domingo, 7 de agosto de 2016

Novo-desenvolvimentismo não funciona em países com taxa de poupança tão baixa como o Brasil - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 07/08

O novo-desenvolvimentismo, ao contrário do tradicional, teria uma preocupação maior com a parte fiscal



Têm tido repercussão na imprensa as propostas conhecidas por novo-desenvolvimentismo. O ex-ministro da Fazenda Bresser-Pereira, em colaboração com os professores José Oreiro e Nelson Marconi, acaba de lançar o livro "Macroeconomia Desenvolvimentista".

O ponto de partida da análise novo-desenvolvimentista é que a indústria de transformação é um setor especial. Ele lidera o desenvolvimento econômico, e o investimento na indústria gera ganhos tecnológicos que transbordam para os demais setores. Ou seja, uma falha de mercado –o ganho social do investimento no setor industrial é maior do que o ganho privado– justifica algum tipo de intervenção do setor público nos mercados para estimular o investimento no setor.

Uma das novidades da abordagem é a maior preocupação com o equilíbrio fiscal, em comparação ao desenvolvimentismo tradicional.

Outro elemento importante da estratégia novo-desenvolvimentista é algum tipo de controle cambial. A ideia é que câmbio real mais desvalorizado induz maiores investimentos na indústria e aumenta o crescimento de longo prazo da economia.

Segundo essa escola, a valorização do câmbio ao longo do governo Lula (2003-2010) seria responsável pela perda –ao menos em parte– do dinamismo da economia.

Minha interpretação é distinta. Nos melhores anos do governo Lula, os ganhos de produtividade e as boas perspectivas estimularam o crescimento do investimento em velocidade superior à da economia. Nossa economia política impediu que o maior crescimento no período gerasse elevação da poupança doméstica, para financiar o aumento do investimento.

O aumento da taxa de investimento, com uma taxa de poupança doméstica estável, gerou a contínua piora das contas externas –pela necessária absorção de poupança internacional– e a consequente valorização do câmbio. Ou seja, caso não houvesse a valorização do câmbio e a maior absorção de poupança externa, a inflação teria sido maior.

Houve naquele período fortíssimo processo de acumulação de reservas, que contribuiu para moderar o processo de valorização. No entanto, no Brasil a acumulação de reservas não é muito efetiva para impedir um processo de valorização do câmbio, pois, devido à baixa poupança do setor público, o Banco Central tem que emitir dívida doméstica para recomprar os reais que emitiu para adquirir as reservas. Nos países asiáticos, que praticaram políticas próximas das defendidas pelos novos-desenvolvimentistas, a elevada taxa de poupança permite que a acumulação de reservas não pressione a liquidez e a inflação domésticas.

Chegamos sempre ao mesmo ponto: controlar o câmbio sem que o setor público tenha posição fiscal extremamente sólida só redunda em inflação. Por outro lado, se houver forte aumento da poupança pública, o câmbio real desvalorizar-se-á naturalmente.

Finamente, a adoção de alguma meta de câmbio real tem o efeito colateral ruim de estimular que as empresas assumam passivos em moeda estrangeira mesmo que não tenham seguro contra oscilações do câmbio nominal. Aumentam em muito os riscos de uma crise cambial.

Sem entrar no mérito do argumento principal –a essencialidade da indústria de transformação para desenvolvimento econômico–, o novo-desenvolvimentismo é um modelo que pode até funcionar nas economias asiáticas que apresentam taxas de poupança acima de 35% do PIB. Difícil imaginar que irá funcionar com nossos ridículos 15%-20% do PIB de taxa de poupança!

Obsoleta e excludente - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 07/08

Como aconteceu há duas décadas, o avanço do desemprego e da informalidade despertou o mundo político para a obsolescência da legislação trabalhista do país.

Após anos de melhora quase contínua, o mercado degradou-se rapidamente. Desde 2015, o contingente que busca ocupação foi de 8 milhões para além dos 11 milhões e segue em alta.

Ao mesmo tempo, encolheu de 41 milhões para 39 milhões o número de assalariados com carteira assinada -os que desfrutam das garantias da septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Tal grupo, em nome do qual se batem os adversários de reformas do diploma legal, constitui parcela minoritária entre os mais de 100 milhões de brasileiros ocupados ou à procura de emprego.

Além de servidores públicos, que dispõem de estatuto próprio, e patrões, há o estrato, hoje mais numeroso que o dos celetistas, composto essencialmente por trabalhadores informais e autônomos, que labutam, no mais das vezes, sob condições precárias.

Forjada nos primórdios da industrialização do país, a CLT impôs a tutela estatal sobre as relações entre empregados e empregadores. A profusão e o detalhismo das regras criadas para proteger os primeiros mostraram-se, com o passar do tempo, empecilhos para os acertos entre as partes.

Basta notar que, no ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa vexatório 137º lugar, entre 140 países, quanto à facilidade de contratar e demitir mão de obra. Rever tais amarras será complexo.

O governo provisório de Michel Temer (PMDB) mede palavras e ambições ao anunciar o intento de modificar a lei e ampliar a possibilidade de negociações para reduzir salários e mudar jornadas em troca da preservação de vagas.

Mesmo admitidos pela Constituição e demandados pelos sindicatos, tais acordos coletivos não raro esbarram na CLT ou nos tribunais.

Há muita coisa mais a reformar, da representação sindical aos encargos sobre a folha. Para além do alívio à recessão, o fim do paternalismo do Estado permitiria maior inclusão no mercado formal.

O mito da meritocracia - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 07/08

Meritocracia. Essa se tornou uma das palavras preferidas dos conservadores. Se o multibilionário se deu bem na vida, é porque tem talento e trabalhou duro. É verdade, mas apenas parte dela. É difícil que alguém construa um império, se não tiver nenhuma aptidão, mas daí não decorre que todo mundo que seja competente dará certo. O sucesso tem muito mais a ver com sorte do que gostamos de crer. A meritocracia, em sua acepção forte, não passa de um mito. Aqui, são os liberais que estão certos.

Essa é basicamente a mensagem do livro "Success and Luck" (sucesso e sorte), de Robert Frank (Cornell). E, para nos convencer dela, ele usa um amplo e saboroso leque de histórias, estatísticas e estudos que mostram que o acaso não apenas define o que conquistamos como também está ficando cada vez mais influente, à medida que mais setores da economia passam a operar em modelos do tipo o vencedor leva tudo.

Os caprichos do destino começam a atuar antes mesmo do nascimento, já que características decisivas para o sucesso, como inteligência e disposição para o trabalho, das quais nos sentimos "donos", em nada diferem de outras que corretamente percebemos como fruto da loteria genética, como a cor dos olhos ou tipo de nariz.

Nascer no país certo também faz enorme diferença. Só viver nos EUA já determina que o indivíduo tenha renda média 93 vezes maior do que quem nasce no Congo (ex-Zaire). E, evidentemente, não há mais mérito em ser americano do que congolês.

De resto, mesmo entre os muito talentosos, pequenas mudanças nas condições iniciais podem ter consequências dramáticas. Al Pacino é um grande ator, mas há muitos grandes atores. Ele se deu bem, entre outras razões, porque teve a sorte de ser escalado para fazer o papel de Michael Corleone em "O Poderoso Chefão", o que o lançou ao estrelato. Frank encerra montando um bom caso em favor de uma taxação mais progressiva