Há exatamente um ano, cerca de uma semana após a confirmação do novo coronavírus no Brasil, o ministro Paulo Guedes (Economia) dizia que a cotação do dólar poderia ir a R$ 5 caso fosse feita "muita besteira".
Naquele dia, a moeda americana subiu 1,6%, a R$ 4,653, após o Banco Central fazer três leilões de contratos de swap cambial —venda de dólares no mercado futuro— para conter a desvalorização do real.
"Pode chegar a R$ 5? Ué, se o presidente pedir para sair, se todo mundo pedir para sair. É um câmbio que flutua, se fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível", afirmou Guedes em 5 de março de 2020.
A desvalorização, porém, continuou –sete pregões depois, a moeda americana fechou acima de R$ 5 pela primeira vez, devido ao avanço do coronavírus pelo mundo.
Nesta sexta-feira (5), o dólar terminou o pregão com alta de 0,38% cotado a R$ 5,6820, um salto de 22% em relação à mesma data do ano passado.
De lá para cá, a moeda se aproximou dos R$ 6, indo até R$ 5,90, seu recorde nominal (sem contar a inflação). Segundo analistas, as principais razões para a alta no câmbio são o risco fiscal e os juros baixos.
“Não é um movimento exclusivo do real, é dos emergentes, mas a nossa moeda está mais desvalorizada que os pares pela questão fiscal”, diz João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos.
Investidores temem o aumento de gastos de governo durante a pandemia, sem contrapartidas, o que eleva a relação dívida-PIB (Produto Interno Bruto). Diante do endividamento do governo e queda na atividade econômica, o risco-país medido pelo CDS de cinco anos subiu 53% desde março passado, e está em 197 pontos
O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias dos países, especialmente emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país; se ele cai, o recado é o inverso.
A alta nos novos casos de Covid-19 no Brasil, que levaram diversos estados, como São Paulo e Minas Gerais, a ampliarem as medidas restritivas, também impacta o real. Outro fator negativo para a divisa são as recentes interferências do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em estatais.
Desde a crítica de Bolsonaro ao atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em uma live na noite do dia 18 de fevereiro, o dólar sobe 4,4%. Em relação aos principais pares gobais, o dólar americano se valorizou apenas 1,5% no período, segundo dados da Bloomberg.
A queda da Selic, hoje na mínima histórica da 2% ao ano, também tem grande impacto na desvalorização da divisa brasileira por meio do carry trade, prática de investimento em que o ganho está na diferença do câmbio e do juros.
Nela, o investidor toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país, no caso, os EUA, para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior, o Brasil. Com a Selic no atual patamar, essa operação deixa de ser vantajosa e estrangeiros retiram seus recursos, em dólar, do país, o que eleva a cotação.
“Com a queda da Selic, o fluxo de retirada [de dinheiro do país] é enorme e faz o dólar subir”, diz Rodrigo Friedrich, diretor de renda variável da Renova Invest.
Em 2021, o real é a terceira moeda que mais se desvaloriza no mundo, atrás apenas do peso cubano e do dinar líbio. As intervenções do BC continuam para conter a queda. Nos últimos pregões, o BC tem feito leilões de swap tradicional. Nesta sexta, foram 16 mil contratos.
“O BC está preocupado com a alta do dólar. Se deixasse flutuar, o dólar estava acima de R$ 6”, afirma Friedrich.
Nos últimos pregões, outro fator impacta o real: a força internacional do dólar, com a alta nos juros dos títulos do Tesouro americano (Treasuries), o que impulsiona um fluxo de investimentos para os Estados Unidos em detrimento de países emergentes.
Nesta sexta, o dólar se fortaleceu com dados da criação emprego nos EUA em fevereiro, que superaram as expectativas do mercado, indicando força na recuperação da economia americana e aumentando o apelo para investimentos no país.
Os EUA criaram no mês passado, em termos líquidos, 379 mil empregos fora do setor agrícola, após aumento de 166 mil em janeiro. Economistas ouvidos pela agência Reuters previam 182 mil de postos a mais.
Com isso, os rendimentos dos Treasuries foram a novas máximas em um ano e o dólar ganhou terreno frente a quase todos os seus principais rivais. O índice do dólar contra uma cesta de moedas fortes subia 0,33% no fim do dia, nos picos desde novembro do ano passado.
O índice do dólar ante moedas de países ricos, que caiu 6,8% no ano passado, sobe cerca de 2,2% neste ano e 3,1% desde a mínima de janeiro.
Nesta sessão, o mercado de ações americano relfetiu a criação de empregos e o índice S&P 500 subiu 1,95%. O Dow Jones teve alta de 1,85% e Nasdaq, de 1,55%.
A alta no mercado exterior impulsionou a recuperação de ações brasileiras. O Ibovespa subiu 2,22%, a 115.202 pontos nesta sexta. Na semana, acumulou alta de 4,7%, após tombo de 7,1% na semana anterior. No ano, o índice recua 3,2%.
A Vale teve forte alta de 5,79%. Santander subiu 4,43% e as ações ordinárias (com direito a voto) do Bradesco, 5,48%.
A Bolsa brasileira também se beneficia da aprovação da PEC Emergencial no Senado com um teto para as despesas com o auxílio emergencial.
"A resistência à queda por parte do dólar ainda reflete um certo grau de preocupação. Afinal, a PEC ainda precisa ser aprovada na Câmara e, por mais que a expectativa seja de aprovação sem alterações drásticas, Brasília é sempre uma caixinha de surpresas", diz a equipe da Guide Investimentos em relatório.
A temporada de resultados também segue no radar dos investidores. Na quarta (3), o BofA Global Research destacou que mais de 50% das empresas do Ibovespa já haviam divulgado balanço e que quase 60% desses superaram as estimativas.
Os estrategistas do BofA disseram que até o momento as companhias tem adotado um tom positivo. Novos lockdowns e juros mais altos, porém, devem impactar lucros à frente, alertaram.
(Com Reuters)