sábado, 11 de maio de 2019

Paul Auster critica Trump, Bolsonaro e afirma que a consciência tomou lugar da imaginação, FSP

Autor americano é um dos convidados do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento

O escritor Paul Auster, que participa do Fronteiras do Pensamento
O escritor Paul Auster, que participa do Fronteiras do Pensamento - Maki Galimberti/Houston Press/Divulgação
    Maurício Meireles
    SÃO PAULO
    Paul Auster está interessado na verdade, este conceito que, há pouco tempo, prometia ficar fora de moda nos meios intelectuais. Há muita mentira lá fora —mas não quando ele se senta para escrever em seu apartamento em Nova York. Ao menos é o que diz buscar.
    Essa busca por dizer o que não foi dito —e de formas que nunca foram utilizadas—, a fim de que a verdade apareça na relação íntima entre um autor e seus leitores, é o que move sua literatura, diz. E é o que salva a arte literária de mergulhar em uma melancolia destrutiva.

    Auster vem ao Brasil em junho para falar no Fronteiras do Pensamento, que reúne ainda nomes como filósofo britânico Roger Scruton e o cineasta alemão Werner Herzog, entre outros. Autor de “A Trilogia de Nova York”, ele é um dos ficcionistas mais celebrados do mundo —seu último romance, “4 3 2 1”, foi finalista do Man Booker Prize.
    Esta edição do Fronteiras do Pensamento, que ocorre entre maio e novembro em Porto Alegre e São Paulo, tem como tema “os sentidos da vida”. 

    Alguns dirão que a literatura —ou boa parte da literatura que importa— é uma arte com um pé no niilismo, pessimista, consciente demais da angústia humana. E que, por isso, responder sobre o sentido da existência não estaria entre seus principais interesses.

    Auster discorda. Vê a ficção como uma experiência única —com dois estranhos, autor e leitor, a conversar em completo silêncio. O escritor chega a usar a palavra “milagre” para defini-la.

    "[A leitura] é o único lugar, no mundo, onde dois estranhos podem se encontrar em absoluta intimidade. Um estranho, alguém que você nunca viu, o escritor, está falando com você. É um espaço muito íntimo”, diz.
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    Mas o que o sentido tem a ver com essa história? “O trabalho do escritor não é a destruição —que é o que a palavra niilismo me sugere—, mas criar uma atmosfera de verdade. A verdade que faça o leitor seguir adiante, porque ela responde à ideia que ele tem do que é o mundo real.”
    “Você vê como Proust, um autor que admiro muito, é hábil para articular grandes questões da existência. Coisas pequenas, às vezes, mas que ninguém tinha sido capaz de expressar. Nesses momentos, o leitor é tomado por uma espécie de alegria.”
    Ao alimentar o entendimento do mundo, continua, a ficção pode ajudar o leitor a iluminar a questão sobre o sentido da vida. E não há, segundo Auster, arte que lide melhor com o tema do que a literatura. A verdade surgiria, assim, como o próprio fundamento do ofício do escritor.
    Obviamente, isso não quer dizer que os autores devam escrever só autobiografia —ou reduzir seu ofício a uma literatura de documento, tendência que se insinua no mercado global já há alguns anos. 
    “Olha só: quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”, diz, citando Kafka. “Isso não é documento. Você quer continuar e ver o que acontece. E é um dos textos mais comoventes do século 20.
    Os escritores dizem a verdade por vários caminhos. Você vai me dizer que Kafka não estava falando a verdade?”
    Em Kafka, Auster diz buscar outro valor: a clareza. Ele se lembra de um passeio por Paris com Edmond Jabès, escritor francês de origem egípcia, um de seus grandes amigos. Jabès acabara de lançar “Le Petit Livre de la Subversion Hors de Soupçon” (o pequeno livro da subversão insuspeita) e os dois discutiam o conceito que dava título ao livro.
    Ambos concordavam que a ambição de todo autor era ser subversivo, chacoalhar as ideias feitas das pessoas, fazê-las pensar de novos modos.
    “O Edmond me disse: ‘Se você quiser repensar a linguagem, se rebelar contra a gramática e a tradição para fazer algo novo, talvez você esteja mesmo fazendo algo novo. Mas ninguém vai estar nem aí. A clareza é a coisa mais subversiva que existe. Ninguém escreve tão claro quanto Kafka e ninguém é mais subversivo’”, lembra Auster, em seguida mostrando choque ao ver que o encontro aconteceu há quase 40 anos.

    Auster continua profundamente ligado à política. Com a ascensão de Trump, o autor disse que não poderia calar-se sobre o que via como absurdos do novo presidente americano —sob o risco de nunca mais poder encarar a si mesmo. À Folha, ele diz ainda ver o cenário mundial como negativo, com a ascensão da direita radical, mas tem uma nota de otimismo.

    “É um momento perturbador. Todo mundo sente que há algo acontecendo, mas não sabemos bem o quê. Mas há a percepção de que o mundo no qual vivíamos, do capitalismo global, não está funcionando. Alguns ficaram muito, muito ricos, enquanto outros se esforçam para sobreviver. É injusto. Há muito ressentimento”, afirma.
    “Quando as pessoas sentem raiva, tendem a apoiar quem parece ter respostas simples, seja alguém idiota como Trump, nocivo como o Erdogan ou como o seu novo presidente [Jair Bolsonaro].”
    Para o escritor, este não é o pior momento de uma sociedade que já teve duas guerras mundiais, com enormes massacres. “Para ver tudo com clareza, precisamos parar de entrar em pânico. Sei que é perturbador, mas há muita resistência [à direita radical]. Esse poder de resistir e a clareza moral pode nos resgatar dos nossos piores pesadelos. Está ruim, mas pode melhorar.”

    Auster vê o momento como especialmente perigoso para as artes —e não só pela rejeita que elas enfrentam em certos setores da direita, acostumados a vê-las como expressão dos valores das elites de esquerda.

    “Vivemos tempos em que a consciência toma o lugar da imaginação. E a melhor literatura parece surgir em momentos de paz e prosperidade.”

      Gatos, ratos, bacteriófagos e bactérias, OESP

      Fernando Reinach *, O Estado de S.Paulo
      11 de maio de 2019 | 03h00
      Para eliminar um ser vivo que nos incomoda, nada melhor que usar um de seus predadores naturais. Um bom exemplo é o uso dos gatos para eliminar ratos. Desde que nos livramos dos leões e outros grandes carnívoros, o grupo de seres vivos que mais nos ameaça são as bactérias. E, para matá-las, engolimos toneladas de antibióticos.
      É assim desde que a penicilina foi descoberta, em 1928, por Alexander Fleming. Mas estão surgindo bactérias resistentes a todos os nossos antibióticos. Esse é um problema que não vai passar com uma aspirina. É por isso que um trabalho que descreve o uso de inimigos naturais das bactérias para curar uma menina de 15 anos chamou tanta atenção essa semana.
      Os inimigos naturais das bactérias são vírus que penetram na bactéria, se reproduzem no seu interior, provocam sua explosão, liberando centenas de novos vírus que vão à caça de novas bactérias. Esses vírus são chamados de bacteriófagos (comedores de bactérias).
      A ideia de combater infecções bacterianas com vírus é antiga, mas alguns fracassos iniciais e o surgimento dos antibióticos colocaram essa estratégia no fundo do armário da Medicina.
      Uma menina de 15 anos, portadora de uma doença genética chamada fibrose cística, que prejudica o funcionamento dos pulmões, causando inúmeras infecções respiratórias, já estava muito debilitada quando, para salvar sua vida, foi submetida a um transplante de pulmão.
      Para infelicidade de todos, dias depois da operação, a cicatriz começou a ficar vermelha e a supurar. Era uma infecção por Mycobacterium abscessus, uma bactéria que causa abscessos. Ela era resistente a todos os antibióticos e as feridas foram se espalhando pelo corpo da menina e pelos órgãos internos. Sem nada que pudessem fazer, os médicos a mandaram para casa. Os pais inconformados insistiram e os médicos resolveram tentar matar a bactéria usando bacteriófagos.
      Mas como achar um vírus capaz de atacar exatamente essa cepa de bactéria? A sorte dos médicos é que nos Estados Unidos há um banco de vírus, criado por crianças do ensino médio, que na escola apreendem a isolá-los de tudo que é poça d’água, lixeira e animais em decomposição. E esse banco possui centenas de milhares de vírus.
      Os cientistas isolaram a bactéria que infectava a menina e testaram cada amostra de vírus do banco, com o objetivo de identificar vírus capazes de atacar a maldita Mycobacterium abscessus. Três bacteriófagos que tinham sido batizados de Muddy, ZoeJ e BP, pelas crianças que os isolaram, se mostraram capazes de matar a Mycobacterium abscessus
      Muddy, ZoeJ e BP tiveram seu DNA sequenciado e os genes que poderiam torná-los menos virulentos foram identificados e retirados do genoma. Em seguida, os vírus foram reproduzidos em larga escala e injetados primeiramente na pele da menina, para ver se havia alguma reação alérgica (o que não ocorreu), e em seguida diretamente no sangue da paciente.
      Dias depois, os abscessos começaram a secar e as feridas fecharam. Testes no sangue indicavam que a bactéria ainda estava presente. Como as injeções de vírus não provocaram qualquer efeito colateral, ela continuou a ser tratada com injeções diárias de vírus e aos poucos as bactérias foram vencidas. A menina voltou a ter uma vida normal.
      Esse é um resultado surpreendente e promissor, principalmente agora que somos capazes de manipular vírus para alterar sua especificidade e virulência por meio da engenharia genética. Os cientistas estão animados, mas cautelosos, afirmando que não podem ter certeza absoluta que foi o vírus que destruiu as bactérias. Quando testaram essa mistura de vírus em outras cepas de bactérias constataram que os vírus são específicos para essa bactéria.
      Foi somente um único paciente curado, mas esse resultado abre novos caminhos para tratarmos infecções bacterianas. E, com os antibióticos deixando de funcionar, todo novo caminho é mais que bem-vindo.
      MAIS INFORMAÇÕES: ENGINEERED BACTERIOPHAGES FOR TREATMENT OF A PATIENT WITH A DISSEMINATED DRUG-RESISTANT MYCOBACTERIUM ABSCESSUS. NATURE MEDICINE (2019) EM HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-019-0437-Z 

      Em estado de anarquia, João Domingos, OESP

      João Domingos, O Estado de S.Paulo
      11 de maio de 2019 | 03h00

      Pergunta-se muito por que um Congresso tido como o mais inexperiente da História, em que as lideranças políticas influentes podem ser contadas nos dedos, tem conseguido emparedar o governo como o atual tem emparedado. Não dá para destacar nenhuma vitória do presidente Jair Bolsonaro no Parlamento neste governo. Derrotas há aos montes. Nem um decreto presidencial que tratava da ampliação do número de funcionários com poder para determinar o que é documento secreto e ultrassecreto escapou. E olha que decreto é ato normativo do presidente da República, sem necessidade de passar pelo crivo dos congressistas. Mas estes têm o poder de sustá-lo caso o considerem abusivo. Foi isso que fizeram. Outro decreto, este sobre a facilitação do porte de arma para diversas categorias profissionais, assinado nesta semana por Bolsonaro, corre o risco de cair. A Mesa da Câmara já encontrou nele diversas irregularidades. 
      Volta-se à pergunta: por que um Legislativo inexperiente, tido como o mais fraco se comparado com os anteriores do período pós-redemocratização, mostra-se tão forte diante do Executivo? É possível que a resposta esteja na forma como Bolsonaro decidiu se relacionar com deputados e senadores e seus respectivos partidos. Já durante a campanha boa parte do eleitor de Bolsonaro foi contaminada pela ideia de que tudo o que havia no Congresso era ruim, fazia parte da velha política, ladra e corrupta. Eleito, Bolsonaro anunciou que não faria acordos políticos e partidários para montar seu governo. Cumpriu a palavra. 
      Bolsonaro, no entanto, não conseguiu impor à Câmara seu candidato preferido, o deputado João Campos (PRB-GO). Não porque não tivesse tentado. É que os partidos de centro e de centro-direita logo perceberam que, se já tinham sido escanteados na montagem do Ministério, se eram a cada dia mais mal-afamados, seriam reduzidos a pó se permitissem a vitória de um candidato do Palácio do Planalto. Juntaram-se em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), conhecido articulador, naquelas alturas já com a experiência de dois mandatos de presidente da Câmara, líder e presidente do DEM por anos. 
      No Senado até que Bolsonaro conseguiu impedir a eleição de Renan Calheiros (MDB-AL), muito mais por erros do próprio senador de Alagoas do que por méritos na articulação a favor de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que chegou lá com a ajuda de uma improvável união da Rede, PSB, DEM, PSL, PSDB e partidos de centro. Acontece que Alcolumbre tem suas ambições. Não pode ser considerado um aliado do governo. Tanto é que teve atuação destacada na articulação que obrigou Bolsonaro a aceitar a recriação de dois ministérios. 
      Ao optar por montar sua equipe sem a participação de partidos políticos, Bolsonaro acabou por tirar poder dos líderes partidários. Antes, esses líderes podiam atrair liderados para suas causas a partir de promessas em nome de ministérios que detinham no governo. Sem ter o que prometer agora, eles não conseguem arrancar compromisso de ninguém. Tornaram-se líderes de nada. Tanto é que, nas negociações para a recriação dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional, os líderes prometeram a Bolsonaro que manteriam o Coaf com o Ministério da Justiça. Veio a votação na comissão da medida provisória que reordenou o governo e poucos votantes obedeceram. O Coaf foi transferido para o Ministério da Economia à revelia do que os líderes pediram. 
      O que se vê hoje no Congresso é uma espécie de anarquia generalizada, em que cada um faz o que quer, pois a figura do líder praticamente se tornou decorativa. Ao tirar, de forma indireta, o poder dos líderes, Bolsonaro abriu também as portas para o domínio do baixo clero.