sábado, 7 de maio de 2016

Mario Vargas Llosa diz que Brasil está dando exemplo de combate à corrupção, in OESP

Mais de 40 obras de ficção e não ficção, peças, livros infantis. Milhares de artigos publicados em jornais de todo o mundo sobre temas que vão da política internacional aos clássicos universais. Conferências e mais conferências. Mario Vargas Llosa, 80 anos, não para. E não quer parar. “Essa é uma maneira de me manter vivo até o final, escrevendo, com projetos, de tal maneira que a morte seja uma surpresa, um acidente”, disse o prêmio Nobel de 2010 e colunista do Estadonesta entrevista feita no início da tarde de sexta, 6, por telefone, desde Buenos Aires, onde parou antes de desembarcar em São Paulo. Na segunda-feira, 9, ele participa do Fronteiras do Pensamento. 
Confira trechos da conversa em que o escritor falou sobre democracia, populismo, Dilma, Donald Trump e, claro, literatura e seu mais recente romance, Cinco Esquinas, que será lançado pela Alfaguara em outubro.
Por que 'Cinco Esquinas'?
Esse é o nome de um bairro de Lima muito importante nos séculos da colônia e que depois entrou em decadência. Teve uma ressurreição no começo do século 20, quando ganhou prestígio pela música. E foi decaindo de novo e se transformando num bairro violento pelo narcotráfico e prostituição. Pareceu um título simbólico para um romance em que os personagens nasceram e viveram lá e também pela história de auge e decadência, de violência. É um pouco um símbolo da história que o livro conta.
E qual foi a história que o senhor quis contar?
O livro descreve a vida nos instantes finais da ditadura de Fujimori, que foram de grandes incertezas. Havia terrorismo de todos os lados. A delinquência comum cresceu muito com a violência política. O toque de recolher aumentava a claustrofobia e a paranoia dos peruanos. Minha primeira ideia era mostrar como a ditadura, especialmente Vladimiro Montesinos, que era o nome forte, usou a imprensa marrom para combater os críticos do regime, envolvendo-os em escândalos muitas vezes inventados. E esse tipo de jornalismo é um fenômeno do nosso tempo, no primeiro e no terceiro mundo, e está no auge. Eu queria que o eixo central da história ocorresse ao redor do uso da imprensa com intenção política, mas o projeto cresceu até se converter num mural da sociedade peruana nesses momentos truculentos.
O senhor situa a obra nesse momento de incerteza. Pensando na América Latina, vivemos hoje um momento de incerteza? Como estão nossas democracias?
Sou otimista. A maioria está estusiasmada com a ideia de que a democracia é o único caminho ou está resignada e sabe que não há alternativa. O que está acontecendo em países como a Argentina, por exemplo, é muito estimulante: uma mudança radical no repúdio ao populismo e à demagogia socializante e uma tomada de consciência de que a democracia e as reformas liberais são as únicas que podem trazer uma modernização rápida. E há um movimento anticorrupção e o Brasil é um exemplo. Esse movimento, muito sadio, busca a purificação da democracia porque a corrupção é uma gangrena que destrói a confiança nas instituições. E o que ocorre agora no Brasil revela um espírito do que está muito estendido no continente: um grande repúdio à corrupção. Mas este não é um fenômeno que quer uma volta ao passado, ao populismo. É um aperfeiçoamento da democracia.
Como vê o processo de impeachment da presidente Dilma? 
Com otimismo. No Brasil, há uma espécie de catarse da qual participa uma imensa quantidade de brasileiros que querem uma democracia decente e honrada, e não uma democracia de políticos que aproveitam o poder para enriquecer. O Brasil está dando um exemplo pela maneira radical com que está combatendo e querendo castigar os culpados pela corrupção. Que nas próximas eleições os brasileiros sejam mais lúcidos e não votem novamente em ladrões e escolham políticos honrados.
Os partidos de esquerda estão em crise na América Latina?
Os partidos, de uma forma geral, estão em crise. Os partidos que antes canalizavam a participação dos cidadãos na vida política se converteram em máquinas eleitorais. Eles precisam se renovar e voltar a ser representativos porque sem eles não há democracia funcional. 
Como imagina que teria sido sua vida se tivesse sido eleito presidente do Peru?
O que importa é a história que tivemos, e é ela que precisamos corrigir e utilizar como ponto de partida para um futuro. Há razões para o otimismo. Não se compara a América Latina de hoje com a de 20, 30 anos atrás, quando não havia base sólida para a democracia. Havia os partidários das ditaduras e a utopia comunista. Esses mitos desmoronaram. Com exceção de Cuba e da Venezuela, todo o resto do continente tem governos democráticos. Democracias imperfeitas, claro. Estamos num momento fronteiriço em que as perspectivas são mais otimistas que negativas.
E quando pensamos nos Estados Unidos, com Donald Trump sendo nomeado candidato?
Isso é muito preocupante, pois mostra que o populismo pode chegar às sociedades mais avançadas. 
Por que acha que os americanos deram essa abertura toda a Trump e fizeram com que sua popularidade crescesse tanto?
A crise econômica afetou muito os Estados Unidos. Há ressentimento pela queda no padrão de vida, pela falta de emprego. E também por certos mitos, como o do imigrante que vai roubar trabalho e que ele leva violência ao país. Tudo isso é pura fantasia mentirosa que nasce de preconceitos muito enraizados em toda a sociedade contra os estrangeiros. E Trump, em sua campanha, apelou aos piores instintos. Esperemos que a maioria dos norte-americanos não respalde uma candidatura tão demagógica e tão pouco responsável.
Em sua trajetória, literatura e política andam lado a lado. 
Isso é muito frequente com os escritores da América Latina, que não podem deixar de participar do debate público pela gravidade dos problemas que enfrentam e que afetam muitíssimo a vida cultural: a luta contra a censura, a defesa dos direitos humanos, da liberdade crítica, da liberdade de expressão. 
Isso, nos debates do dia a dia e nos livros?
As obras devem ter uma perspectiva maior que a atualidade. Uma obra literária que dependa inteiramente da atualidade pode se converter, muitas vezes, em propaganda ou puramente em informação ou reportagem. A literatura tem que fincar raízes em problemas mais amplos que os da política contemporânea. Isso vale para todas as artes. Se é para ser político, que escreva artigos, ensaios, que dê conferências.
O que faz o senhor continuar escrevendo?
Será assim até o último dia. Essa é uma maneira de me manter vivo até o fim, escrevendo, com projetos, de tal maneira que a morte seja uma surpresa, um acidente. O importante é não morrer sem vida, antes do tempo. 
A festa pelos seus 80 anos foi grande. Está feliz? 
Muito. 
O senhor está doando sua biblioteca para sua cidade natal. Qual livro manteria até o fim?
Um só? Guerra e Paz, de Tolstoi. Primeiro, porque é um livro extraordinário. Depois, porque é muito extenso e me ocuparia muito tempo. 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Funcionalismo inchado e caro - EDITORIAL O ESTADAO


O ESTADO DE S.PAULO - 01.05

O governo Dilma Rousseff bateu mais um recorde. Em 2015, o peso das despesas com o pagamento dos servidores públicos federais foi o maior em 17 anos. Segundo dados do Ministério do Planejamento, o governo gastou 39,2% de suas receitas com a folha de pagamento do funcionalismo federal. Ainda que o porcentual não ultrapasse os limites legais – desde o ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o governo só possa gastar até 50% de suas receitas correntes líquidas com a folha de pagamento –, trata-se de mais um dado a confirmar a triste situação das finanças públicas do governo federal.

Na série histórica sobre a relação entre despesas com pessoal e receitas, o maior porcentual foi verificado em 1995, quando 54,5% das receitas eram usadas com gastos de pessoal. Depois, o menor nível ocorreu em 2005, quando 27,3% das receitas foram usadas para pagar funcionários públicos.

De acordo com o Ministério do Planejamento, até novembro de 2015 o governo federal tinha nos Três Poderes 2,19 milhões de pessoas em sua folha. Desse total, 55,3% estão na ativa, 26% são aposentados e 18,7%, pensionistas. O total da folha de pagamento em 2015 foi de R$ 255,3 bilhões, dos quais R$ 151,7 bilhões foram destinados ao pagamento de salários, R$ 66,2 bilhões a aposentadorias e R$ 37,3 bilhões a pensões.

O aumento do peso econômico do funcionalismo para o País pode também ser observado na proporção entre despesas com a folha e o Produto Interno Bruto (PIB). Em 2015, o gasto com o funcionalismo representou 5,3% do PIB. Trata-se do pior resultado desde 1995.

Em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, as despesas com o funcionalismo representaram 5% do PIB. Em 2010, último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o porcentual ficou em 4,7%. No primeiro ano de governo Dilma Rousseff, o porcentual caiu para 4,5%. Depois, durante os três anos seguintes, ficou em 4,3%.
A curto e médio prazos o problema tende a agravar-se, seja pela recessão econômica – que diminui a arrecadação do governo –, seja pelos acordos firmados em 2015. No ano passado, cerca de 90% dos servidores do Executivo chegaram a um acordo com o governo de reajuste salarial. A maioria assinou acordos com vigência de dois anos e reajuste de 10,8% em duas parcelas. Já as carreiras de Estado optaram por acordos de quatro anos, com reajuste de 27,9%. Segundo o Ministério do Planejamento, os acordos firmados em 2015 terão um impacto de R$ 4,23 bilhões neste ano, R$ 19,23 bilhões em 2017, R$ 17,91 bilhões em 2018 e R$ 23,48 bilhões em 2019.

Ao invés de aproveitar a crise para diminuir os gastos com o funcionalismo, o setor público continua contratando. Segundo o Ministério do Trabalho, em março, por exemplo, foram abertas 4.335 vagas formais na administração pública. O total de contratações no setor público no primeiro trimestre é de 13.489. Se o arrocho do setor privado é forte – nos primeiros três meses de 2016 foram 319 mil vagas a menos –, a área pública parece esquecer a forte crise fiscal pela qual atravessa o País.

Essa atitude é bem diferente da que se observou na Europa após a crise econômica de 2008. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos os países da União Europeia reduziram o tamanho do funcionalismo público entre 2008 e 2013, exceto a Suécia. Outro estudo, da entidade Initiative for Policy Dialogue, com sede na Universidade de Columbia (EUA), revelou que, desde 2010, quase cem governos reduziram o valor gasto com o funcionalismo.

Diante da gravidade da atual crise econômica – segundo o IBGE, o Brasil tem hoje 11 milhões de desempregados – o setor público não pode fechar os olhos à realidade. Além das nefastas consequências para o equilíbrio fiscal, novas contratações no setor público representam uma situação de privilégio, como se o Estado fosse um mundo à parte.

Solo estéril - VINICÍUS MOTA


Folha de SP - 02/05
Durante a agonia de um governo arruinado, o Brasil começou a melhorar. A substituição da equipe do calote, de Zélia Cardoso, pela do diplomata Marcílio Marques, em maio de 1991, iniciou período de 15 anos de prevalência da sobriedade na política econômica.

Sob Marcílio atuavam Pedro Malan, Armínio Fraga, Francisco Gros e Gustavo Loyola, que se tornariam protagonistas a partir da segunda metade daquela década. Collor cravejado deixou-se influenciar pelo espírito da História, levado quer pelo acaso, quer por tirocínio.

Dilma Rousseff não teve fortuna nem virtude nem presciência. Sai de cena tendo semeado coisa nenhuma para o futuro.

A fertilidade do solo é tão baixa que se avizinha troca profunda de quadros, a abranger altos escalões de formulação e decisão, na Fazenda, no Banco Central, no Planejamento, na Petrobras e no BNDES. Nem sequer a passagem de FHC para Lula registrou movimentação de pessoal estratégico nesse volume.

O desafio dos entrantes e de seus sucessores é soberbo e se confunde com a missão de renegociar os termos do pacto civil. As turmas dos anos 1990 em diante beneficiaram-se da ampla margem para elevar a dívida pública e os tributos, o que permitiu expansão contínua, absoluta e como fatia do PIB, dos gastos sociais.

Esse fator se esgotou, ainda que se imponha uma alta urgente de impostos. Dos ganhos de eficiência dos atores, privados e estatais, é que surgirão os recursos para a consecução do núcleo dos ideais de bem-estar inscritos na Constituição, partilhado pela maioria dos partidos.

O populismo dos últimos dez anos estimulou a confusão entre esses princípios constitucionais, de um lado, e a figura de um Estado paternalista a distribuir privilégios, do outro. Caberá à nova geração de autoridades e à nova maioria legislativa a espinhosa tarefa de desfazer o equívoco.