João Domingos, O Estado de S.Paulo
11 de maio de 2019 | 03h00
Pergunta-se muito por que um Congresso tido como o mais inexperiente da História, em que as lideranças políticas influentes podem ser contadas nos dedos, tem conseguido emparedar o governo como o atual tem emparedado. Não dá para destacar nenhuma vitória do presidente Jair Bolsonaro no Parlamento neste governo. Derrotas há aos montes. Nem um decreto presidencial que tratava da ampliação do número de funcionários com poder para determinar o que é documento secreto e ultrassecreto escapou. E olha que decreto é ato normativo do presidente da República, sem necessidade de passar pelo crivo dos congressistas. Mas estes têm o poder de sustá-lo caso o considerem abusivo. Foi isso que fizeram. Outro decreto, este sobre a facilitação do porte de arma para diversas categorias profissionais, assinado nesta semana por Bolsonaro, corre o risco de cair. A Mesa da Câmara já encontrou nele diversas irregularidades.
Volta-se à pergunta: por que um Legislativo inexperiente, tido como o mais fraco se comparado com os anteriores do período pós-redemocratização, mostra-se tão forte diante do Executivo? É possível que a resposta esteja na forma como Bolsonaro decidiu se relacionar com deputados e senadores e seus respectivos partidos. Já durante a campanha boa parte do eleitor de Bolsonaro foi contaminada pela ideia de que tudo o que havia no Congresso era ruim, fazia parte da velha política, ladra e corrupta. Eleito, Bolsonaro anunciou que não faria acordos políticos e partidários para montar seu governo. Cumpriu a palavra.
Bolsonaro, no entanto, não conseguiu impor à Câmara seu candidato preferido, o deputado João Campos (PRB-GO). Não porque não tivesse tentado. É que os partidos de centro e de centro-direita logo perceberam que, se já tinham sido escanteados na montagem do Ministério, se eram a cada dia mais mal-afamados, seriam reduzidos a pó se permitissem a vitória de um candidato do Palácio do Planalto. Juntaram-se em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), conhecido articulador, naquelas alturas já com a experiência de dois mandatos de presidente da Câmara, líder e presidente do DEM por anos.
No Senado até que Bolsonaro conseguiu impedir a eleição de Renan Calheiros (MDB-AL), muito mais por erros do próprio senador de Alagoas do que por méritos na articulação a favor de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que chegou lá com a ajuda de uma improvável união da Rede, PSB, DEM, PSL, PSDB e partidos de centro. Acontece que Alcolumbre tem suas ambições. Não pode ser considerado um aliado do governo. Tanto é que teve atuação destacada na articulação que obrigou Bolsonaro a aceitar a recriação de dois ministérios.
Ao optar por montar sua equipe sem a participação de partidos políticos, Bolsonaro acabou por tirar poder dos líderes partidários. Antes, esses líderes podiam atrair liderados para suas causas a partir de promessas em nome de ministérios que detinham no governo. Sem ter o que prometer agora, eles não conseguem arrancar compromisso de ninguém. Tornaram-se líderes de nada. Tanto é que, nas negociações para a recriação dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional, os líderes prometeram a Bolsonaro que manteriam o Coaf com o Ministério da Justiça. Veio a votação na comissão da medida provisória que reordenou o governo e poucos votantes obedeceram. O Coaf foi transferido para o Ministério da Economia à revelia do que os líderes pediram.
O que se vê hoje no Congresso é uma espécie de anarquia generalizada, em que cada um faz o que quer, pois a figura do líder praticamente se tornou decorativa. Ao tirar, de forma indireta, o poder dos líderes, Bolsonaro abriu também as portas para o domínio do baixo clero.
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