quinta-feira, 14 de julho de 2016

Símbolos que viram alvos, Clovis Rossi, FSP


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Se os mortos e feridos de Nice foram de fato vítimas de um atentado terrorista, a mensagem explícita é clara: nada que tenha um aroma do modo de vida ocidental está a salvo dos fanáticos.
A Promenade des Anglais é, talvez, a mais emblemática via da Côte d'Azur, ela própria um símbolo de como vive e se diverte a "beautiful people" ocidental. De um lado, edifícios, em geral residenciais; do outro, o calçadão que margeia a praia de um Mediterrâneo absurdamente azul.
Se a esse local, já simbólico, se somar a festa do 14 de julho, a data nacional francesa, tem-se uma simbologia adicional ou uma provocação adicional aos fanáticos.
Se não é a Côte d'Azur, são outros pontos emblemáticos do modo de vida ocidental, seja o aeroporto Atatürk, em Istambul, ou o Zaventem, em Bruxelas.
Se não é a festa do 14 de julho, é a festa semanal de locais como o Bataclan, atingido há poucos meses.
Não convém, em todo o caso, esquecer que a guerra dos fanáticos não é apenas contra o Ocidente, mas contra muçulmanos tidos como infiéis, casos de Bangladesh e Bagdá, para citar apenas atentados recentes.
Aliás, é importante ressaltar que há mais vítimas muçulmanas do que de outras crenças, embora estas últimas provoquem mais ruído.
A quase totalidade dos analistas atribui os atentados destes últimos meses ao fato de que o Estado Islâmico está perdendo aceleradamente os territórios que ocupa na Síria e no Iraque, nos quais proclamou seu califado.
O território servia de propaganda e de fonte de atração para novos adeptos. À medida que encolhe, é preciso encontrar outras armas de propaganda —e Nice, o Bataclan, Atatürk e Zaventem são alvos de excelência, desgraçadamente. 

O nocaute que faltou: na cidade natal de Muhammad Ali, a luta é contra o racismo, Gonçalo Junior / LOUISVILLE, KENTUCKY, O Estado de S.Paulo Aliás

Timothy Montgomery não tem vizinhos brancos. Ele até interrompe o balanço da cadeira envernizada e franze a testa já enrugada para uma busca refinada na memória. Esse operador de máquinas aposentado sempre morou em Louisville, em frente ao número 3302 da Grand Avenue, casa onde nasceu Muhammad Ali. Montgomery desfaz a careta e desiste. Nada de brancos. A terra natal do maior boxeador de todos os tempos é uma cidade dividida. A segregação foi um adversário que Ali não nocauteou.
Louisville é a cidade mais populosa do Kentucky, estado sulista que lidera a produção norte-americana de fumo, trigo, soja e milho por causa de suas 90 mil fazendas. Lúvil, como pronunciam os nativos, tem 760 mil habitantes, os brancos somam 74% e os negros, 20%. O principal passeio é navegar pelo rio Ohio, que corta a cidade. Em algum lugar de suas águas limpinhas, está a medalha de ouro que o lutador conquistou nos Jogos de Roma de 1960 – mas ainda não é hora de falar disso.
Outra linha divisória importante, essa não aparece em todos os mapas, é a Ninth Street (Rua Nove). Construída lá nos anos 60 como uma ampla avenida, que depois virou uma via expressa, a Rua Nove é uma fronteira entre o lado oeste, predominantemente negro, e o lado leste, de maioria branca. Os mais antigos sussurram que ela era chamada Muro de Berlim.


Foto: LUCY NICHOLSON | REUTERS
 

Dados do último censo dos EUA mostram a ferida. Bairros como Park Hill, Westover e Califórnia são negros; outras áreas da cidade, como Indian Hills e Deer Park, são dos brancos. “Isso significa segregação racial”, avalia Cathy Hinko, diretora executiva da Metropolitan Housing Coalition, entidade que promove a igualdade principalmente na questão habitacional.
Esse tema é doloroso para os moradores, que mantêm a guarda levantada. A reportagem do Aliás não foi discriminada em nenhuma das duas bandas da cidade, mas, pela reação atravessada de alguns moradores, falar de raça é falta de modos. Muitos falaram de Ali, do rio, das fazendas, mas encerram o papo quando ela se esgueira para a cor de pele. Nesse contexto, a Rua Nove não é bem uma fronteira, está mais para cicatriz coletiva e compartilhada.
É um trauma ligado à estrutura habitacional da cidade. Por volta de 1940, políticas de renovação urbana na região central substituíram os prédios populares e edifícios mais antigos por centros governamentais e empresariais. Quando os moradores mais pobres, quase todos negros, foram empurrados para longe e começaram a se acomodar na região oeste, começou um movimento inverso, que ficou conhecido como fuga dos brancos. Durante duas décadas, eles se mudaram para o leste.
A divisão em Louisville não é uma novidade, trata-se de uma notícia envelhecida. O que incomoda a gente de lá é a perpetuação, a maneira como o Muro de Berlim nem se abala com os programas de integração. Em 1960, Ali conquistou a medalha de ouro na categoria de meio-pesado (até 79,4 kg), batendo na final o polonês Zbigniew Pietrzykowski. Na volta, foi recebido por uma multidão eufórica. A festa, no entanto, foi aparente. Na sua autobiografia, o próprio lutador conta que o ouro não mudou sua condição de cidadão de segunda classe em sua terra natal. Ele entrou em um restaurante, pediu um hambúrguer, mas o empregado se recusou a servi-lo. O campeão ainda argumentou, eu sou Cassius Klay, ganhei uma medalha de ouro no boxe, sou de Lúvil, mas nada de pão com carne.
De raiva, jogou a medalha no rio Ohio, aquele que divide a cidade. A medalha de substituição só veio em 1996, em Atlanta. Esse episódio marcou para valer sua luta pela igualdade racial, uma das inúmeras passagens que merecem marca-texto em sua biografia. Um parêntese histórico: a Lei dos Direitos Civis, que pôs fim à segregação racial e permitiu que negros e brancos frequentassem os mesmos ambientes nos Estados Unidos, data de 1964. Completou, portanto, 50 anos recentemente.
“Embora o sistema de segregação baseada em leis tenha se desestruturado nos anos 1960, muito por conta da atuação dos movimentos pelos direitos civis que teve como grande liderança Martin Luther King Jr., até hoje há racismo e segregação, não apoiados em leis, mas na dinâmica social. Isso pode ser visto nos números e casos de violência policial contra negros e negras, taxas de ingresso no ensino superior, renda e representações estereotipadas sobre esse contingente da população”, opina o professor Márcio Macedo, PhD em Sociologia pela Universidade de Nova York e professor do curso de Jornalismo da FIAM-FAAM.
Quase sessenta anos depois do “não” no restaurante, novamente uma multidão saudou Ali nas ruas de Louisville em seu funeral no início do mês. Milhares aguardaram até três horas nas calçadas, passarelas e guardrails das avenidas para jogar uma rosa no carro fúnebre. Ou encostar a mão na traseira do veículo preto, tirar uma foto, socar o ar como o punho fechado ou só para gritar “Ali”. As palavras mais usadas no funeral, por pesos pesados como o ex-presidente Bill Clinton, foram compaixão e união. Ali é o elo. Para Marcelo Zorovich, professor de Relações Internacionais da ESPM, os esportistas podem minimizar a tensão racial nos Estados Unidos e cita o exemplo de Michael Jordan, o Pelé do basquete.
Para Pamela Meanes, presidente da Aliança contra o Racismo e Políticas de Repressão do Kentucky, o funeral foi um momento de exceção. Brancos e negros não costumam olhar na mesma direção. “Nos grandes acontecimentos, ou mesmo quando acontecem problemas sérios, o legado de Ali é usado para unir a cidade, mas ainda temos muito a avançar na questão racial.”


 

Outro morador usou a seguinte imagem para descrever o funeral de Ali. “Um quadro colorido em uma parede ainda no reboco.” Márcio Macedo classifica o papel dos atletas negros como ambivalente. “Por um lado, fazem com que a população negra tenha mais visibilidade na mídia, o que ajuda a educar os mais jovens para sua presença na sociedade. Por outro lado, podem ajudar na reelaboração de ideias racistas sobre a corporalidade negra, ou seja, pensamentos que afirmam uma suposta maior potencialidade dos negros e negras para as atividades físicas em detrimento das intelectuais.”
O vendedor Jonathan Brade reconhece que a parte negra da cidade ainda é subdesenvolvida, mas diz que não dá para colocar tudo na conta racial. “Temos uma divisão entre pobres e ricos, não entre negros e brancos.” Depois de perambular em várias ocupações, ele conta que precisa de dois empregos para pagar as contas. Vende artigos de informática e trabalha em uma farmácia à noite. Zorovich defende uma posição semelhante. “Nos últimos anos, podemos perceber o crescimento da pobreza em alguns estados norte-americanos, fato que não está diretamente relacionado aos afrodescendentes, mas sim ao conjunto da população”, afirma.
Outra digressão histórica. A palavra sulista, lá no comecinho, traz outra moldura para a conversa. Kentucky se localiza em uma região onde os conflitos raciais são evidentes por conta do impacto da escravidão negra e da segregação institucionalizada até por volta de 1960. As diferenças do Sul em relação ao norte, mais industrializado e com trabalho livre, levaram à guerra civil (1861-1865), que deixou mais de 600 mil soldados mortos e destruiu grande parte da infraestrutura do sul do país. A escravidão foi abolida, o que deu início ao lento processo de retomada dos direitos civis dos escravos libertos.
Existem esforços para que as coisas mudem, quase todas bancadas pelo poder municipal. Uma delas é oferecer ônibus gratuitos para as crianças estudarem em escolas mais distantes, fora do seu gueto. A encrenca é convencer os pais. Uma política habitacional oferece imóveis subsidiados e a preços acessíveis em toda a cidade, também para diminuir as panelinhas. Um dos eventos mais importantes da série de homenagens ao lutador foi dirigido para as crianças. Centenas delas participaram de atividades artísticas e educativas, todas lúdicas, no Kentucky Center for the Performing Arts. A ideia era que conhecessem melhor o grande filho da cidade e levassem adiante as coisas nas quais o campeão acreditava. Foi uma beleza ver alguns aqueles pingos de gente dizendo que era preciso “flutuar como uma borboleta e picar como uma abelha”, a maneira como o próprio definiu seu estilo de lutar.
Por enquanto, esses avanços, dentro e fora de Louisville, tiveram o efeito do soco de um peso-pena. Especialistas afirmam que a figura de Barack Obama, primeiro presidente afro-americano da história do país, tem um impacto simbólico poderoso, mas as políticas de integração racial de seu governo foram modestas. Hoje, não existem programas que enfrentem de forma eficaz a violência policial contra negros e a desigualdade econômica. Aos 75 anos, Montgomery traduz o discurso acadêmico para sua realidade, pão, pão, queijo, queijo e diz que ele se acostumou a não ter vizinhos brancos, mas que espera que tudo seja diferente para seus netos e bisnetos.



Foto: LUCY NICHOLSON | REUTERS
 

Família de ex-presidente da Valec simulou venda de 500 toneladas de grãos para propina, diz Procuradoria


POR MATEUS COUTINHO E JULIA AFFONSO
22/05/2016, 05h00
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Transação supostamente fictícia teria 'mascarado' repasse de R$ 2,24 milhões para José Francisco das Neves, o Juquinha, denunciado pelo Ministério Público Federal por fraudes em obras de ferrovias em Goiás
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Pagamento de propina por meio da venda simulada de 555 toneladas de cereal. Este é apenas um dos caminhos que a Procuradoria da República em Goiás suspeita ter sido utilizado para dinheiro ilícito chegar ao ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, acusado de receber ao menos R$ 2,24 milhões para permitir a atuação de um cartel de empreiteiras que teria superfaturado as obras das ferrovias Norte-Sul e Interligação Leste-Oeste no Estado.
A ÍNTEGRA DA DENÚNCIA

A polêmica operação comercial sob suspeita do Ministério Público Federal ocorreu em 21 de dezembro de 2010 e foi realizada entre a mulher de Juquinha, Marivone Ferreira das Neves, e Juarez José Lopes Macedo, dono da empresa Elccom Engenharia que firmou contratos de prestação de serviços de fachada com o Consórcio Ferrosul, responsável pelas obras das ferrovias.
No âmbito dos contratos foram emitidas quatro notas fiscais no valor total de R$ 997 mil que executivos da empreiteira Camargo Corrêa entregaram em acordo de delação premiada.
A transação é destacada na denúncia da Procuradoria da República em Goiás contra o ex-presidente da Valec e outras sete pessoas acusadas de montar um esquema de corrupção e cartel que teria fraudado as licitações das obras ferroviárias no Estado de 2000 a 2011. Esta operação, segundo a acusação, foi uma das utilizadas pelo grupo criminoso para lavar parte da propina de R$ 2,24 milhões..
A mulher de Juquinha teria vendido a Juarez 555 toneladas de sorgo, um cereal utilizado principalmente na alimentação de animais e, em alguns países, de humanos. Os peritos da Polícia Federal e a Procuradoria, porém, levantaram várias suspeitas sobre a operação, que vão desde problemas na declaração de renda da família de Juquinha até a falta de armazém na propriedade deles para estocar tamanha quantidades de cereal.
“Os peritos analisaram as declarações de imposto de renda da família das Neves e verificaram não ser possível atestar a veracidade das informações relacionadas à receita e à despesa da atividade rural, porque os réus sonegaram os respectivos livros-caixa”, afirma o procurador Hélio Telho Corrêa Filhoa na denúncia levada à Justiça Federal em Goiás.
Chamou a atenção do experiente procurador o fato de a venda ter ocorrido no período de entressafra do sorgo e que, portanto, os cereais deveriam estar armazenados.
“Sendo certo que, se esses grãos estivessem armazenados em depósitos de terceiros, as notas fiscais pertinentes à operação seriam emitidas pelo armazenador e não pelo produtor”, conclui a denúncia.
Além da transação ‘agrícola’ com a família do ex-presidente da Valec, o dono da Elccom Engenharia fez transferências bancárias em valores menores para a mulher de Juquinha o que, segundo a Procuradoria, ajuda a confirmar a ligação de Juarez com o ex-executivo da Valec.
A denúncia está sob análise da 11ª Vara Federal em Goiania e aponta ainda outras práticas adotadas pelo grupo criminoso supostamente capitaneado por Juquinha para lavar a propina total de R$ 2,24 milhões como contratos de fachada das empresas que tocaram as obras com um escritório de advocacia e ainda com outra empresa de engenharia.
COM A PALAVRA, A EMPRESA ELCCOM:

A reportagem ligou para os números da empresa Elccom, mas ninguém atendeu nesta sexta-feira, 20.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE JUQUINHA:

O advogado de Juquinha e de sua família também não foi localizado nesta sexta, 20. Na quinta, 19, ele informou que não teve acesso ainda à acusação e que só iria se manifestar após ser notificado pela Justiça.
COM A PALAVRA, A VALEC:
“A VALEC instituiu internamente uma Comissão Especial de Acompanhamento e Apuração dos fatos investigados pela “Operação Recebedor”. As irregularidades datam de períodos quando a empresa era gerida por diretorias anteriores, mas a VALEC mantém seu compromisso com a probidade, a ética e a transparência no exercício da atividade pública e vai se empenhar em fazer as devidas apurações no âmbito da empresa. Assim, visa fortalecer os controles internos destinados à prevenção de fraudes e desvios éticos.”