Michel Temer
É regra geral que nenhuma lesão a direito individual seja excluída da apreciação do Poder Judiciário. Sabe-se, contudo, o número infindável de ações propostas perante a Justiça, seja federal ou estadual.
Por isso, foi preciso estabelecer formas constitucionais que reduzissem a tramitação dessas questões levadas ao Judiciário. Foram criados no passado os Juizados de Pequenas Causas e os Juizados Especiais de Causas Penais, de menor potencial ofensivo. Incentivou-se também a conciliação como forma inaugural de qualquer processo judicial. Tudo com o objetivo de desafogar o Judiciário e também tornar ágil a prestação jurisdicional.
É nesse contexto que surge a Lei de Arbitragem (nº 9.307/1996), que promoveu uma maior segurança jurídica e rapidez na tramitação dos processos. Sendo assim, faz sentido que o mérito das questões decididas por um tribunal arbitral seja submetido a posterior apreciação da Justiça comum? O juízo arbitral substitui-se ao Poder Judiciário na sua decisão final. É, numa expressão livre, uma “longa manus” daquele Poder.
A Lei de Arbitragem enfatiza, no art. 7º, que o juiz poderá se manifestar na fase prévia de formação do arbitramento sem decidir a matéria do litígio, que será decidida pelo juízo arbitral. E só por ele. A pá de cal reveladora de que a decisão do juiz arbitral não pode ser levada ao Judiciário está no art. 18 da lei 3.807/2006: “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. É certo que o Judiciário pode declarar a nulidade da sentença arbitral, mas apenas em casos de natureza formal, nunca sobre o conteúdo da decisão arbitral. Apenas poderá verificar se os requisitos da lei foram cumpridos. Nada mais.
Decisões arbitrais têm hoje dimensão e utilização internacionais. Reporto-me ao art. 34 da lei sob comentário que se refere à sentença arbitral estrangeira que será reconhecida ou executada no Brasil após homologação do Superior Tribunal de Justiça. Quando um governo busca atrair investidores internacionais, a arbitragem funciona como um instrumento de maior segurança jurídica, uma vez que costuma ser mais célere, e suas regras são de amplo conhecimento. Assim, é reduzida a insegurança para as partes, que não ficam sujeitas às leis e culturas jurídicas próprias de cada país.
Essa é a fórmula encontrada pela legislação pátria para desafogar e apressar a prestação jurisdicional. Questionar uma arbitragem judicialmente sem apresentar um conjunto probatório capaz de alicerçar os argumentos contrários à decisão dos árbitros significa o mesmo que afrontar um tribunal com litigância de má-fé. As arbitragens geralmente decidem sobre causas econômicas de grande porte, as quais não se restringem apenas ao volume de recursos envolvidos, mas envolve também indiretamente os empregos, além de toda a cadeia produtiva, seja indústria, serviços ou setor primário.
Não é por acaso que o Judiciário tem evitado anular decisões de arbitragens. Para que o resultado de um tribunal arbitral seja anulado é preciso que as provas conduzam a uma evidente contaminação do processo —provas que sejam claras em apontar a influência de fatores externos na construção do veredito de um ou mais árbitros. Se não for assim, questionamentos da parte perdedora devem ser vistos como mero protesto ao qual todo e qualquer perdedor tem o direito de exercer.
O Brasil tem buscado atrair investimentos, especialmente neste momento de dificuldades causadas pela pandemia. E o governo tem incluído a cláusula de arbitragem nos contratos, porque está consciente de que ela promove uma maior segurança jurídica aos investidores estrangeiros.
Neste momento em que é preciso sinergia de todos os Poderes para superarmos a crise e resgatarmos o país, o papel da Justiça no julgamento de ações questionando decisões arbitrais deve servir de exemplo, impedindo que litigâncias de má-fé desmoralizem um instrumento cuja confiabilidade é reconhecida em todo o mundo.
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