sexta-feira, 10 de julho de 2015

José Serra: 'Meu projeto é a resposta imediata aos infratores'

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Marcelo Godoy - O Estado de São Paulo



Autor do projeto que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para ampliar o prazo máximo de internação dos adolescentes infratores que cometem crimes hediondos de 3 para 10 anos, o senador José Serra (PSDB-SP) viu sua proposta atrair o apoio da bancada petista e se transformar na principal aposta do governo Dilma Rousseff para impedir a redução irrestrita da maioridade penal dos 18 para os 16 anos, como defende o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O tucano acredita que o Senado deve aprová-lo antes do dia 30.
Além de seu projeto, Serra defende a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que condiciona a quebra da maioridade de adolescentes que cometam, a partir dos 16 anos, crimes hediondos ou graves a um pedido do Ministério Público. Assim mesmo, ela só ocorreria após a decisão de um juiz.
Por que o senhor decidiu apoiar a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente?
Eu sempre tive uma posição crítica daquela que se dedica a responsabilizar os fatores sociais pela criminalidade, como desigualdade e pobreza, e ao mesmo tempo sugere uma inércia diante do que está acontecendo. O Poder Público tem de proteger a sociedade contra a violência. Outro fator que me impulsionou foi minha experiência no governo do Estado. Particularmente, no caso do Champinha (adolescente que sequestrou e matou um casal em 2003), pois tive de construir na emergência uma unidade para abrigá-lo (como havia terminado o prazo para mantê-lo internado, Champinha teve de ser transferido para uma unidade de saúde, onde está até hoje). O Alexandre de Moraes (secretário da Segurança Pública) me deu as dicas essenciais para meu projeto.
O senhor quer alterações, mas em 1990 votou a favor do ECA...
Votei a favor do ECA.
O que mudou para dizer que agora é preciso modificar a lei que o senhor ajudou a aprovar?
Às vezes, você vota a favor no bojo das decisões partidárias e para onde vai a maioria da comissão (do ECA), que a Rita (Camata) era relatora. Era muito difícil você prever todas as consequências, boas ou não. Você aprova uma lei e depois observa como ela funciona.
E o senhor era constituinte quando se definiu a maioridade aos 18 anos...
Isso nem teve uma discussão. Para eu nem me lembrar, deve ter sido uma coisa...
Votada sem questionamento?
O que houve de importante na Constituinte nessa área foi o plebiscito sobre a pena de morte. Eu fui o principal opositor. Sou contra a pena de morte, porque não tem reparação. Mas, se algum delinquente matar um filho seu, você pode querer se vingar. Eu acho legítimo. Mas acho que o Estado não pode ser instrumento de vingança. Eu não quero deixar de lado a importância das medidas educativas. Mas você precisa ter o indivíduo sem liberdade e a perspectiva para quem está fora de que terá de pagar mais caro. Essa coisa de que a pena não dissuade é conversa.

Serra afirmou que defende também a Proposta de Emenda à Constituição de seu colega Aloysio Nunes Ferreira
Serra afirmou que defende também a Proposta de Emenda à Constituição de seu colega Aloysio Nunes Ferreira

Os críticos da redução da maioridade dizem que ela é ineficaz...
O argumento da ineficácia não pode derrubar a medida. Se não, vamos parar aonde? Você tem de reprimir o crime. Você tem de analisar os fatores que levam a ele, óbvio. Tem de haver prevenção e repressão. Só reprimir funciona? Não. Por isso, vou deixar de fazer? Não.
A polícia esclarece só 2% dos delitos de autoria desconhecida em São Paulo. Não deveríamos, em vez de aumentar a pena, aumentar a eficiência da polícia?
No caso dos adolescentes, a mudança no ECA tem efeito imediato. Mesmo com o porcentual atual de esclarecimentos de crimes, ampliaria muito o efeito. Mas, é óbvio, que esclarecer mais é crucial.
O que o senhor acha de seu projeto ter se transformado no projeto do governo Dilma?
O projeto é meu/Alckmin. O PT manifestou simpatia. Vi pelo jornal. Alguns senadores - o José Pimentel (PT-CE) e a Gleisi Hoffmann (PT-PR) - me disseram que tinham interesse. No Legislativo, se você tem um projeto, deve negociar com todos. O objetivo é aprovar o projeto; quanto mais apoio tiver, melhor.
Como foi sua conversa com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo?
Ele manifestou interesse de apoiar e perguntou se estávamos abertos para mudanças. Eu disse: 'Se não for no essencial, claro, pode melhorar'.
O governo é contra incluir o tráfico de drogas...
No meu projeto não tem. Eu não poria tráfico de drogas - não porque não ache relevante -, pois a garotada é mais usada como mula. Mas, sendo uma lei ordinária, não há o que impeça aperfeiçoamento futuro.
Aécio Neves apoia a proposta de Aloysio Nunes Ferreira. O PSDB não tem muitos projetos sobre o mesmo tema?
São dois projetos. Um é de emenda constitucional e outro de lei ordinária. Projeto de lei ordinária é de maioria simples, basta votar uma vez. Emenda constitucional são 60% de votos e quatro votações. Mais: é certo que haverá arguição no Supremo pela cláusula pétrea. Acho que não é, mas vai chegar ao Supremo. Vai demorar. Meu projeto dará uma resposta imediata aos infratores.
Mas a PEC só pune os adolescentes a partir de 16 anos. Seu projeto atingiria de 12 a 18 anos...
Isso sempre me preocupou. O que aconteceria, no dia seguinte à aprovação da PEC, quando acontecer um crime hediondo praticado por um adolescente com 15 anos, 11 meses e 29 dias? Veja esse crime bárbaro no Piauí (o estupro de quatro meninas, uma das quais morreu). Dos quatro bandidos, dois têm menos de 16 anos e não estariam sujeitos às mudanças que a PEC propõe. Já a mudança do ECA os enquadraria.
O senhor quer dizer que sua proposta é melhor do que a redução ampla da maioridade penal?
Eu estou focado na proposta do Aloysio; eu vou votar nela.
E se a Câmara votar a redução ampla, não só os hediondos?
Eu não vou me manifestar sobre o que a Câmara pode fazer.
Mas o senhor não é a favor da redução para todos os crimes.
Não se deve reduzir porque você tem os crimes menores.
O PSDB está dividido? De um lado Aécio, de outro Alckmin. O partido alcança um consenso?
Acho que sim. Na prática, vai. O autor é o Aloysio, eu nunca conversei com o Aécio sobre o projeto. Conversei com o Aloysio, que não tem divergência com o projeto do ECA. Eles são complementares, pois o do ECA resolve o problema do infrator com menos de 16 anos. O José Pimentel avocou a relatoria. E vai botar para votar logo. Tenho impressão que antes do dia 30 (data que Cunha quer votar a PEC da maioridade na Câmara).
Cunha quer tirar da PEC de Aloysio a análise judicial para reduzir a maioridade...
A PEC do Aloysio não está na Câmara.
O senhor acredita que existe clima no País para se discutir a maioridade com equilíbrio?
É ilusão achar que mudanças legislativas são feitas fora do clima de motivação para o assunto. A conjuntura influi no Brasil e no mundo. É impossível separá-la.

PRESTE ATENÇÃO...

1.Do governador Geraldo Alckmin (PSDB).Muda só uma parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao ampliar o tempo de internação máximo de 3 para 8 anos, no caso dos crimes hediondos, como o homicídio qualificado, o estupro e o sequestro, além dos delitos assemelhados, como o tráfico de droga. Coloca ainda aqueles com mais de 18 anos em unidades separadas dos mais novos e-mais seguras. Não mexe com cláusula pétrea da Constituição e requer menos votos para ser aprovada. Está na Câmara.

2.Do senador José Serra (PSDB-SP). A tese é a mesma da proposta do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O texto altera o tempo máximo de internação dos infratores de 3 para 10 anos quando eles cometem crimes hediondos (Serra exclui o tráfico de drogas) e para os reincidentes de crimes cometidos com grave ameaça. O projeto está no Senado.

3.Do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Esse projeto torna crime hediondo e triplica a pena para quem usar criança ou adolescente para a prática de delitos, a corrupção de menores. A proposta de Aécio está no Senado.

4.Do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Defendida por Aécio Neves, essa Proposta de Emenda à Constituição (PEC) abre a possibilidade de a Justiça aplicar a lei penal aos adolescentes de 16 a 18 anos envolvidos em crimes hediondos – depende de decisão judicial. A proposta mantém a regra da maioridade aos 18 para os demais crimes. Ela está no Senado.

5.Do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para todos os crimes, graves ou não. Cunha prometeu que será votada até o fim do
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Por quem os juros sobem, por HENRIQUE MEIRELLES



O fato de o Banco Central subir os juros enquanto a economia está em recessão gera muita controvérsia. A razão da alta é simples: a inflação está elevada e, muito importante, as expectativas estão acima da meta para este e os próximos anos.
Para este ano, alguns analistas já esperam inflação de 9% por causa do impacto da correção dos preços administrados, que ficaram represados por anos. A inflação, entretanto, já estava alta devido a um desequilíbrio entre oferta e demanda, razão básica de elevação de preços. Os incentivos ao consumo não foram acompanhados por aumento dos investimentos visando maior oferta de bens, o que gerou desequilíbrios.
Para controlar a inflação, o Banco Central vem subindo os juros desde outubro, apesar do ambiente já recessivo. Essa conjuntura realimenta dúvidas antigas, populares no Brasil e na América Latina, mas ultrapassadas nas economias mais desenvolvidas, sobre a eficácia da alta de juros contra a inflação. Busca-se, assim, justificar a aplicação de métodos alternativos, já testados e fracassados em várias regiões, inclusive no nosso país.
A política monetária clássica de alta de juros, transmitida à economia por canais como o crédito, o câmbio, a expectativa de inflação e outros, é inequivocamente a forma eficaz de combater a elevação de preços. Mesmo em ambiente recessivo, subir os juros é necessário pelo simples fato de a inflação estar alta.
E um dos fatores que mais alimentam a inflação é o fato de os formadores de preço --como dentistas, advogados, indústrias e varejistas_ esperarem que ela siga acima da meta de 4,5% estabelecida pelo governo. Assim, esses agentes reajustam preços baseados na expectativa de inflação alta no futuro.
Isso traz grandes custos à sociedade, como desemprego e recessão, já que, para trazer a inflação à meta, a queda da demanda e da atividade econômica tem de ser maior do que se a expectativa estivesse na meta. Por isso, o controle das expectativas é um dos fundamentos do controle de inflação no sistema de metas adotado pelo Brasil.
Independentemente de controvérsias, é necessário, portanto, que as medidas contra a inflação sejam suficientemente fortes e comunicadas com clareza para que haja queda consistente das expectativas para 2016 e 2017. Se convergirem à meta, permitirão redução considerável dos juros e retorno do crescimento.
A economia brasileira só voltará a crescer de forma vigorosa e sustentável com reformas estruturais. Mas, quanto mais rápidos e eficazes forem o ajuste fiscal, o acerto dos preços administrados e a contenção da inflação, mais condições o país terá para retomar o crescimento e melhorar o padrão de vida de toda a população.

Surto de imbecilidade: colunista da Folha sai em “defesa da desigualdade”, Do blog da cidadania


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desigualdade

Ficou chocado (a) com a agressão verbal ao frentista haitiano no Rio Grande do Sul ou com o colunista da Veja que pediu “menos escolas, mais prisões”? Pois esse surto nazifascista que o Brasil vem assistindo acaba de ganhar um novo capítulo antes mesmo que os anteriores tivessem sido digeridos. Na última edição dominical da Folha de São Paulo, um colunista saiu em defesa da desigualdade de renda no Brasil (!?).
Antes de entrar nos detalhes desse caso, porém, façamos algumas reflexões sobre como chegamos a isso.
Ao longo dos últimos dois anos, o país assistiu a uma ascensão do “pensamento” de ultradireita que não encontra paralelo nos 125 anos de vida republicana do país. Mesmo a ascensão nazifascista que levou à ditadura militar (1964-1985) não se compara ao que está acontecendo, pois, naquele momento, a ultradireita encontrou forte resistência à esquerda, enquanto que, hoje, a resistência vai de pífia a inexistente.
Os fatores que reduziram tanto a resistência ao surto nazifascista envolvem erros de avaliação política tanto do governo quanto de sua base de apoio à esquerda. E, claro, o mau desempenho da economia.
A história mostra que a ultradireita é oportunista; costuma se erguer em momentos de insatisfação das massas como o que vive hoje o país. E o melhor exemplo desse fenômeno é, sem dúvida, a ascensão nazista na Alemanha dos anos 1920, mergulhada em um caos econômico profundo, o que permitiu a um psicopata catalisar o apoio de multidões ao prometer o que todos queriam ouvir: uma saída para a crise.
Tanto na Alemanha pré-nazista como em movimentos análogos de exploração do desespero das massas, sempre há que apontar um culpado e sua destruição como panaceia para todos os males. Porém, esse culpado não pode ser um indivíduo, pois concentrar as forças políticas, econômicas e de Estado contra uma só pessoa permite que seja destruída rapidamente e, então, fica-se sem ter a quem responsabilizar.
Nesse aspecto, há que eleger grupos étnicos, religiosos (ou não-religiosos) ou políticos como os responsáveis por todos os males. Na Alemanha pré-nazista, elegeram os judeus e os comunistas como alvos; no Brasil contemporâneo, foram eleitos o PT e, para quem presta atenção, “os comunistas”, que os fascistas mais dissimulados preferem chamar de “a esquerda” para não dar muito na cara.
Após a longa digressão, vamos ao novo episódio assustador. Quem fez essa defesa da desigualdade foi o colunista da Folha de São Paulo Hélio Schwartsman. Como, provavelmente, o jornal receberá uma enxurrada de manifestações de espanto e de inconformismo, o mais provável é que esse colunista emule aquele da revista Veja que se escudou em um recurso estilístico de escrever conhecido como “hipérbole” – exageração de uma ideia destinada a conferir-lhe dramaticidade.
O texto de Shwartsman foi publicado sob o título repugnante “Uma defesa da desigualdade”. O conteúdo da coluna até admite que reduzir a escandalosa desigualdade de renda e de oportunidades no país poderia ter alguns efeitos benéficos que o autor daquilo identifica mal. Confira, abaixo, o primeiro parágrafo:
Um pouco mais de igualdade na distribuição de riquezas faria bem a nosso senso de justiça. É bastante provável também que a redução da desigualdade tonasse as sociedades mais funcionais. Um mercado interno robusto e mobilidade social são ingredientes importantes da democracia (…)”.
Alguns dirão que o primeiro parágrafo desmente o título da coluna, mas não desmente. Trata-se de concessão mínima, absolutamente insuficiente a uma ideia estapafúrdia, a de que existiria qualquer mérito na desigualdade. E os parágrafos seguintes tratam de deixar isso bem claro.
O texto de Shwartsman não endossa cem por cento a ideia-força disseminada a partir de seu título como aconteceu com o texto do colunista da revista Veja que pediu “menos escolas, mais prisões”, mas, tanto quanto aquele, tratou de conferir mérito a uma ideia que jamais poderia ser vista como algo além de uma absoluta excrescência.
Ainda assim, o texto de Schwartsman vende a desigualdade de riquezas como sendo útil de alguma forma à humanidade. Ou seja, o resto do texto desmente o primeiro parágrafo e endossa o título. Confira, abaixo, o terceiro parágrafo:
“(…) Os mesmos mecanismos de mercado que promovem a disparidade –eles exigem certo nível de desigualdade estrutural para funcionar– são também os responsáveis pelo mais extraordinário processo de melhora das condições materiais de vida que a humanidade já experimentou (…)”.
Entendeu, leitor? A desigualdade é a responsável pelo “mais extraordinário processo de melhora das condições materiais de vida” da “humanidade”.
É óbvio que a desigualdade não acelerou o progresso tecnológico ou qualquer outro a que essa… pessoa se refere.  Ao contrário, a desigualdade impede que a humanidade avance mais rapidamente, gera convulsão social, gera criminalidade e violência, gera ignorância, doenças e faz com que sociedades praticamente medievais convivam no mesmo planeta com sociedades que obtiveram avanços extraordinários, tanto culturais quanto científicos e tecnológicos.
É indefensável a ideia de qualquer tipo de mérito da desigualdade. É como conceder mérito ao estupro, à pedofilia, ao sadismo, ao egoísmo, à ignorância, à violência e a tudo mais de nefasto que flagela a humanidade.
Mas como chegamos a isso? Como foi que energúmenos como Rodrigo Constantino, da Veja, ou Hélio Schwartsman, da Folha de São Paulo, ou o psicopata que agrediu o frentista haitiano sentirem-se livres para dizer todas essas barbaridades?
Recorro a trecho de entrevista recente do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, concedida recentemente à Rede Brasil Atual. O entrevistador perguntou qual foi o “legado” das manifestações de rua de junho de 2013. Confira, abaixo a resposta.
“(…) Tivemos dois principais legados. Um deles, perverso, pela direita. Foi aí que ela começou a se encorajar para ir às ruas e defender as opiniões que antes tinham vergonha – e que deveriam continuar tendo, porque são posições que beiram o fascismo. Houve um fortalecimento e uma rearticulação do pensamento de direita no Brasil e isso se expressou no período eleitoral do ano passado e sobretudo na manifestação de 15 de março deste ano (…)”
O segundo “legado” visto por Boulos não é importante – ele comemora que, em troca de a direita ter se animado a sair às ruas, dominado o cenário político e eleito o Congresso mais reacionário desde a redemocratização, as passagens de ônibus não subiram vinte centavos. E comemora que mais manifestações de esquerda começaram a ocorrer sem avaliar que as de direita suplantaram exponencialmente as de esquerda, fato inédito no pós-redemocratização.
Boulos é o primeiro dos entusiastas daquele processo nefasto – que cumpre dois anos neste mês de junho – a reconhecer que todo esse horror que estamos vendo se deve àquelas manifestações desmioladas. Esse é um passo positivo da esquerda, pois só entendendo como o país entrou nessa enrascada será possível sair dela e, sobretudo, talvez evitar que essa mesma esquerda volte a cometer erros tão dramáticos.
Mas, acima da tese de Boulos, há uma outra que explica ainda melhor por que a direita perdeu totalmente a vergonha na cara, ao ponto de sair por aí defendendo “menos escolas, mais prisões” ou a chaga secular da desigualdade.
No primeiro domingo de junho, a mesma Folha de São Paulo publicou entrevista da cientista política Marta Arretche, professora Livre-docente do Departamento de Ciência Política da USP e Diretora do Centro de Estudos da Metrópole. Nessa entrevista, ela explica como e por que os ataques furibundos da ultradireita e da ultraesquerda ao PT fizeram o fascismo pôr sua cabeçorra disforme para fora do buraco fétido a que estava confinada.
Marta Arretche acredita que a profunda crise do PT põe em risco a tendência de queda da desigualdade que vinha ocorrendo no país. Para ela, a “ameaça eleitoral da esquerda sempre funcionou como incentivo para que conservadores incluíssem a questão social em suas agendas” e que “Sem a ameaça, que nos últimos 25 anos foi personificada pelo ex-presidente Lula e pelo PT, toda a agenda social está sendo afetada”.
Ou seja: excrescências como a terceirização ou a redução da maioridade penal ou o avanço da homofobia se devem ao fato de que, como o PT e Lula teriam se enfraquecido politicamente, a direita sentiu-se forte para propor todo tipo de perversão política e econômica que acalenta.
Ninguém ousaria dizer que o governo Dilma e o próprio PT não contribuíram com essa situação. Como este blogueiro disse, ao vivo, em reunião recente de blogueiros com o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Edinho Silva, talvez o maior erro do PT tenha sido descuidar de sua base política, sobretudo dos movimentos sociais. Se não o tivesse feito, talvez não tivessem existido as fatídicas “jornadas de junho”.
No entanto, com tudo que está acontecendo no país é impressionante que a esquerda ainda não tenha se unido em um bloco sólido e emergencial destinado a barrar um avanço da ultradireita que, se não for contido, promoverá um desastre social neste país, o que irá desembocar em um agravamento da violência e da criminalidade, em forte concentração de renda e, no limite, em uma virtual ditadura “religiosa” e midiática”.