quinta-feira, 4 de março de 2021

PIB foi até melhor do que se esperava, mas Bolsonaro estraga surpresa, escreve Vinicius Torres Freire, FSP

 Vinicius Torres Freire

SÃO PAULO

O resultado do ano seria um desastre histórico certo e óbvio, “recorde”, por causa da epidemia. Mas a economia andou um pouquinho melhor do que o esperado no final do ano horrível de 2020. Um tanto mais impressionante, o investimento caiu pouco –trata-se aqui da despesa em novas construções, casas, instalações produtivas, máquinas, equipamentos etc.

Caso a economia mantivesse o ritmo de produção do último trimestre de 2020 ao longo de todo este 2021, o crescimento seria algo em torno de 3,7% ao final deste ano. Seria uma estagnação, trimestre ante trimestre. Mas, como o trimestre final de 2020 foi muito melhor do que o restante do ano desastroso, na média 2021 seria melhor.

Vai manter o ritmo?

Difícil saber, mas o ano começou fraco: a economia sentiu o fim do auxílio emergencial, mais do que o previsto pelos economistas. A nova onda de morticínio da epidemia já fez estragos no primeiro trimestre e terá efeitos também pelo menos ainda em abril –o setor mais danado da economia em 2020 foi o de serviços, que não vai se recuperar enquanto o vírus estiver livre para matar, com ou sem restrições de movimento. A vacinação é tardia. Se houvesse governo, pois, seria possível crescer mais do que 3,7% e quase recuperar pelo menos o que se perdeu em 2020.

O resultado mais notável do PIB do ano passado, vamos repetir, foi a queda até pequena do investimento (0,8%). No pior momento da recessão de 2016, por exemplo, o investimento chegou a cair 16,3% no primeiro trimestre daquele ano (na taxa acumulada em quatro trimestres). Por falar no terror de 2016, o crescimento da economia acumulado em quatro trimestres foi tão ruim ou pior do que o do 2021 em três trimestres (chegando a diminuir 4,5%).
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto - Evaristo Sá - 5.fev.2021/AFP

Os auxílios emergenciais, o aumento da oferta de crédito, nos bancos e em parte facilitado pelo Banco Central, e a “reabertura” da economia a partir de outubro evitaram desastre ainda maior. Outra contribuição importante veio do comércio exterior (valor das exportações menos importações), que contribuiu positivamente com 1,2 ponto percentual para o PIB. As exportações não tinham tamanha peso no PIB pelo menos desde ao ano 2000.

Quais os problemas para 2021? Aqueles sabidos por qualquer pessoa adulta e sensata: o governo de Jair Bolsonaro deixa passar a boiada assassina do vírus e a vacinação ainda é lerda. De efeito menos visível para o observador comum, há a gestão entre incompetente e estúpida da economia. Se deixarem estourar as contas do governo e Bolsonaro continuar a “meter o dedo”, fazer intervenções demagógicas e contraproducentes, dólar e taxas de juros subirão ainda mais.

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O choque de preços de commodities (grãos, petróleo) e de alimentos em geral, multiplicado ainda pela alta do dólar, chutou a inflação para cima. O IPCA acumulado em 12 meses deve chegar perto de 7% em meados do ano. Pode ser um choque temporário. Logo, o Banco Central não precisaria reagir de modo muito agressivo, elevando os juros rapidamente, embora no atacado de dinheiro do mercado as taxas tenham explodido.

Mas o choque de preços pode não ser temporário. A intervenções estúpidas do governo e a má gestão geral da política econômica podem fazer com que o dólar permaneça nas alturas (ainda mais se continuar a tendência de fortalecimento da economia americana e de altas de juros por lá). Os juros subiriam. A inflação comeria ainda mais poder de compra.

O medo da epidemia e de que o governo cometa mais tolices causa insegurança e desconfiança de consumidores e empresas. Seria mais um freio no PIB. O nome do risco é Bolsonaro.​

Alemanha coloca partido de direita radical sob vigilância por suspeita de extremismo, FSP

 Ana Estela de Sousa Pinto

BRUXELAS

Os dois mais importantes países da União Europeia —a Alemanha e a França— fecharam o cerco contra movimentos suspeitos de atividade e discurso de extrema direita.

Na Alemanha, o partido de direita radical Alternativa para a Alemanha (AfD), principal agremiação de oposição, foi colocado sob investigação do Escritório Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla alemã). Já o governo francês vai banir o grupo de extrema direita Geração Identitária.

A decisão de vigiar o AfD foi tomada depois de dois anos de investigação sob a atividade xenófoba do partido. Advogados e especialistas em extremismo analisaram discursos de políticos da AfD e publicações na internet e concluíram que eles são suspeitos de extremismo e podem significar risco à democracia alemã.

Líderes do partido reagiram ao anúncio dizendo que há motivação eleitoral e afirmaram que vão recorrer à Justiça. Criada em 2013, a sigla tem um discurso abertamente contra imigrantes, principalmente muçulmanos, e cresceu após a crise dos refugiados de 2015, quando cerca de 2 milhões de imigrantes entraram na Alemanha.

Moça morena com máscara com a sigla AFD cortada por um X vermelho
Manifestante usa máscara de protesto contra o partido de direita radical AfD em Kalkar (no oeste da Alemanha) - Ina Fassbender - 27.nov.2020/AFP

Nas últimas eleições para o Parlamento alemão, em 2017, a AfD ficou em terceiro lugar, com 12,6% dos votos e 94 (13,3%) dos 709 deputados. Desde então, perdeu popularidade e recebeu críticas por sua retórica xenófoba após um ataque em Hanau no início do ano passado e pela participação em protestos que reuniram seus membros e terminaram em violência —num deles, manifestantes tentaram invadir o Parlamento.

Pesquisas recentes dão à AfD de 8% a 11% das intenções de voto para as eleições do segundo semestre.

As autoridades alemãs já tinham dissolvido no ano passado a ala extremista da AfD, chamada Flügel (asa), mas a agência de segurança diz que seus membros ainda mantêm influência preocupante na agremiação.

Em setembro, o partido também demitiu seu ex-porta-voz Christian Lüth por declarações em que ele sugere mandar imigrantes para a câmara de gás (a fala foi filmada sem que ele soubesse).

A nova decisão inclui escutas da comunicação entre os militantes do partido, com exceção de parlamentares eleitos e candidatos às eleições deste ano.

A AfD é o primeiro partido com representação no Parlamento alemão (Bundestag) a ficar sob vigilância do BfV, departamento criado após a Segunda Guerra Mundial para impedir a expansão de grupos extremistas. De 2007 a 2014, a agência investigou também A Esquerda, por causa de suas raízes no Partido Comunista da antiga Alemanha oriental.

A agência alemã não falou sobre a atual investigação, por causa de contestações judiciais. No ano passado, ao apresentar relatório sobre extremismo no país, o presidente da agência, Thomas Haldenwang, afirmou que o extremismo de direita e o terrorismo de extrema-direita eram o maior perigo para a democracia alemã.

Especialistas como o professor da Universidade de Würzburg Hans Joachim Lauth também consideram o extremismo de direita a principal ameaça à segurança interna da Alemanha no momento. Relatórios recentes mostraram crescimento de denúncias de extremismo em tropas armadas.

Foram 477 episódios investigados em 2020, uma alta de 30% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Serviço de Contra-Inteligência Militar. Casos ligados a neonazismo passaram de 16 para 31.

Em morro cheio de neve, dez pessoas estendem grande faixa vermelha com mensagens contra a entrada de imigrantes na França
Militantes do Geração Identitária francês colocam mensagem contra a imigração na fronteira com a Itália - Romain Lafabregue - 21.abr.2018/AFP

TENDÊNCIA PARA A MILÍCIA

Na França, o Ministério do Interior classificou nesta quarta (3) o Geração Identitária como “uma ideologia que incita ao ódio, à violência e à discriminação com base na origem, raça ou religião de alguém”.

O decreto apresentado pelo ministério afirma que atividades do grupo deixam claro que ele pretende atuar como milícia. Fundada em 2012, a Geração Identitária tem ramificações em vários países da Europa, está sob investigação na Áustria e, na Alemanha, é considerada de extrema direita.

O governo francês já havia levantado a possibilidade de proibir o grupo em janeiro, quando cerca de 30 de seus membros usaram um drone para "caçar" imigrantes ilegais na fronteira da França com a Espanha.

A agremiação tem relações também com o Reunião Nacional, partido de direita radical liderado por Marine Le Pen. O fundador do Geração Identitária francês, Damien Lefèfre, ingressou no RN e é hoje assistente do eurodeputado Philippe Olivier.

Em janeiro, o partido de direita atacou os planos do governo francês de banir o Geração Identitária chamando-os de atentado contra a liberdade de consciência, expressão e associação.

Em outubro, o governo francês também proibiu organizações consideradas extremistas islâmicas, após a decapitação do professor de história Samuel Paty por um refugiado tchetcheno.

“Não vamos deixar nenhum grupo, seja ele qual for, minar nossas leis ou nossos valores”, disse o porta-voz do governo do presidente Emannuel Macron nesta quarta.


Lúcia Guimarães - Fartura de vacinas e escassez de fatos no combate à pandemia nos EUA, FSP

 Quando li o nome do motorista no aplicativo Uber, perguntei se era brasileiro. Ele sorriu atrás da máscara e, do outro lado da divisória de fibra de vidro, disse, em português: "Você está com sorte porque acabo de desinfetar o carro todo".

Respondi que a sorte era ainda maior. Depois de várias semanas tentando agendar a primeira dose da vacina para o coronavírus, tinha conseguido vaga em cima da hora. Disse que estava contente em saber que um brasileiro ia me depositar no posto de vacinação.

Era uma tarde ensolarada e a temperatura acima de zero me permitiu abrir a janela do carro. Sentia uma certa embriaguez, mas não era o vento no rosto. Era uma sensação de alívio, de luz no fim do túnel, depois de um ano de isolamento.

Adesivo identifica vacinados, com texto em espanhol, em posto de imunização no norte de Manhattan
Adesivo identifica vacinados, com texto em espanhol, em posto de imunização no norte de Manhattan - Lúcia Guimarães - 25.fev.2021/Folhapress

Vou chamar o motorista capixaba de Rodolfo porque ele não me deu permissão para usar seu nome. Perguntei quando ele tinha tomado a primeira dose, já que, pelo calendário de Nova York, motoristas profissionais têm acesso à vacina desde o começo de fevereiro.

Mas Rodolfo furou meu balão de euforia. “Não vou tomar, por enquanto. O Uber providencia tudo para nós, mas não estou confiando.”

Respirei fundo, a imagem da família no Rio que não tem previsão de acesso à vacina passou pela cabeça e me encheu de raiva. Comecei a argumentar com calma. Falei do meu pai, médico sanitarista que trabalhou com vacinação na Fiocruz antes de eu nascer. Falei da amiga epidemiologista que me informa regularmente sobre pandemia.

Perguntei ao Rodolfo: "Quem disse que a vacina não é confiável?". “Vários passageiros,” respondeu.

Mencionei a distância forçada. “Você não quer rever sua família no Espírito Santo?” Ele disse que sim, claro. Quando saltei, Rodolfo disse que ia reconsiderar.

Na terça-feira (2), Joe Biden anunciou que vai haver vacina para toda a população adulta até o fim de maio e não julho, como ele previra ao tomar posse.

O número de americanos que desconfiam da vacina era assustadoramente alto, em janeiro, quando o ex-presidente Donald Trump tomou a vacina escondido, ainda na Casa Branca, desperdiçando a chance de dar o exemplo para seu culto fanático.

A fundação Kaiser Family monitora a desconfiança da vacina e revelou, no final de fevereiro, que a resistência caiu dos 53% iniciais para 45%. Será que, quanto mais o público percebe que os vacinados não viraram jacaré, a ignorância pode ser derrotada?

Uma conversa com um jovem que trabalha com a pandemia me deixou desconsolada. Ele rastreia contatos entre pessoas infectadas e notifica os que foram expostos a elas. E, ainda assim, quer mais provas de segurança da vacina.

Pelo menos dois bispos da Igreja Católica americana estão aconselhando fiéis a evitar a terceira vacina liberada nos EUA, a da Johnson & Johnson. Eles dizem que essa vacina é “moralmente comprometida” porque usou células de fetos abortados na produção.

Por ser de dose única e armazenagem mais fácil, a vacina da Johnson & Johnson é a maior esperança para comunidades pobres, cujo índice de imunização é mais baixo.

Na semana passada, a arquidiocese de Nova Orleans aconselhou os mais de 100 mil católicos da cidade a optar pelas outras duas vacinas. Nova Orleans é a grande região metropolitana com maior índice de pobreza do país. A vacina é grátis para todos, mas o acesso não dá direito a escolher o fabricante da dose. Com mais de 80 milhões de espetadas, dizem virologistas, se duas vacinas já em circulação oferecessem algum perigo expressivo à saúde, já teria sido detectado.

Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.