quarta-feira, 16 de maio de 2018

Maurício Antônio Lopes: O mundo mudou, e a Embrapa também, FSP

O mundo está em franca mudança, o que nos impõe a necessidade de renovação sistemática dos ângulos de visão para melhor ajuste de rumos em direção ao futuro.

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que acaba de completar 45 anos, é um bom exemplo no dinâmico setor do agronegócio. Por muito tempo na liderança da pesquisa em melhoramento genético e no fornecimento aos produtores de sementes de importantes culturas, como a soja, a empresa viu sua participação nos mercados mais competitivos ser reduzida, em função da aprovação das legislações de patentes e proteção de cultivares no fim dos anos 90.

Com mecanismos para a proteção da propriedade intelectual, enormes investimentos privados alcançaram os setores mais dinâmicos do agronegócio, como o de genética e sementes. Em vez de aplicar recursos públicos para competir nesse mercado, a Embrapa fortaleceu sua atenção a setores estratégicos que pouco interessavam às empresas privadas.

O melhoramento de pastagens tropicais é exemplo de uma escolha estratégica que ajuda a nossa pecuária a alcançar posição de grande destaque no mundo. Se no futuro a pesquisa privada se interessar por esse setor, a Embrapa reduzirá sua pesquisa em pastagens e destinará esforços a outros setores ainda carentes de pesquisa e inovação.

Embora o risco de oligopolização decorrente de concentração nos mercados de genética e insumos ocorra em todo o mundo e preocupe os produtores brasileiros, infelizmente está além da capacidade da pesquisa pública contrapor-se a tal movimento.

Não faria sentido a Embrapa optar por reduzir seu escopo de atuação e concentrar recursos escassos para competir com empresas privadas em mercados extremamente intensivos em capital. Para solucionar tais imperfeições de mercado, políticas públicas e mecanismos de livre concorrência é que precisam ser eficientemente mobilizados.

A pesquisa pública funciona de maneira semelhante a uma "locomotiva limpa-trilhos", que vai à frente, assumindo missões de maior risco e prazos longos, para que as empresas encontrem caminho livre para investir com segurança. Abertos os caminhos, a pesquisa pública, com desapego, busca novos desafios.

A pesquisa agropecuária brasileira tem cumprido muito bem essa função, de acordo com o que atestam seus impactos na transformação do cerrado, na tropicalização de cultivos, no zoneamento agrícola de risco climático, na agricultura de baixa emissão de carbono, no apoio ao Código Florestal, na inteligência territorial estratégica e logística, entre outros.

Todas essas medidas são implementadas com recursos escassos, pois o Brasil ainda investe pouco em ciência. Ainda assim, a Embrapa, do mesmo modo que sua contraparte francesa, o Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), mantém uma relação percentual de 80/20 para os orçamentos de pessoal e operações. E busca incessantemente, por meio de parcerias público-privadas, a proporção internacionalmente ideal, de 70/30.

Sua credibilidade e relevância seguem cada vez mais fortalecidas, conforme atestam os 24,5 milhões de downloads recebidos em 2017 no seu rico acervo de informações, além das inúmeras práticas e processos agropecuários melhorados, centenas de variedades de cereais, raízes, tubérculos, hortaliças, pastagens, frutas temperadas e tropicais disponibilizados aos produtores em todos os cantos do país.

A empresa continuará se ajustando às transformações no planeta e na sociedade de modo a seguir entregando valor, impacto e orgulho para todos os brasileiros.
Maurício Antônio Lopes
Formado em agronomia e presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desde 2012

Retorica Perigosa- editorial FSP


A cabo Kátia Sastre, da Polícia Militar paulista, assumiu riscos ao sacar uma arma de sua bolsa e alvejar um homem que assaltava um grupo de mães e crianças na porta de uma escola, em Suzano.
Sua decisão, ainda que possa ser questionada, é compreensível. A PM portava uma pistola e tinha uma filha de sete anos sob ameaça.
O que não se pode endossar é a reação do governador do estado, Márcio França (PSB), que pareceu instrumentalizar o incidente para contemplar seus propósitos eleitorais —ele pretende manter o posto herdado de Geraldo Alckmin (PSDB), que renunciou para concorrer à Presidência da República.
A primeira manifestação do mandatário foi organizar uma homenagemà cabo no Dia das Mães (o caso ocorrera na véspera). Entregou-lhe flores em evento no Comando de Policiamento de Área Metropolitana-4, na zona leste da capital, e elogiou a demonstração de “destreza, técnica e coragem”.
A seguir, na segunda-feira (14), aproveitando-se dos desdobramentos do fato, afirmou, em evento no interior do estado, que ofensas ao uniforme da Polícia Militar podem representar risco de morte para os agressores. 
Num palavrório pontuado por hipérboles de civismo duvidoso, França declarou que a farda da PM é “sagrada” e deve ser vista como uma “extensão da bandeira do estado de São Paulo”. 
O governador, lamentavelmente, perdeu uma oportunidade de ficar calado —ou de abordar com mais propriedade a justa preocupação do eleitorado com a segurança pública. Não deveria ter exposto a cabo, muito menos demonstrado tamanho júbilo pela ideia de a polícia matar criminosos.
Não se discute que agentes da lei são alvo de atentados e precisam se defender em situações de risco, além de proteger terceiros. 
É fato, contudo, que a PM brasileira, a de São Paulo incluída, ultrapassa os parâmetros internacionais de letalidade. Esta, aliás, é uma preocupação do próprio comando da instituição paulista, que constatou em 2017 alta de 10% do número de mortes causadas por seus membros, com 943 casos.
Ao seguir uma linha de exaltação desmedida à reação letal da PM, França corre o risco de incentivar ações bem menos defensáveis do que a praticada pela cabo Sastre.

A sacralidade da farda, FSP

Como qualquer outra instituição, polícia deve ser questionada o tempo todo para aprimorar-se

O governador de São Paulo, Márcio França, ao lado da policial militar Kátia Sastre
O governador de São Paulo, Márcio França, ao lado da policial militar Kátia Sastre - Gilberto Marques/Divulgação
Não sou de ficar chocado facilmente, mas devo admitir que as declarações do governador de São Paulo, Márcio França (PSB), sobre a Polícia Militar me deixaram estarrecido. “As pessoas têm que entender que a farda deles [PM] é sagrada, é a extensão da bandeira do estado de São Paulo. Se você ofender a farda, ofender a integralidade do policial, você está correndo risco de vida. É assim que tem que ser”, afirmou o governador.
Da última vez que li a Constituição, havia três dispositivos que asseguravam a liberdade de expressão (art. 5º IV, IX e art. 220) e nenhum instituindo a sacralidade da farda da PM. A implicação mais óbvia disso é que qualquer cidadão tem o direito de criticar a polícia, seus integrantes e suas vestimentas.
Ainda que se considere a farda uma extensão da bandeira paulista (o que não é) e ainda que se considere o pavilhão estadual um equivalente do nacional (o que não é), desrespeitá-lo seria no máximo uma contravenção que sujeita os infratores a multa (lei n° 5.700/71), jamais à pena capital, como parece defender o governador.
Não me entendam mal. Já escrevi aqui algumas vezes que polícia é civilização. Um dos maiores passos para a pacificação social foi dado quando o Estado tomou para si o monopólio do uso legítimo da violência. Mas daí não decorre que a polícia seja inatacável. Ao contrário, como qualquer outra instituição, ela deve ser questionada o tempo todo para aprimorar-se.  
Entendo as inquietações de França. Ele quer ser eleito para o cargo que herdou de Alckmin, mas é um virtual desconhecido. A campanha este ano será curta, e seu partido tem pouco tempo de TV. Precisa, assim, aproveitar qualquer ocasião para aparecer, de preferência dizendo aquilo que o eleitor quer ouvir. Mas deveria se policiar para não incidir em cenas explícitas de populismo. Aliás, espero que seja mesmo populismo, pois a explicação alternativa é que ele acredita de fato nas coisas que disse.