quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Soninha defende maconha para atenuar sofrimento de usuários de crack, OESP


Em sua apresentação como futura secretária de Desenvolvimento Social, a vereadora eleita afirmou que é favorável à política de redução de danos
Adriana Ferraz e Daniel Weterman,
O Estado de S.Paulo
10 Novembro 2016 | 13h49
Atualizado 10 Novembro 2016 | 17h42
SÃO PAULO - Anunciada nesta quinta-feira, 10, pelo prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), como futura secretária de Desenvolvimento Social, a vereadora eleita pelo PPS Soninha Francine afirmou que é favorável à implementação de uma política que considere o uso da maconha como forma de atenuar o sofrimento de usuários de crack em abstinência.
Foto: Hélvio Romero/Estadão
Soninha defende uso da maconha para atenuar sofrimento de usuários de crack
O prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), cumprimenta a sua futura secretária de Desenvolvimento Social, Soninha Francine
"Dentro de um projeto de redução de danos, o uso de canabinoide como forma de reduzir o sofrimento e os efeitos da abstinência para quem usa crack. Tem pesquisas científicas em universidades federais que indicam isso", declarou a futura secretária.
Soninha pretende levar essa discussão ao futuro prefeito e também ao futuro secretário de Saúde, Wilson Pollara. "Não é fumar maconha para largar o crack, mas cada vez mais se admite o uso, a experiência como modo de atenuar o sofrimento do usuário", afirmou, comparando o canabinoide à morfina. "Alguém é contra o uso da mofina para o tratamento do câncer?"
Vouchers. Soninha também se posicionou favorável à continuidade de alguns aspectos do programa De Braços Abertos, da gestão Fernando Haddad (PT).
A futura secretária, no entanto, pretende alterar algumas regras em vigor, como o pagamento em dinheiro ao usuários de crack, que trabalham na limpeza da cidade. Ela pretende trocar o pagamento de dinheiro por vouchers que dariam a esse usuário a chance de participar de eventos esportivos ou culturais.
Outra posição declarada por Soninha é a volta das tendas para auxiliar moradores de rua e dependentes químicos durante o dia. Essa política, criada pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD), foi reduzida por Haddad.
As tendas são espaços públicos que oferecem ao morador de rua a oportunidade de tomar banho, ter contato com assistentes sociais e guardar seus pertences.
Foto: Hélvio Romero/Estadão
Soninha defende uso da maconha para atenuar sofrimento de usuários de crack
O prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), apresentou oito novos secretários de sua futura gestão
Secretariado. Além de Soninha, foram apresentados nesta quinta-feira Sergio Avelleda, que será secretário de Transportes e Mobilidade; Heloisa Proença, que comandará o Desenvolvimento Urbano; Wilson Poit, que assumirá a nova Secretaria de Desestatização e Parcerias; Caio Megale para Finanças, que passará a se chamar Fazenda; o vereador eleito pelo PSDB Daniel Annenberg, que ficará com a nova pasta de Tecnologia e Inovação; Júlio Serson, que será o secretário de Relações Internacionais; e Fábio Santos, que cuidará da Comunicação de Doria e terá status de secretário apesar de a área fazer parte do gabinete de Governo.

O secretariado de João Doria

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Nosso presente é tão impactado pelo futuro que somos capazes de imaginar quanto pelo passado que tentamos compreender

Cena da sexta temporada de 'Game of Thrones’.
A escavação que fazemos da vida é para trás. Seja sobre o indivíduo, seja sobre a sociedade, seja sobre o mundo. Vamos arrancando as camadas de acontecimentos, alguns com uma daquelas escovinhas de arqueólogo, cuidando para não apagar um pedaço no processo, outros arrancando lascas. E tentando dar sentidos, seja para um trauma de infância, seja para o holocausto judeu, seja para o impeachment de uma presidente ou o suicídio de outro. Sentidos que se ressignificam constantemente a partir de novos indícios, interpretações e também circunstâncias. Compreendemos o presente a partir da investigação viva – e polifônica – do passado. Como chegamos até aqui, seja uma pessoa, um país, uma organização, um partido ou um grupo terrorista, implica uma obviedade: a análise do percurso. Mas penso que, para compreender o mal-estar deste momento, e não só no Brasil, é preciso olhar também para outro lugar: é preciso compreender que o futuro nos constitui tanto quanto o passado.
Precisamos de uma paleontologia dos fósseis do amanhã, ou de uma psicanálise dos traumas futuros
Não o futuro que efetivamente será, aquele que em seguida vira pretérito sujeito a interpretações múltiplas. Mas a ideia de futuro, esta que nos move no presente. E, por nos mover, influencia de modo decisivo o que somos neste momento. Nosso presente é tão impactado pelo futuro que somos capazes de imaginar quanto pelo passado que tentamos compreender. Em parte, é o futuro que alinhava o mal-estar sentido hoje por tantos em tantos lugares. Precisamos muito de uma paleontologia dos fósseis do amanhã. Ou de uma psicanálise dos traumas futuros.
Como imaginar, por exemplo, que a Belle Époque se tornou o que foi sem o futuro que seus protagonistas eram capazes de imaginar? O futuro que se desenhou no concreto, pelo menos na Europa, foi a Primeira Guerra Mundial (1914-18) e sua matança pavorosa. Mas havia um outro futuro, cheio de otimismo e potência, um que se imaginou no presente. E que criou realidades no presente, influenciando fortemente aquele momento e fazendo dele o que foi.
Ou, por outro ângulo, como teria sido possível a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha dos anos 30, e tudo o que aconteceu depois, sem que uma parcela significativa dos alemães médios tivesse passado a acreditar num futuro com ainda mais perdas, humilhações e medos do que já tinham sofrido após a derrota na guerra? Os culpados, aqueles que são responsabilizados pelas dificuldades do presente, não vêm apenas do passado e de fatos concretos. Mas do futuro e de nenhum fato para além da construção de uma ideia na qual se passa acreditar como fato. Encarnou-se um inimigo nos judeus muito mais por um futuro forjado numa construção complexa do que por um passado real. E o que de fato aconteceu no futuro todos conhecemos hoje como Holocausto.
O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e sua carta-testamento podem ser lidos pelo passado, mas também podem ser lidos pelo futuro que o então presidente acreditou poder impactar com esse gesto radical. Vargas matou-se também por acreditar que estaria mais presente no futuro não estando do que se estivesse.
O futuro nunca teve uma repercussão tão profunda quanto neste presente expandido
O quanto de nossas decisões individuais no presente não são tomadas em nome de um futuro sobre o qual temos muito pouco controle mas acreditamos que será tal qual imaginado – ou temido – por nós? O que não acontecerá, mas é vivido por cada um como se de fato acontecesse, acontece em certa medida. Ou, dito de outro modo, para aquele que acredita numa ideia de futuro, este futuro ideado é real no único momento que pode ser: no presente. E o conforma.
É difícil dimensionar o impacto de uma ideia de futuro sobre o mal-estar disseminado deste momento. Mas me arrisco à hipótese de que o futuro nunca teve uma repercussão tão profunda como neste presente expandido. Talvez a frase que melhor expresse isso na ficção é a da série de TV Game of Thrones(HBO), baseada nos livros de George R. R. Martin: “The winter is coming”. O inverno está chegando...
O futuro de hoje é uma distopia. O que será de fato ninguém pode dizer que sabe. Mas sabemos que uma ideia distópica de futuro move esse presente. No Brasil, esta ideia se impõe depois de um período de crença de que o Brasil tinha superado um patamar simbólico, uma espécie de ranço histórico, e que seguiria avançando. A melhor síntese é o discurso de Lula, em 2009, no dia em que o Brasil foi escolhido para sediar os jogos olímpicos. Como já escrevi neste espaço, aquele é um discurso sobre o eterno país do futuro que finalmente havia chegado ao presente – e este presente era grandioso. Insisto na importância desse discurso porque ele é precioso para compreender o futuro que efetivamente chegou.
Lula consumou, naquele momento, uma alquimia: a ideia de futuro que movia o presente se tornou, em seu discurso, o próprio presente. Esse futuro do presente deveria ter se mostrado em toda a sua glória apenas alguns anos mais tarde: na Copa de 2014 e na Olimpíada de 2016. Mas o futuro do futuro, como se viu, foi bem outro.
Naquele momento, porém, Lula não compartilhava sozinho essa ideia de futuro tão ativa no presente. Deixaria o governo no ano seguinte, em 2010, com quase 90% de aprovação. Uma aprovação que olhava para o passado, mas também para o futuro. Naquele momento, não era apenas o presente, mas a paisagem desenhada no amanhã que movia a vida cotidiana dos brasileiros. E conjurava uma ideia de felicidade. E também de potência.
A raiva revela a impossibilidade de imaginar um futuro que não seja distopia
Hoje, é difícil acreditar que a maioria esteja vislumbrando um futuro de potência. Talvez este seja o único consenso, entre tantos muros. Uma das leituras possíveis dessa raiva tão disseminada nas ruas de bytes e também nas de asfalto é justamente o sentimento de impotência. Ou a dificuldade de imaginar um futuro que não seja uma distopia – um futuro que não seja Black Mirror (Netflix), a série que virou um evento mundial.
Essa raiva soa também como desespero. E o ódio daqueles para os quais não basta vencer o outro na esfera pública, é preciso também destruí-lo, fede a medo. O passado de alguém ou mesmo de um povo pode ser devastador, e muitos sucumbem à impossibilidade de superá-lo. Mas não conseguir imaginar um futuro que não seja uma distopia pode ser tão ou mais arrasador. Lidar com as fraturas do passado é justamente conseguir dar um sentido a elas que permita reinventar uma vida. É penoso, ou talvez até impossível, reinventar uma vida sem conseguir imaginar um futuro no qual se possa viver.
Num mundo globalizado, a ideia de um futuro distópico também é globalizada
Num mundo globalizado, a ideia de um futuro distópico também é globalizada. Nos Estados Unidos, depois de eleger o primeiro presidente negro, o que soou para muitos como prenúncio de um planeta que avançava no processo civilizatório, hoje há o risco concreto de um personagem como Donald Trump ocupar a Casa Branca. O imaginário que ele encarna segue em movimento não importa o resultado da eleição.
Se no passado recente os Estados Unidos foram muito competentes na venda de sonhos, assim como do american way of life, com todas as críticas que se pode e se deve fazer, hoje a maior potência mundial pode ser lida como uma potencializadora de distopias. A produção cultural com maior poder de disseminação não é mais o cinema de Hollywood, mas as séries. E elas são cada vez mais sombrias, quando não apocalípticas, protagonizadas por céticos, cínicos ou desesperados – ou tudo isso junto. Como se vê em The Walking Dead(AMC), às vezes toda a resistência que se consegue no futuro que já chegou é não virar também um zumbi.
Já não temos mais Paris
Ícones do século 20 já não ecoam mais. Como na frase famosa dita pelo personagem de Humphrey Bogart à personagem de Ingrid Bergman, no clássico Casablanca: “Nós sempre teremos Paris”. A expressão tornou-se o mantra de que haveria sempre um lugar para onde escapar, onde a vida poderia ser um idílio. Hoje, desde que Paris virou palco de atentados terroristas, ninguém mais tem Paris. Nem mesmo Paris tem Paris. O mundo, de repente, encolheu. E já não há paraísos para onde fugir. Nem mesmo como viagem interna.
A última utopia do presente é uma ilha vulcânica
É neste mundo subitamente encolhido que a Islândia, um país sobre o qual até pouco tempo a maioria só sabia que tinha um vulcão com um nome impronunciável, capaz de cuspir consoantes e fumaça, passou a ser uma espécie de última reserva de utopia. E isso no imaginário de pessoas das mais diversas classes sociais e nacionalidades. A Islândia cujo primeiro-ministro caiu por envolvimento num escândalo de corrupção dois dias após ser citado no “Panama Papers” e um dia depois de milhares de pessoas protestarem diante do Parlamento. A Islândia cuja polícia ficou traumatizada ao matar um homem, pela primeira vez na história da corporação. A Islândia que elegeu a primeira mulher presidente, divorciada e mãe solteira, em 1975, e a primeira-ministra lésbica em 2009. A Islândia cujo time de futebol despachou a Inglaterra da Eurocopa logo depois que o Brexitvenceu. A Islândia como um pequeno país de pouco mais de 300.000 habitantes onde é possível respirar sem se sentir cercado por gente demais. A última utopia do presente é uma ilha vulcânica.
Este não é o pior momento do mundo – ou mesmo do Brasil. Basta olhar para trás para constatar que vivemos períodos bem mais devastadores aqui e em qualquer lugar. É o que sempre me lembram colegas mais velhos quando pensam que eu exagero a dureza desta época por ter sido uma criança durante os anos Médici, na ditadura civil-militar do Brasil (1964-85), ou por ter nascido depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45). É um fato que já se viveu períodos de enorme escuridão, outros momentos em que o futuro era distopia. A arte, a filosofia e a literatura produzidas nestes períodos são expressões valiosas para lembrá-los.
Nossa época, porém, contém uma novidade no campo das distopias. Há um novo elemento para além de todos os conflitos humanos e seus processos de destruição que nem sempre é levado em consideração nas análises. Este novo elemento, no meu ponto de vista decisivo, é a mudança climática produzida pelo homem. Algo avassalador, que não está na cabeça da maioria, mas que já corrói a vida cotidiana de todos, mesmo que não sejam capazes de nomear o que os mastiga dia após dia. Mesmo sem compreender que as toneladas de Rivotril que engolem já como hábito têm a ver também com a mudança climática.
O planeta Melancholiavem em nossa direção enquanto travamos batalhas no Facebook
Se é possível comemorar os avanços alcançados na Conferência do Clima de Paris, sabe-se que não são suficientes. Isso, que já está aí, mas não é decodificado pela maioria, lança nossa espécie e todas as outras que arrastamos na nossa devoração consumista num tipo inédito de futuro do presente. O que colocamos em curso ao nos tornarmos uma força de destruição do planeta já está além do nosso controle.
Ainda é possível mitigar, ainda é possível adaptar-se, mas já não é possível evitar. O que a maioria não enxerga, já existe. E, mesmo quem não enxerga, sente. É o planeta Melancholia, de Lars Von Trier, vindo em nossa direção em velocidade acelerada enquanto travamos grandes e pequenas guerras em todo o canto e nos xingamos no Facebook.
É brutal conjugar a vida no presente quando a ideia de futuro é uma distopia. Para que a vida seja possível no presente é preciso ser capaz de imaginar não apenas um futuro onde se possa viver, mas um pouco mais: um futuro onde se queira viver. A pergunta difícil deste momento é: isso ainda é uma possibilidade?
Alguns, entre os quais me reconheço, temem acordar de uma noite de vigília com o anúncio: “O inverno chegou”. Ainda assim, penso que é necessário enfrentar a tarefa de inventar um futuro no presente que não seja apenas distopia. O desafio deste momento talvez seja o de descobrir como é possível criar uma utopia a partir do excesso de lucidez.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email:elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

40% das mortes no trânsito na capital têm relação com o uso de álcool, aponta estudo. Fapesp \9pauta)

Karina Toledo | Agência FAPESP – Mais de 40% das vítimas fatais de acidentes de trânsito ocorridos na cidade de São Paulo entre junho de 2014 e dezembro de 2015 haviam consumido álcool nas horas que antecederam a morte. Se considerados apenas os dados de motoristas e passageiros dos veículos – e excluídos, portanto, os dos pedestres atingidos – o índice chega a quase 60%.
A conclusão é de uma pesquisa realizada com apoio da FAPESP na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Os dados foram publicados esta semana na revista Addiction.
De maneira geral, segundo os autores, cerca de 30% das mortes violentas no período estão associadas ao consumo de álcool – sendo 34,6% o índice entre as vítimas de homicídio e 13,6% entre os casos de suicídio. A estimativa está baseada em dados de 365 autópsias realizadas ao longo de 19 meses em unidades do Instituto Médico Legal (IML) da capital paulista.
“A taxa de alcoolemia entre as vítimas de morte violenta avaliadas foi, em média, de 1,10 grama de álcool por litro de sangue. É uma concentração alta. Para um homem com cerca de 70 quilos, por exemplo, isso seria o equivalente à ingestão ao redor de cinco latas de cerveja”, contou Gabriel Andreuccetti, autor principal do artigo.
A pesquisa foi conduzida durante o pós-doutorado de Andreuccetti, sob a supervisão do professor da FMUSP Heráclito Barbosa de Carvalho. Atualmente, a pesquisa continua em parceria com a Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, também com apoio da FAPESP, por meio de Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE – PósDoutorado).
O grupo desenvolveu uma nova metodologia para garantir que a amostra avaliada era de fato representativa do total de mortes violentas ocorridas na capital paulista.
“A coleta dos dados foi feita em diferentes dias da semana e em diferentes turnos de trabalho ao longo dos 19 meses. Por exemplo, iniciamos em uma segunda-feira pela manhã, coletando dados de todas as autópsias feitas naquele período. Na semana seguinte, coletávamos na segunda-feira à tarde e, na outra, segunda-feira à noite. Depois, na terça-feira pela manhã e assim sucessivamente”, explicou Andreuccetti.
Além de informações sobre o contexto da morte, também foram obtidas amostras de sangue das vítimas para avaliação da taxa de alcoolemia. Ao todo, foram reunidos dados de 656 vítimas, mas apenas 365 se encaixaram nos critérios estabelecidos pelo grupo.
Foram excluídos, por exemplo, os menores de 18 anos, as pessoas que receberam tratamento médico por seis horas ou mais antes de morrer e as autópsias realizadas mais de 12 horas após a ocorrência do ferimento fatal. O motivo, segundo Andreuccetti, é que mesmo após a morte os níveis de álcool no sangue vão sendo degradados com o passar do tempo – o que poderia comprometer a confiabilidade dos resultados obtidos.
Na amostragem final, conforme descrito no artigo, 28,5% dos casos de morte violenta correspondiam a vítimas de homicídio, 15,3% de acidentes de trânsito e 12,1% de suicídios. Todas as outras causas de morte violenta (incluindo afogamentos, envenenamentos e casos indeterminados) somaram 44,1%. Os números da pesquisa foram semelhantes às proporções observadas em estatísticas oficiais de números de óbitos por causas externas registradas para o município de São Paulo (DATASUS, 2013).
“A semelhança dos nossos números com as estatísticas oficiais sugere que nossa amostra é representativa do total de mortes violentas ocorridas na capital”, avaliou Andreuccetti.
Análises estatísticas
A maioria das vítimas incluídas no estudo era composta de homens brancos acima dos 30 anos de idade, com baixo nível de escolaridade e residentes na capital paulista. A maior parte dos ferimentos fatais ocorreu em locais públicos, em dias úteis, no período da noite. Já entre as vítimas de acidentes de trânsito, houve uma maior probabilidade de apresentarem alcoolemia durante os finais de semana e no período noturno.
Aproximadamente 16% das vítimas tinham antecedentes criminais e, nesse pequeno grupo, curiosamente, a média de alcoolemia foi mais baixa do que a média entre os que não possuiam tais antecedentes. Quando comparados dados de homens e mulheres, não foi observada diferença significativa nas médias de concentrações de álcool no sangue, mas os homens apresentaram uma maior probabilidade de estarem alcoolizados no momento da morte. Já quando comparadas as populações classificadas como branca e não branca (negros e pardos), a taxa de alcoolemia deste segundo grupo foi superior.
As maiores concentrações de álcool no sangue foram observadas entre os pedestres atingidos por veículos, vítimas de esfaqueamento e de quedas, sugerindo que, nesses casos, o comportamento da vítima alcoolizada pode ter atuado como um fator contribuidor para a ocorrência do ferimento fatal, destacaram os autores no artigo.
De acordo com Andreuccetti, é possível adaptar a metodologia para estimar, por exemplo, em quais regiões da cidade há maior probabilidade de ocorrer acidentes de trânsito e outros tipos de morte associada ao uso de álcool – bem como de outras drogas. O conhecimento gerado por esse tipo de estudo, acrescentou o pesquisador, pode ajudar a orientar políticas de saúde pública e até ações de fiscalização do trânsito.
“Há no Brasil e nos demais países em desenvolvimento uma enorme carência de dados epidemiológicos sobre o uso de álcool e de outras drogas, bem como sobre as mortes relacionadas a esse consumo. Acredita-se que o álcool esteja entre as principais causas de morte na América Latina. Este estudo mostrou que, sem dúvida, a cidade de São Paulo tem um grande problema de saúde pública relacionado ao uso de álcool no trânsito”, comentou.
Segundo Andreuccetti, no Brasil e na maioria dos países no mundo, os testes de alcoolemia não são exigidos para todas as vítimas que passam pelo IML. Essa avaliação é feita geralmente somente quando o resultado é importante para a investigação policial e, dessa forma, o banco de dados gerado não segue um padrão epidemiológico.
“Nosso objetivo foi desenvolver uma metodologia de baixo custo, aplicável em países em desenvolvimento, capaz de apontar estimativas sobre a prevalência do consumo de álcool entre as vítimas de morte violenta. Já estamos adaptando o método também para avaliar outras substâncias. Uma das grandes dificuldades de se manter dados estatísticos sobre mortes é a falta de financiamento. E é importante mensurar corretamente um problema para encontrar uma solução adequada”, afirmou Andreuccetti.
O artigo “Alcohol use among fatally injured victims in Sao Paulo, Brazil: bridging the gap between research and health services in developing countries” (DOI: 10.1111/add.13688) pode ser lido em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/add.13688/abstract.

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