segunda-feira, 19 de julho de 2021

As instituições estão funcionando?, Marcus André Melo, FSP

 As instituições estão funcionando? Embora legítima, a pergunta é analiticamente pobre. Mas ela é cada vez mais enunciada com propósitos meramente retóricos. A avaliação das instituições na opinião pública e entre analistas é marcada por vieses e imprecisões.

As pesquisas de opinião sobre o Poder Executivo, por exemplo, são influenciadas pelo alinhamento político dos respondentes em relação ao ocupante do poder, como mostrou Reeves e Rogowski, em pesquisas em 64 países. A avaliação do Judiciário, por sua vez, tende a ser inversamente correlacionada à do Executivo, como mostrou Bartels e Johnson: é positiva quando a do ocupante do Executivo não o é.

PUBLICIDADE

A pergunta geral sobre o funcionamento das instituições é também imprecisa por várias razões. Em primeiro lugar, ela exige uma resposta dicotômica —sim ou não—, quando, na realidade, a resposta exigiria uma métrica contínua ou ordinal, de, por exemplo, zero a dez. E mais: as instituições estão funcionando pior ou melhor em relação a quê? Ao passado? A outros países?

Em terceiro lugar, estamos falando do Poder Judiciário, das instituições eleitorais, do Poder Legislativo, das instituições reguladoras ou de controle? Do federalismo? Do Poder Executivo? As instituições informais também contam (como argumenta o Nobel de Economina Douglass North)?

Em quarto lugar, como medir o funcionamento institucional? A ausência de escândalos de corrupção significa melhor ou pior desempenho das instituições de controle? O número de pedidos de impeachment sinalizam mau ou bom funcionamento?

Finalmente, a pergunta pressupõe que existiria um modelo ideal em relação ao qual ocorreriam desvios. Debate-se o presidencialismo como se o modelo de separação de Poderes desenhado por Madison não fosse ele próprio, como defendem alguns analistas, constitutivamente instável.

Além disso, sabemos que a escolha de desenho institucional é marcada por "trade offs" pelos quais alguns valores serão sacrificados em favor de outros. Discutir o tema sem referência a essas questões torna-se um exercício apenas retórico.

O debate sobre instituições tornou-se hiperinstitucionalista: uma vez adotado um modelo institucional ou conjunto de regras, supõe-se que tudo o mais se ajustaria. Tudo o mais neste caso incluiria a própria sociedade. Ignoram-se os atores. O funcionamento institucional não deriva apenas de regras institucionais; as instituições são habitadas por atores, cujas preferências, normas e valores variam amplamente, inclusive em relação em termos de sua intensidade. Sob certas configurações, esses fatores podem subverter o funcionamento das instituições.

Decisão de Moraes fixando delegado em inquérito de interferência de Bolsonaro causa imbróglio na PF, FSP

 


A decisão de Alexandre de Moraes de recolocar o delegado Felipe Leal no comando da apuração sobre interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal gerou um imbróglio no órgão. Leal deixou o caso em abril, quando foi trocado de cargo em meio a um desentendimento com a atual direção da PF.

O despacho do ministro do STF foi lido por quem acompanha o caso como indicativo de que ele quer que a linha investigativa que vinha sendo adotada pelo delegado seja mantida.

PUBLICIDADE

Leal propôs diligências novas para aprofundar o inquérito antes de sair.

Desde que ele deixou o caso, nenhum outro delegado assumiu a investigação. A apuração seria redistribuída para outro policial nas próximas semanas, mas a decisão de Moraes cortou os planos da PF.

A apuração está desde setembro de 2020 no Supremo, que precisa decidir o formato do depoimento de Bolsonaro –pessoalmente ou por escrito.

Leal era chefe da área que investiga políticos com foro. Ele saiu após afirmar ao Supremo que não era possível confirmar a autenticidade das mensagens da Vaza Jato, abrindo a primeira crise da gestão de Paulo Maiurino.

A direção da PF considerou o documento assinado por Leal demasiadamente opinativo e fora de propósito. Como se tratava de um laudo pericial, o entendimento era que o delegado deveria apenas encaminhar o resultado, sem fazer comentários a respeito. De acordo com pessoas da diretoria, havia previsão de troca no setor, abreviada pelo episódio.

O embate das mensagens estava no contexto da movimentação política e jurídica que busca usar os diálogos vazados para punir integrantes da força-tarefa da operação de Curitiba. O ministro Gilmar Mendes, do STF, se incomodou com a manifestação do delegado e reclamou publicamente.

Leal agora está em um cargo na Academia Nacional de Polícia, onde não há inquéritos. Ele não tem equipe no local, por exemplo, para análise de documentos.

A investigação sobre interferência sempre foi conduzida por uma equipe de delegados, nunca por um só.

Desde a mudança de diretoria, houve uma debandada nesse setor de inquéritos especiais, que é um dos mais sensíveis do órgão –cinco delegados deixaram o grupo.

Nos bastidores, as saídas foram atribuídas a desconfortos com a nova gestão. Todos que participaram da apuração da interferência foram embora.

Bernardo Guidali e Wedson Cajé foram os últimos a deixar o setor.

O primeiro saiu depois do desgaste com a cúpula da PF após pedir uma investigação sobre o ministro do STF Dias Toffoli com base na delação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral. O outro foi ocupar um cargo de chefia no Pará.

Após as baixas, a nova direção da PF começou a recrutar delegados de sua confiança para repor a área. O primeiro a chegar foi Willian Tito.

Assim que se apresentou, ele ficou incumbido de dois importantes casos, o da suposta prevaricação de Jair Bolsonaro na compra da Covaxin e um dos inquéritos de Ricardo Salles.

Como mostrou o Painel, a nova direção da Polícia Federal definiu três temas para chamar de prioridade na área de investigação: milícias e facções criminosas, corrupção e crimes ambientais.

IPO da Raízen larga “já vendido” e estreia otimista alcançaria R$ 97 bilhões, Nova Cana

 A Raízen, sucroenergética dos grupos Cosan e Shell, colocou na rua sua oferta pública inicial (IPO). Com isso, garante sua estreia na B3 antes do início das férias no Hemisfério Norte. A companhia se apresenta ao mercado avaliada, antes da captação com a oferta de ações, entre R$ 67,5 bilhões e R$ 86,5 bilhões.

A empresa desfilará – agora oficialmente – aos investidores dentro do ponto que a Cosan entendia estar seu valor quando o plano de sua listagem na B3 se tornou público. Falava-se, no início, em intervalos entre R$ 70 bilhões e 90 bilhões e, mais recentemente, os comentários subiram para algo entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões.

A empresa chega praticamente já vendida. Fontes de mercado apontam que o livro da oferta está praticamente coberto. Agora, é ver o extra que vem. Os compradores, como era o plano desde o começo, são principalmente estrangeiros. A recente alta do petróleo, é claro, ajudou a compor o ambiente favorável à transação.

A faixa de preços sugerida para a colocação – integralmente primária e em preferenciais – vai de R$ 7,40 a R$ 9,50 por ação, após rodar o mundo e o Brasil como uma empresa cuja commodity oficial é o carbono.

A Raízen, uma das cinco maiores empresas do Brasil, com receita líquida superior a R$ 115 bilhões ao ano, chegará à B3 como um negócio cujo valor agregado vendido aos investidores está muito além da produção de etanol e da distribuição de combustíveis. Está na neutralização do carbono, que durante a pandemia se consolidou como inimigo número 1 do mundo, temporariamente atrás apenas do vírus Sars-Cov-2.

A empresa brasileira é a melhor posicionada globalmente para explorar o etanol de segunda geração, produzido a partir da celulose da cana-de-açúcar (o rejeito) e não da cana, propriamente. Já existe uma produção pequena em andamento e o que faz o olho do investidor brilhar é justamente o ganho de escala dessa tecnologia.

Mas as dúvidas quanto à concretização desse plano são “o desconto” entre o que o mercado quer pagar frente ao que Cosan e Shell julgam que já vale a companhia. Vale dizer que, além da produção, a empresa domina também a distribuição, uma vez que opera a bandeira de postos Shell no Brasil.

A produção a partir do refugo da cana é quase a única que interessa aos exigentes investidores europeus no quesito sustentabilidade, pois não compete com a produção de alimentos. Parte dos entusiastas da energia limpa do futuro torce o nariz para biocombustíveis que possam concorrer com o abastecimento global de alimentos, como aqueles vindos do milho, da canola ou da soja.

Quem vale quanto?

Com o IPO de Raízen, ainda há espaço de valorização em Cosan, segundo analistas. O conglomerado construído pelo empresário Rubens Ometto vale hoje na B3 cerca de R$ 50 bilhões. A ação subiu de cerca de R$ 20 para a casa dos R$ 28, de março até agora. Com a listagem de Raízen, contudo, deveria valer entre R$ 55 bilhões e 65 bilhões – ou seja, existe um potencial ganho escondido de 10% a 30% se o IPO de Raízen sair tal e qual dentro dos parâmetros planejados. Isso já incluído na conta um desconto de holding de 20% (sobre a soma das partes, Raízen, Moove, Compass e Rumo Logística).

Considerando sucesso absoluto na venda dos papéis, ou seja, preço máximo e venda total (incluindo lotes adicional e suplementar), a Raízen pode estrear na B3 avaliada em quase R$ 97 bilhões – e, no mínimo, em quase R$ 75 bilhões.

Apesar de ter alcançado a estimativa que inicialmente a Cosan havia sugerido ao mercado, a Shell – ao que tudo indica – achou pouco. Durante as inteirações mais recentes, a Raízen se colocou como uma empresa que poderia valer mais de R$ 100 bilhões já e R$ 150 bilhões em 2021, de acordo com alguns investidores ouvidos pelo Exame.

A frustração – não chega a ser insatisfação – da Shell com a avaliação é percebida pelo tamanho da oferta. O plano da Raízen é captar entre R$ 6 bilhões (preço mínimo e só oferta base) e R$ 10,4 bilhões (preço máximo e venda integral das ações e mais extras). A sócia holandesa bateu o pé em dois momentos relevantes: não aceitou adesão ao Novo Mercado – aos minoritários, apenas ações preferenciais – e não topou diluição extra, com o preço ligeiramente fora do que entendia ser justo.

Mas a Shell nunca foi a maior entusiasta desse movimento de abertura de capital. Ainda que para a Raízen seja um movimento estratégico muito relevante, alcançar a independência de seus acionistas para captação de recursos, os limites da sócia internacional são fáceis de serem compreendidos. A Raízen está hoje, em termos de neutralização de carbono, onde a Shell vai se esforçar para estar em 2050.

O que a Raízen evita por ano em emissão de carbono – 5,2 milhões de toneladas – é mais do que as 3,7 milhões de toneladas que a Tesla já evitou em 11 anos. Além disso, equivale a 2,5 milhões de carros a menos em circulação.

Por ser um IPO “livre de carbono”, ou de baixíssimo impacto, a Raízen concentrou os esforços de colocação da oferta fora do Brasil. Mas isso foi na prévia do road-show. Agora é que são elas. No Brasil, pelo menos, os investidores indicavam que uma avaliação aceitável estava em torno de R$ 70 bilhões. Por aqui, o mercado está acostumado a enxergar a operação como uma "usina" de açúcar e álcool. Mas a empresa se apresentou como muito mais.

A companhia mais comparável à Raízen – em parte do negócio – e usada nas conversas com investidores é a finlandesa Neste, avaliada em 42 bilhões de euros na bolsa de Helsinque, e uma das queridinhas do “carbon free”. A empresa, cuja receita líquida foi de quase 12 bilhões de euros no ano passado e o Ebitda, de 1,5 bilhão de euros, produz 3 bilhões de litros de diesel verde. É negociada, portanto, a bem mais do que 20 vezes Ebitda.

A Raízen tem reforçado ter condições, sem a necessidade de nenhum hectare adicional, de ampliar a produção em mais de 3 bilhões de litros (2 bilhões em etanol de segunda geração e mais o equivalente a 1 bilhão de litros em biogás), ou uma Neste inteira. A esse adicional soma-se a sua produção atual, que foi de 2,5 bilhões de litros na safra passada. Sem esses extras, no ano-safra terminado em março, o Ebitda da companhia foi de R$ 6,6 bilhões. Um múltiplo de 20 vezes aqui aplicado levaria o negócio a mais de R$ 115 bilhões – sem aumento de produtividade e sem Biosev, apenas sobre 2021.

Graziella Valenti