domingo, 22 de abril de 2018

Quem não quer a Eletrobrás privatizada - CELSO MING

ESTADÃO - 20/04


A principal razão porque a empresa deve deixar de ser estatal não tem a ver nem com posições doutrinárias nem ideológicas


Ninguém pense que as resistências à privatização da Eletrobrás provenham de questionamentos ideológicos ou de concepções sobre a natureza do Estado ou, ainda, de determinadas estratégias de desenvolvimento econômico.

Provêm das mais atrasadas práticas de poder, derivadas do patrimonialismo e da tomada do Estado por interesses políticos privados, como bem mostrou matéria publicada na capa do Estadão na última terça-feira, 17.

Os pontos de vista doutrinários são bem conhecidos. Um tanto simplificadamente, os neoliberais entendem que o setor público é, em geral, mau administrador e quando se mete em setores da economia acaba por permitir que interesses privados se apropriem indevidamente de recursos e de instrumentos públicos. Daí porque o Estado deve ser enxuto e, salvaguardadas as excepcionalidades, se restringir à regulação da atividade econômica.

A concepção estatizante pretende induzir o desenvolvimento econômico por meio do controle de setores estratégicos, em vez de deixá-los à iniciativa privada cuja finalidade não é o interesse público, mas a maior apropriação da renda. Quanto mais atrasado o desenvolvimento econômico, maior deverá ser a participação do Estado na economia, de maneira a incentivar e a proteger setores ainda frágeis.


Quantidade de energia gerada pela estatal nos dois últimos anos Foto: ESTADÃO

Em janeiro, o governo Temer decidiu enviar projeto de lei ao Congresso para privatizar a gigante Eletrobrás, holding que reúne 233 usinas que oferecem 31% de energia elétrica gerada no Brasil, mais de 71 mil quilômetros de linhas de transmissão. A modelagem prevê aumento do capital social cuja participação o Tesouro deixará de subscrever, abrindo espaço, assim, para maior participação privada. Como nenhum acionista poderá deter mais que 10% das ações com direito a voto, o resultado será a pulverização do controle acionário hoje detido pelo Tesouro. O governo terá à sua disposição uma ação especial (golden share) por meio da qual poderá vetar decisões que eventualmente contrariem o interesse nacional. As subsidiárias Itaipu e Eletronuclear ficarão de fora do modelo de privatização. A primeira, por ser empresa binacional partilhada com o Paraguai; e a outra, por operar com a especialmente sensível energia nuclear. O governo espera arrecadar R$ 12,2 bilhões com essa operação de subscrição de ações novas.

A principal razão pela qual a Eletrobrás deve ser privatizada não tem a ver nem com posições doutrinárias nem ideológicas. Tem a ver com uma razão bem mais prática. Como todos sabemos, o Tesouro está na pindaíba, não tem recursos para bancar os investimentos necessários para expansão da Eletrobrás, tanto na área de geração, como na de transmissão e distribuição. Ou se deixa a incumbência para quem esteja disposto a fornecer capital ou, então, não acontecerão os investimentos.

Linhas de transmissão em 2017


O projeto enfrenta enorme batalha judicial. As resistências mais importantes ao novo passo se concentram em duas áreas, a corporativista e a política. A corporativista é a dos funcionários das empresas estatais que temem perder privilégios (e a moleza) de que desfrutam, quando seus patrões passarem a ser executivos privados.

A resistência política, a maior das duas, é a dos chefões políticos para os quais, além de cabides de emprego, as empresas estatais e suas subsidiárias não passam de capitanias loteáveis entre cupinchas.

Como se viu exaustivamente por meio da Operação Lava Jato, além de oportunidade para exercício de poder, esse jogo permite sistemática depredação do patrimônio público para cumprimento dos interesses desses mandachuvas regionais. Enfim, este ainda é o resultado de arraigadas práticas patrimonialistas que deformam a vida política nacional.

Vamos pagar por Google e Facebook? - PEDRO DORIA, OESP

O GLOBO/O ESTADÃO - 20/04
Quando a internet nasceu, defendeu-se que fosse gratuita, o que levou ao modelo da publicidade. Daí surgiram sites e aplicativos que nos monitoram

E se os serviços da internet fossem pagos? A pergunta parece esquisita, hoje em dia. Uns anos atrás, seria absurda. Mas já assinamos TV, música e notícias on-line. A turma do BuzzFeed fez as contas no caso do Facebook. Nos EUA, uma assinatura mensal da rede social sairia por US$ 11. É o valor de uma assinatura individual com vídeo HD da Netflix, por lá.

Em certos círculos importantes, a ideia começa a ser debatida a sério. Na semana passada, no TED, Jaron Lanier, pai da realidade virtual e um dos mais respeitados filósofos da tecnologia, defendeu-a abertamente. Em uma das entrevistas que concedeu nos últimos tempos, Sheryl Sandberg, número dois do Facebook, chegou a mencionar a hipótese. “Poderia haver um botão ‘não use meus dados pessoais?’”, perguntou-lhe uma repórter da TV NBC. “Este seria um produto pago.” Sandberg não disse que a rede social planeja oferecer algo assim. Mas a bola está quicando.

Vamos dar uns passos atrás.

Tecnologia não é inevitável. Produtos que nascem no Vale do Silício partem de apostas que dão certo ou não. As apostas vêm de conceitos na cabeça de seus criadores. Um deles, no nascimento da internet, é que a informação deveria ser gratuita. Daí vem a opção pelo modelo publicitário.

É importante compreender como este modelo nos levou ao ponto em que estamos hoje.

Lá por meados da década de 2010, a indústria começou a investir no encontro entre Big Data e publicidade. O Google, em particular, investiu pesado neste projeto. A ideia era que nossos passos pela rede seriam seguidos e analisados. A partir daí seria possível aferir nossos interesses e nos enviar anúncios que nos interessam.

No momento seguinte, dois conceitos novos surgiram. O smartphone e as redes sociais.

No smartphone, a guerra era por apps. Apps eram pagos, e os desenvolvedores precisavam descobrir como fazê-los para que nós, o público, os usássemos. Muita gente fracassou, mas, usando as mesmas técnicas de acompanhar os movimentos de cada usuário, alguns aprenderam muito. Ao longo dos anos, apps, e smartphones, tornaram-se máquinas desenhadas com precisão para constantemente nos chamar a atenção. Para não as largarmos.

Redes sociais, por outro lado, tinham por objetivo criar um ambiente no qual encontrássemos os amigos. Ou pessoas com interesses em comum. Umas funcionaram mais ou menos. O mesmo percurso de tentativa e erro foi seguido e, sempre usando Big Data e testes, depois inteligência artificial, foi-se aprendendo a construir uma rede que não conseguíssemos largar. É o Facebook.

O negócio dos apps não deu certo. Tanto que a maioria dos apps que utilizamos são construídos por uma de três empresas. Apple, Google ou Facebook. No mais, alguns jogos e só. As redes deram certo. E o Facebook saiu da tela do computador para se tornar um app, que é como a maioria das pessoas o usa. As técnicas todas se juntaram, agora catapultadas. O Google sabia por onde passeávamos na internet. O Facebook sabe com quem nos relacionamos e que temas nos interessam. O smartphone, por onde andamos na cidade. E, num modelo publicitário, a única forma de este conjunto dar dinheiro é nos manter ligados dando mais do que queremos, cada vez mais.

Como descrevemos um hábito que muitas vezes nos dá uma experiência amarga e, ainda assim, não conseguimos largar?

Lanier chama estas empresas de “‘império de modificação de comportamento”. Ele é um provocador. Mas o negócio do Vale, hoje, faz dinheiro forçando nosso comportamento. Uma foto, um like, outro like, só uma visitinha mais antes de dormir, Fulana me curtiu, veja só. O negócio precisa ser assim porque é como vive.

Se fosse pago, funcionaria de outra forma.

Vacas mortas na sala da economia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/04

Análises da recuperação lerda preferem ignorar o colapso do investimento público



Um elefante na sala é um assunto constrangedor e evidente, que se ignora por alguma conveniência. Na economia brasileira destes tempos bicudos, há umas vacas mortas no sofá. Comenta-se a lerdeza da recuperação, mas pouco se fala dos bichos mortos faz anos, à vista de todo o mundo, empesteando o PIB.

O investimento federal, despesa em obras, em capital, caiu em 2017 a 48% do que era em 2014. No conjunto dos governos estaduais, a baixa foi similar, de acordo com dados compilados pela Instituição Fiscal Independente (deflacionados aproximadamente por esta coluna, pois os números são apenas anuais).

O investimento na construção civil chegou ao fundo do poço, apenas parou de cair, no fim do ano passado, sugerem números do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Entre os setores maiores da economia, é o mais retardado, afora o crédito bancário.

Quanto ao emprego, a construção civil ainda está de certa maneira em recessão. O número de empregos formais no país, com carteira assinada, cresceu 223 mil em um ano, até março, segundo dados do Ministério do Trabalho divulgados na sexta-feira (20). Alta modesta, de 0,6%. A construção civil ainda sangra bastante, porém, perdendo 64 mil postos de trabalho no mesmo período, baixa de 3%.

O colapso não se deve apenas aos cortes feitos a machadadas na despesa de investimento do governo federal e dos estados, é claro. O setor padece do superinvestimento em imóveis nos anos de boom, imóveis que encalhavam até o ano passado.

Mas o talho na despesa de investimentos de 2014 a 2017 foi enorme, ficou perto de 1,2% do PIB, uns R$ 80 bilhões. Equivale a quase dois pacotes de saques de contas inativas do FGTS, aquele dinheirinho que parece ter evitado a estagnação da economia em 2017.

Os estados grandes que mais talharam investimentos não causam surpresa: Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco. Fluminenses e pernambucanos estão entre os brasileiros que mais sofrem com a crise do emprego formal. Não foi apenas a construção que quebrou no Rio, decerto. O estado foi saqueado e destruído por uma das grandes gangues do MDB e sofreu com a ruína do setor de petróleo no Brasil.

Alguém que tenta ignorar esses elefantes e vacas mortas na sala poderá dizer que a baixa do investimento público era dada e inevitável, pois os governos vivem penúria extrema, quando não estão falidos. Gastos privados com novas instalações produtivas também seriam implausíveis, dadas a ociosidade nas empresas e a incerteza sobre o que será o Brasil de 2019.

Além do mais, haveria outros motivos, ainda obscuros, para a lerdeza. A massa de rendimentos do trabalho tem crescido mais do que as vendas do varejo e muito mais que a demanda de serviços, na verdade em queda. Mesmo quem tem emprego e renda estaria, portanto, pouco propenso a gastar.

Qual o motivo? Um chute mais ou menos informado atribui parte da retranca do consumidor a receios políticos. Outra especulação, tão ou mais razoável, explica a reticência nas compras aos fatos de que ainda há medo de perder o emprego e de que os trabalhos que surgem desde o ano passado são majoritariamente precários. Sem carteira, sem outro vínculo formal e estável: bicos, "por conta própria".

Pois bem, esta aí uma das vacas mortas na sala da economia: a recuperação lerda do emprego formal, que não reage também porque um setor grande como a construção civil ainda está no buraco.