A cloroquina, a "gripezinha" e a "nova política" ganharam uma companheira. É a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, criada em junho. Atrás dessa salada escondem-se o risco de um apagão devido à falta de chuvas e a opção preferencial pelo negacionismo que alimenta as marquetagens do governo.
Bolsonaro não pode ser responsabilizado pela redução do volume de água nos reservatórios, mas quando decide encarar o problema maquiando-o, agrava-o. A pandemia mostrou que nos desvãos do negacionismo e da prepotência infiltram-se as picaretagens de intermediários milagreiros.
No caso da falta de chuvas, o governo erra porque quer. Tem à mão a literatura do desempenho do governo de Fernando Henrique Cardoso na crise de 2001. Os demônios de então eram os mesmos de hoje: burocratas negacionistas protegiam-se com a dispersão da autoridade.
FHC deu plenos poderes a Pedro Parente, seu chefe da Casa Civil, e ele criou uma Câmara de Gestão da Crise de Energia. Os marqueteiros reclamaram, pois não queriam falar em crise.
Parente bateu o martelo:
-- Não, tem que usar a palavra crise. É Câmara de Gestão da Crise de Energia, porque a população precisa entender que estamos vivendo uma crise. Não adianta esconder.
Se ele não tivesse feito isso, talvez tivesse sido criada uma Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
Foi-se o professor José Arthur Giannotti. Deixou sua obra e um exemplo de distanciamento do poder.
Amigo por décadas de Ruth e Fernando Henrique Cardoso, hospedava-se no palácio da Alvorada quando ia a Brasília.
FHC colocou-o, por mérito, no Conselho Federal de Educação, que autoriza a criação de universidades particulares. Quando entrou na pauta a transformação das faculdades Anhembi-Morumbi em universidade, ele votou contra, perdeu, pegou o boné e abandonou o conselho.
Na época ele explicou:
"Há faculdades sem bibliotecas, que tomam estantes emprestadas quando temem a chegada da fiscalização. Há escolas que são caça-níqueis. Quando anunciei minha demissão, um dos conselheiros disse que, tendo perdido a votação, eu queria vencer no tapetão. O meu jogo é outro. Não recorro a amizades para resolver esse tipo de problema. Eu estava hospedado no Alvorada e não comentei o episódio com o presidente. Não vou ganhar no tapetão. Quero ir à luta no gramado."
Lutou enquanto viveu.
O senador Ciro Nogueira é habilidoso e experiente, mas se acha que Bolsonaro lhe deu autonomia para fechar acordos políticos na Casa Civil, comprou um terreno na Lua com vista para Saturno.
Sergio Moro comprou um lote nesse condomínio. Ficava ao lado do "posto Ipiranga" de Paulo Guedes.
CENÁRIO DA CATÁSTROFE
O comitê eleitoral instalado no Palácio do Planalto trabalha para reeleger Bolsonaro no ano que vem. Os profissionais sabem que isso é possível, mas temem o cenário de uma catástrofe: o capitão não chegaria ao segundo turno.
O ex-ministro Gilberto Kassab, respeitado por suas previsões eleitorais, admitiu essa hipótese há poucas semanas.
De lá para cá, de forma sibilina, Bolsonaro disse em duas ocasiões que poderá não se candidatar. Isso não é verdade, mas, por via das dúvidas é uma rota de fuga, fabricando algum tipo de crise.
Mico diplomático
No próximo sábado completa-se um mês da divulgação da notícia de que o pastor Marcelo Crivella seria o novo embaixador do Brasil na África do Sul.
A etiqueta diplomática recomenda que o nome de um novo embaixador só seja divulgado depois da concessão do agrément do país para onde ele irá. A mesma etiqueta informa que quando o governo não responde prontamente, isso significa que ele prefere não receber o indicado.
Crivella está com o seu passaporte retido por decisão judicial.
Cadeia de comando
O capitão Bolsonaro disse que tratou do caso da vacina indiana com o general Pazuello, que passou a denúncia ao coronel Elcio Franco, que nada viu de errado na picaretagem.
Nunca é demais relembrar o texto que o general Dwight Eisenhower escreveu em junho de 1944, na véspera da invasão da Normandia pelas tropas aliadas, para o caso de um fracasso:
"Se alguma culpa deve ser atribuída à tentativa, ela é só minha."
No padrão de seu governo, a encrenca da Covaxin terminará sendo atribuída às vítimas da Covid.