terça-feira, 7 de agosto de 2018

Contato Editorial: A indústria e os novos desafios, OESP

A perda de participação da indústria brasileira na produção mundial, que se acentuou nos últimos anos, deixa ainda mais evidente o impacto da recessão iniciada em 2014 sobre a atividade fabril e torna mais urgentes as mudanças que assegurem ao setor manufatureiro nacional condições de competir internacionalmente. No ano passado, a indústria brasileira respondeu por apenas 1,98% do total de manufaturados produzidos em todo o mundo, de acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) cujas conclusões foram divulgadas pelo Broadcast, serviço de informação em tempo real da Agência Estado. A indústria brasileira vem perdendo espaço na produção mundial desde meados da década de 1990, mas o índice relativo a 2017 é o primeiro em três décadas que fica abaixo de 2%.
A profunda crise gerada pela irresponsável política econômica do governo Dilma Rousseff, que impôs severas perdas ao setor produtivo e gerou tremendos desequilíbrios nas finanças públicas, começa a ceder, pelo menos no que se refere à atividade econômica. Mas são muitos os obstáculos que os dirigentes industriais terão de ultrapassar para superar os efeitos da aguda recessão pela qual passou o País. Sem a confiança no futuro, seriamente abalada pela crise, não haverá a retomada dos investimentos na modernização dos processos produtivos, na atualização dos produtos e na expansão da capacidade produtiva. A perda de vigor da recuperação da economia observada recentemente em nada contribui para melhorar o ânimo dos empresários. As incertezas políticas igualmente afetam a confiança do setor produtivo.
Tudo isso torna ainda mais difícil a busca de eficiência, produtividade e competitividade que permitam ao setor produtivo nacional alcançar melhores posições em relação aos seus principais competidores no mercado global ou, pelo menos, para interromper o processo de perda de espaço no cenário mundial.
Em 1994 e 1995, o Brasil detinha 3,43% da produção industrial mundial, de acordo com estudo da CNI baseado em estatísticas e estimativas da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido). A redução da participação do Brasil entre os principais fabricantes industriais vem sendo observada desde 1995. Países mais industrializados na década de 1990 igualmente perderam participação, em razão do rápido crescimento da participação chinesa no cenário mundial. Mas a perda da participação brasileira se acentuou depois de 2014.
De 2,49% da produção mundial em 2014, a participação brasileira caiu para 1,98% em 2017. Entre 2016 e 2017, a participação brasileira diminuiu 0,34 ponto porcentual, perda menor apenas do que a registrada pelos Estados Unidos, de 0,58. Mas, para os Estados Unidos, essa perda resultou no encolhimento de apenas 3,6% na participação da produção mundial, enquanto a redução da participação brasileira foi de 14,7%.
É preciso reconhecer que a recessão iniciada em 2014 apenas acentuou – é verdade que de maneira aguda – um processo que decorre de outros problemas históricos do País, como precariedade de infraestrutura (estradas mal conservadas e em parte intransitáveis; malha ferroviária insuficiente; portos e aeroportos ainda ineficientes e caros; entre outros), complexidade do sistema tributário, burocracia excessiva, insegurança jurídica em razão de decisões erráticas das autoridades, carência de mão de obra preparada, entre outros.
A problemas antigos cuja solução depende em boa parte de políticas públicas adequadas se somam os desafios que surgem para a indústria em todo o mundo. À necessidade de superar dificuldades históricas, que têm provocado a perda de competitividade do Brasil em relação aos outros países, se acrescenta a de estabelecer uma estratégia para o desenvolvimento e a incorporação de tecnologias que assegurem a melhora da posição da indústria brasileira no novo sistema de produção industrial, conhecido como Indústria 4.0, baseada em conhecimento, integração de processos, conectividade e inteligência artificial.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Data: 06/08/2018

Aposta em commodities é um erro, alerta Graziano, da FAO, J.Unicamp (fundamental)

Projetar o consumo da demanda de commodities agrícolas pari passu com o crescimento da população me parece um erro”, alerta José Graziano da Silva, professor da Unicamp e reeleito diretor-geral da FAO até julho de 2019. Ele, que compareceu de surpresa ao 56º Congresso da Sober (Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural), sediado pela Unicamp, argumenta que está em curso no mundo uma transformação muito profunda no padrão de alimentação e nos sistemas agroalimentares, com a diferenciação de produtos, a criação de pequenos nichos de mercado e a opção por circuitos curtos de transporte, valorizando assim a capacidade de produção local.
Convidado a participar da mesa sobre “O papel dos setores público e privado no financiamento da agropecuária brasileira”, José Graziano desculpou-se por fugir do tema para ilustrar as transformações no padrão alimentar da população. “A agricultura representou uma etapa em que a humanidade pôde assegurar a alimentação sem depender do dia a dia do caçador que saía em busca do alimento. A agricultura teve papel fundamental para diminuir o esforço pela sobrevivência.”
O diretor da FAO – a Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura – observa que hoje em dia, no entanto, pode-se afirmar que a agricultura contribui cada vez menos para a alimentação do ser humano. “Falo da agricultura stricto sensu, de cultivos. Temos outros setores de produção de alimentos, como a pesca, que têm crescido substancialmente. Isso produz uma grande diferença quando se pensa no que acontecerá no futuro: a imagem de que o objetivo é a alimentação e não propriamente a agricultura; não é o modo de produção, é o alimento em si.”
Ainda para justificar sua crítica à estratégia de commodities, Graziano dá o exemplo do suco de laranja, produto sobre o qual o Brasil mantinha liderança absoluta no mercado externo. “De repente, em função do teor de açúcar e dos aditivos, o produto perdeu completamente o espaço para a laranja espremida, para o suco feito na hora. E é essa a tendência: de crescimento do consumo de laranja in natura e não mais de plantações para commodity.”


Foto: Scarpa
O economista e professor José Graziano da Silva: “O grande impacto do crescimento da renda sobre o consumo médio já passou, inclusive na China”

O dirigente da FAO informa que a organização da ONU acabou de divulgar um prognóstico para os próximos 10 anos, com a conclusão pessimista de que, nesse futuro próximo, o crescimento da demanda por alimentos vai acompanhar o crescimento populacional. “O grande impacto do crescimento da renda sobre o consumo médio já passou, inclusive na China. Isso significa que a transição para a dieta mais proteica já ocorreu em grande parte, e que agora voltamos ao ritmo de crescimento que depende do volume do estômago.”
É neste ponto, segundo o docente da Unicamp, que a humanidade enfrenta uma epidemia mais grave que a da fome, com impacto no mundo todo, seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento: a obesidade. “O problema da fome está equacionado, pois sabemos onde está e sabemos por quê: atinge basicamente as regiões de conflito e de seca, sendo a sobreposição desses dois aspectos explosiva, como no caso dos países do Oriente Médio. Já a obesidade vai afetar o futuro da alimentação de uma maneira que ainda não conseguimos equacionar e resolver.”
Outro ponto destacado por José Graziano é a concentração da produção de commodities, que também consta no relatório da FAO. “O mapa do mundo hoje mostra que a produção está concentrada quase que totalmente no Mercosul, é onde está crescendo, enquanto em outras regiões cresce menos ou até diminui. O Mercosul tem retomado a liderança das commodities em todos os setores, de grãos a carnes. Soube que aqui [no Congresso da Sober] serão discutidos os dados do Censo Agropecuário sobre a expansão da produção de grãos e de outras culturas no Brasil aproveitando a área da pecuária.”
Os três países do Mercosul que possuem potencial de expansão da produção de commodities, acrescenta o diretor da FAO, são Brasil, Paraguai e Argentina. “A expansão na Argentina depende do impacto das mudanças climáticas na pampa úmida, que está se tornando uma região seca, fenômeno absolutamente desconhecido. E há uma incógnita quanto à Colômbia: depois da pacificação do país, empresas canadenses vêm se apoderando da região dos Llanos, que é plana, com muita água e emergente na produção.”
Um terceiro impacto que preocupa Graziano se refere ao desenvolvimento e introdução de novas tecnologias para aumentar a produção de commodities. “Eu olho sempre para o outro lado, para o impacto das novas tecnologias no campo social, e vejo basicamente uma concentração da produção. Se nos assustamos com a concentração de terras brasileira, a concentração do controle da tecnologia pode ser ainda mais assustadora.”
Sendo a tecnologia fortemente poupadora de mão de obra, o professor do IE teme o impacto não apenas sobre os trabalhadores rurais assalariados, mas também sobre os pequenos produtores. “Esses agricultores não terão chance de acompanhar as mudanças tecnológicas se não houver uma estrutura governamental nos moldes que tivemos antes, de assistência técnica, de extensão rural – questão que parece não preocupar nenhum governo, pelo menos na América Latina.”

Sem guerra
Um último ponto que, adverte o diretor da FAO, vai afetar bastante a questão das commodities, é um acordo que vem sendo gestado paralelamente à temerosa guerra comercial entre EUA e China. “É um acordo Estados Unidos-Canadá com a União Europeia, que progride muito bem e rapidamente, contra todas as expectativas, e deve redefinir um tema fundamental das exportações, que é a logística – transporte e armazenagem.”
José Graziano afirma que a produção, atualmente, é feita praticamente da mesma forma e com os mesmos custos. “A diferença dos custos está na logística de transporte e armazenamento. A tendência mundial é por circuitos curtos, que incorporam os produtos frescos (frutas, legumes, pescados e algumas carnes), por sua vez, fundamentais na dieta para prevenir a obesidade, que é o grande problema principalmente nos países desenvolvidos.”
Na Europa, reitera o professor da Unicamp, as pessoas já não comem para satisfazer as necessidades básicas, e sim por prazer. “A maior influência para o consumo de produtos agrícolas vem dos programas de gastronomia, o gourmet. A FAO fez o esforço de colocar a quinoa como um produto internacional e hoje ela é parte desse mercado gourmet: se no Peru o quilo é vendido a menos de um dólar, na Europa não se compra por menos de dez dólares.”
O dirigente lembra que as duas dietas recomendadas pela FAO como saudáveis para enfrentar o problema da obesidade são a japonesa e a mediterrânea. “A composição de produtos importados na dieta japonesa é mínima; o arroz é deles, assim como o óleo de oliva dos mediterrâneos. Há uma febre na Europa de produzir a próprio alimento, pelo menos os temperos: na Itália, não encontrei louro para comprar, pois todos têm um pé no apartamento. O modo de alimentação no mundo está mudando.”
Na visão de José Graziano, aspectos como a logística, a transformação da marca e o prazer em comer, colados à preocupação com a obesidade, podem transformar completamente a forma de produção de alimentos no futuro. “É este o alerta: embarcar na visão de commodities para o futuro – como fazem os países do Mercosul, entre eles, o Brasil – não é uma boa estratégia. Há uma tendência totalmente diferente que pode trazer uma reconfiguração produtiva de médio prazo na agricultura.”

Passado nas urnas, OESP, Lucia Guimarães, (não Lido)



O futuro da elite dos jornalistas parece mais seguro do que o futuro da maioria dos eleitores






Lúcia Guimarães, O Estado de S.Paulo
06 Agosto 2018 | 02h00
“O passado nunca está morto. Nem sequer passou.” (William Faulkner)
Depois se assistir aos candidatos a presidente enfrentando pelotões de jornalistas em duas redes, esta carioca expatriada, mais conhecedora de campanhas americanas, voltou para casa pensando na frase de William Faulkner.
Campanhas para presidente são, quase sempre, sobre o futuro. A campanha de 2016, nos Estados Unidos, foi carregada de promessas de volta ao passado mítico. Um playboy nova-iorquino que se definiu nos desvairados anos 1980 prometeu a seus eleitores voltar aos anos 1950, em que um país majoritariamente branco, patriarcal, segregado e triunfal diante da Europa devastada sonhava com a lua, não desconfiava do efeito estufa e emporcalhava sua vastidão territorial com abandono.
Houve alguma eleição recente no Brasil tão voltada para o passado? Os dois homens favoritos nas pesquisas, um sentado em sua cela especial, outro sonhando com celas para seus moinhos adversários, pedem aos eleitores que imaginem uma volta ao passado. O passado do presidente preso é real, vivo na memória, mas começou a ser desmontado por ele mesmo e sua sucessora esquenta-lugar.
O passado do capitão candidato é a ditadura que “benéfica” o país das estatais movidas a voluntarismo do andar de cima, onde minorias eram invisíveis, mulheres sabiam seu lugar e precisavam ser atraentes para merecer violação sexual. Mas o passadismo do caudilho petista e o do capitão trumpista eram esperados porque ambos vivem de culto à personalidade.
O que tento entender é o papel do meu ofício no olhar para o futuro. Os candidatos foram entrevistados por jornalistas veteranos e astutos, munidos de fatos, estatísticas, réplicas e tréplicas. Mas não pude deixar de notar uma ênfase desproporcional na revisita ao passado.
No caso do capitão, o passado é fácil de explorar para sound-bites porque ele é uma usina de despautérios que regurgita de presente para sua arquibancada. Não houve ditadura militar, o coronel torturador é o autor na sua cabeceira, as declarações imitam o modus operandi do ídolo do norte, que insulta e choca para dar aos seguidores o prazer de se vingar do establishment liberal. 
O establishment liberal é representado por jornalistas, mesmo considerando as diferenças no ecossistema de mídia dos dois países. Recomendo a leitura de um artigo do excelente crítico de mídia Michael Massing, no próximo número da revista The Nation, Jornalismo na Era de Trump: O que importa e o que falta. Massing reconhece o trabalho excepcional de repórteres americanos investigando a presidência mais caótica da história recente. Mas ele também aponta para o risco maior de ser levado na correnteza de tuítes, mentiras, ameaças militares: ignorar o cotidiano de um país continental.
Assistindo às duas longas sabatinas do capitão, pensei nas palavras de Massing. O jornalista preocupado legitimamente em revelar ao público o perfil do candidato arrisca ser visto como paroquial pelo eleitor que não tem o luxo de se debruçar sobre a história da ditadura e está consumido por problemas de sobrevivência, não de identidade.
O destaque da imprensa como inimigo, que o ídolo americano do capitão renova com intensidade cada vez maior e o fã imita bem, pode provocar uma mentalidade de estado de sítio e condescendência na mídia, alerta Massing.
Nas entrevistas que assisti, esperava mais referências diretas ao futuro e a casos específicos como, qual o papel da tecnologia “x” na destruição de empregos desta categoria? O futuro da maioria da elite dos jornalistas parece estar mais seguro do que o futuro da maioria dos eleitores. Os eleitores que estão longe do estúdio e devem ter perguntas diferentes para fazer.