectativa de novas posturas.
Tudo isso é tarefa difícil. Requer determinação, coragem, compromisso com o país e com a qualidade de vida do nosso povo. É a agenda que traduz o Brasil moderno, que reacende a esperança de um povo machucado por anos de estagnação.