domingo, 13 de dezembro de 2020

O QUE A FOLHA PENSA Concessão polêmica

Privatização do complexo do Ibirapuera merece debate adicional, sem dogmatismos

  • 5
Nomes do esporte protestam contra a privatização do Complexo do Ibirapuera, em São Paulo - Mila Maluhy/Esporte Pela Democracia/Divulgação

Um programa de desestatização como o conduzido pelo governo paulista deve, além de buscar recursos para os cofres públicos, proporcionar mais investimentos, serviços e bem-estar para a população. É o que cabe examinar na concessão à iniciativa privada do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera.

Com o projeto, o Bandeirantes pretende economizar R$ 10 milhões anuais. Mais importante, o concessionário investiria R$ 1 bilhão para instalar no local —hoje subutilizado pelos paulistanos— uma miríade de serviços, de arena multiuso a hotel e shopping center.

Em troca auferiria receita de R$ 165 milhões anuais, segundo a modelagem financeira do governo. O novo conjunto seria entregue à cidade após 35 anos.

São bons argumentos em favor do empreendimento —que não deixa, porém, de apresentar aspectos problemáticos. Há, afinal, valores intangíveis envolvidos no uso de um espaço marcante da cidade.

Os estudos do governo permitem que o concessionário trate os equipamentos esportivos como clube, dando acesso ao público via cobrança avulsa.

O complexo foi criado para ser local de aprendizagem e lazer para os usuários de pistas de atletismo, quadras e piscinas. Não por acaso, atletas consagrados que ali treinaram se juntaram à manifestação para defender a vocação original do conjunto, cuja tentativa de tombamento não passou no Condephaat no fim de novembro.

O aspecto arquitetônico tampouco pode ser ignorado. A peça principal, o ginásio a ser convertido em shopping, é assinado por Ícaro de Castro Mello (1913-86). Ex-atleta que se tornou um dos mais destacados projetistas esportivos do país, é autor também do estádio que leva seu nome e daria lugar à arena multiuso.

A concessão do complexo seguiu os ritos formais adequados. O projeto foi debatido e aprovado pela Assembleia Legislativa em 2019.

Entretanto os opositores da privatização reclamam que o Condephaat (o conselho estadual de defesa do patrimônio histórico, artístico e turístico) teve sua composição alterada pelo governador João Doria (PSDB), também no ano passado, com redução dos representantes de universidades.

Há razões e tempo para mais discussão em torno do projeto. Mesmo reconhecendo a importância do capital privado para a recuperação de espaços e serviços públicos, a modelagem da concessão e as alternativas disponíveis podem ser reexaminadas —sem dogmatismos de nenhum dos lados.

editoriais@grupofolha.com.br

  • 5

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Macris defende reforma e diz que leva 300 dias para Alesp comprar pacote de açúcar; sindicato rebate, OESP

 Paula Reverbel, O Estado de S.Paulo

08 de dezembro de 2020 | 22h39

O deputado Cauê Macris (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) disse nesta terça-feira, dia 8, que a Casa leva atualmente 300 dias para comprar um pacote de açúcar e criticou o sindicato de funcionários – entidade contrária a um projeto de reforma administrativa que visa concentrar compras e licitações em um órgão diretamente ligado à Mesa Diretora. Entidades que representam os servidores rebateram a informação dos 300 dias.

Cauê Macris
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Cauê Macris (PSDB) Foto: Amanda Perobelli/Estadão (6/4/2017)

"Há quatro anos eu sou gestor dessa casa. Há quatro anos eu vivo no dia a dia as dificuldades que a gente enfrenta como, por exemplo, para comprar um pacote de açúcar. Você sabe quanto tempo hoje demora para comprar um pacote de açúcar na Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Castello Branco? Eu te respondo: 300 dias. Entre o pedido para você comprar um pacote de açúcar e o pacote de açúcar chegar aqui, deputada Janaina (Paschoal), são 300 dias que demoram", afirmou, em resposta a uma apresentação feita pelo deputado Castello Branco (PSL) na qual ele pedia que a proposta fosse deliberada apenas após o recesso.

"A última mudança administrativa foi feita em 1996, há mais de 20 anos. Naquela época, não existia computador, não existia internet, não existiam sistemas de administração", argumentou Macris.

(Assista a partir de 13 minutos e 56 segundos:)

Em resposta, quatro entidades ligadas aos funcionários da Casa emitiram uma nota de repúdio contra o que elas chamaram de "exageros e inverdades" sobre os "processos de licitações e de compras deste Poder". O texto é assinado pelo Sindicato dos Servidores Públicos da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Sindalesp), pela Associação dos Funcionários da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Afalesp), pela Associação dos Servidores Aposentados e Pensionistas da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Aspal) e pela Associação dos Assessores Técnicos Legislativos-Procuradores da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (AATL-P).

A nota disse ainda que os "exageros e inverdades" sobre as compras da Alesp "têm sido difundidos pelo atual titular da Secretaria Geral da Administração (SGA)", Joel José Pinto de Oliveira.

"Tais exageros e inverdades, repetidos pelo próprio Presidente da Assembleia Legislativa na Sessão Ordinária desta terça-feira, têm o indisfarçável intuito de legitimar uma proposta de 'reforma administrativa' mal-alinhavada", afirmou o texto. "O que o SGA e o Presidente chamam de lentidão e ineficiência do setor responsável por licitações e compras é, na verdade, apenas a intransigente defesa, por parte dos servidores, das normas legais e da lisura no trato da coisa pública", concluíram as entidades.

O sindicato e as associações informaram que, entre janeiro e novembro de 2020, foram realizados 58 pregões, lavradas 18 atas de registro de preço, e aplicadas 192 dispensas de licitação. Além disso, foram firmados 270 contratos no período, de acordo com as entidades.

Autoria do projeto

Na sua fala, Cauê Macris criticou Castello Branco por ter afirmado, em sua apresentação, que o projeto seria de autoria de "funcionários da Secretaria da Fazendo, com pouca experiência de Assembleias Legislativas, sem qualquer participação dos técnicos desta Casa". Na mesma ocasião, o presidente da Alesp também criticou o Sindalesp.

"Eu me sinto muito afrontado quando vossa excelência sobe nessa tribuna e diz que um projeto assinado por mim foi feito por terceiros. E mais afrontado ainda quando vossa excelência diz que foi o governador João Doria que assinou esse projeto", afirmou Macris. "Vir aqui e utilizar uma posição de um pequeno grupo de funcionários da Casa – porque eu reconheço esse texto aqui, vossa excelência tirou de um documento assinado por um sindicato da Casa. Tudo que está dito aqui, vossa excelência subiu na tribuna e disse como se fosse verdade, é uma parte da história", acrescentou.

De fato, o Sindalesp vem, ao menos desde novembro, afirmando que a proposta de reforma foi elaborada por dois servidores da Secretaria da Fazenda. 

"Acaba de ser concluída e encaminhada à egrégia Mesa uma proposta de reforma administrativa elaborada no âmbito da SGA – Secretaria Geral de Administração, em trabalho determinado pelo secretário Joel Pinto de Oliveira e coordenado pelos assessores Daniel Leão Bonatti e Oscar Adolfo Sanchez, servidores da Secretaria da Fazenda afastados junto ao Poder Legislativo por despacho do titular daquela pasta, sr. Henrique Meirelles", afirmou ofício do sindicato à Mesa em 3 de novembro. Na ocasião, a entidade solicitou que a proposta fosse encaminhada aos "setores técnicos da Casa" e aos "representantes do corpo funcional".

Projeto

O projeto de reforma administrativa, cuja ementa fala em modernização da Alesp, altera a estrutura da Casa e concentra mais poderes na Presidência do legislativo paulista. Entre as alterações, está previsto que a área de compras e licitações passe para um novo órgão – a Coordenadoria de Contratações – atrelado à Secretaria-Geral de Administração (SGA), que é subordinado à Mesa Diretora.

Oliveira, o atual titular da SGA, foi nomeado ao cargo um dia depois de Macris assumir o seu primeiro mandato como presidente da Alesp. Antes disso, ele havia sido assessor no gabinete do tucano desde 2011. Pelo projeto, a Coordenadoria de Contratações ficaria responsável para fazer pedidos de compras, pesquisar preços, lançar licitações, autorizar despesas, decidir sobre aditamentos e gerir os contratos. Atualmente, essas atribuições estão distribuídas entre diversas divisões do Departamento de Orçamento e Finanças.

Embora a argumentação seja de que a reforma vai gerar um saldo positivo de R$ 2,7 milhões no orçamento da Casa, não há, no texto, previsão de extinção de estruturas. Um exemplo é a manutenção do Núcleo de Avaliação Estratégica, cuja existência é criticada por deputados que pregam medidas de ajuste fiscal, como Janaína Paschoal (PSL), Arthur do Val (Patriota) e a bancada do Novo

Outro ponto que gerou críticas foi a manutenção da gratificação especial de desempenho, conhecida como GED. Apesar de ser, em tese, uma espécie de prêmio para funcionários que apresentam resultados positivos, sua distribuição não está atrelada a avaliações ou índices de produtividade. De acordo com Filemom Reis da Silva, secretário-geral do Sindalesp, o gasto com as GEDs foi de R$ 55,3 milhões em 2017 e só cresceu desde então. 

Ainda não foi marcada uma data para a votação do projeto de reforma administrativa. De acordo com o calendário da Assembleia, os deputados estaduais trabalham até o dia 15, quando começa o recesso. Eles entram em férias, a não ser que ainda não tenham aprovado o Orçamento do governo do Estado, que precisa, obrigatoriamente, ser votado até o fim do ano. A próxima sessão legislativa começa em 1º de fevereiro.


PEDRO DORIA É poder demais, OESP

 Antitruste não é simples. São processos raramente abertos contra grandes corporações, demoram anos, se sabemos como começam é impossível imaginar como terminam. A pena maior, que é a da divisão da empresa, é tão drástica que raramente se aplica. Os últimos destes grandes processos nos EUA foram contra IBM (anos 1970), AT&T (1980) e Microsoft (1990). IBM e Microsoft saíram transformadas, porém inteiras.

Assinaram acordos com o governo. A AT&T foi dividida. Este novo, aberto esta semana contra o Facebook, tem esse tamanho. É grande — muito grande. A FTC, agência federal que regula o livre mercado nos EUA, pede a pena máxima. Agressivo assim. Vai certamente demorar anos. E os executivos do Facebook já vêm se preparando faz tempo para essa briga.

São dois processos parecidos, um da FTC, o outro simultâneo, tocado por 46 dos 50 Estados americanos. Ter um monopólio não é crime. Abusar da condição para evitar que rivais surjam, é. Os procuradores-gerais estaduais e a agência dizem que o Face fez justamente isso. E o fez através de aquisições. A cada empresa que comprou — destacam Instagram e WhatsApp — estava evitando que um mercado com livre concorrência se formasse. Primeiro pela captura daqueles com potencial de virarem grandes no seu ambiente. E, segundo, por usar seu poder para sugar do mercado ideias inovadoras que pudessem ameaçar seu domínio. Foi o que fez com o Snapchat.

O Facebook tem contra-argumentos. O primeiro, e mais difícil para a FTC, é que ambas as compras, de Insta e Zap, foram aprovadas. A agência funciona também como um Cade americano, tendo de autorizar certos negócios. Fez as perguntas que quis, analisou os documentos que precisou, no caso do Instagram a autorização já era polêmica na época e, ainda assim, a aquisição foi liberada. Não pode, alegam os advogados da Big Tech, agora voltar atrás e dizer que é anticompetitiva a prática que eles mesmos autorizaram.

É, de longe, o ponto mais frágil da acusação da agência. Não é só isso. Os advogados também argumentam que enxergar o negócio do Facebook como o das mídias sociais é um erro. O seu ramo envolve o da publicidade online e o da disputa pela atenção de quem usa o digital. E, assim, tem competidores globais como Apple, Google, Amazon, Microsoft, Twitter, Snap e TikTok.

E aí esta seria uma discussão se a briga fosse uma entre o governo dos EUA e o Facebook. Só que não é. Outro processo antitruste já foi aberto contra o Google, não deve ser o único, e processos são esperados contra Amazon, mais amplo e, contra a Apple, mais específico, tratando da loja de aplicativos para iPhone e iPads. Isso apenas nos EUA. A União Europeia prepara uma batelada de leis e regulamentações para mudar radicalmente a relação das Big Techs e seus algoritmos com os cidadãos. A Alemanha abriu uma investigação sobre o Facebook e sua compra da empresa de realidade virtual Oculus. A Austrália e o Canadá também estão com procedimentos.

Aquele mundo que foi não será mais. Um conjunto de quatro ou cinco empresas tem um poder imenso sobre algo como metade da população mundial. Sabe como reagimos emocionalmente perante situações dadas, conhece cada detalhe de nossos rostos, e com os algoritmos certos e câmeras apontadas pode dizer se estamos entediados, felizes, arrasados. Sabe em que dia do mês estamos mais propensos a compras, desconfia com muita proximidade sobre em quem votamos nas eleições passadas. Sabe, até, que busca fazemos quando é madrugada, a casa está em silêncio e achamos que ninguém nos observa.

Estas empresas não controlam de todo suas tecnologias, mas em breve o farão. É, simplesmente, poder demais.

*É JORNALISTA