O Brasil deve ganhar em breve sua primeira usina termelétrica movida a partir da queima de lixo. A tecnologia, empregada em 35 países, chega ao país atrasada na tentativa de resolver graves problemas relacionados à destinação dos resíduos sólidos.
A inédita unidade deve ser instalada em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A prefeitura vai apresentar nesta segunda-feira (6) o edital de licitação do projeto, orçado em cerca R$ 600 milhões, e que terá capacidade de processar até mil toneladas de resíduos para gerar constantes 30 MW – suficientes para abastecer uma cidade com 200 mil habitantes.
A legislação sobre o tema, que vigora desde 2010, proíbe o funcionamento de lixões nas zonas urbanas a partir de 2014 e obriga as cidades a criarem aterros sanitários.
Dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) mostram que o Brasil gera mais de 195 mil toneladas de lixo por dia, sendo que 33 mil toneladas de resíduos vão para lixões.
Apesar da nova lei federal, as grandes regiões não têm espaço para aterrar de forma adequada as toneladas de lixo geradas diariamente.
Para solucionar a questão, o debate para a implantação de térmicas a lixo foi iniciado e começa a ter seus primeiros desdobramentos. A tecnologia, já empregada há décadas na Europa, tem o objetivo de tratar e recuperar energia do lixo orgânico, separar o que for reciclável e queimar o que não pode ser reaproveitado, transformando em luz elétrica.
“Isso resolve parte do problema do lixo e é possível afirmar com segurança de que não há danos à saúde ou ao meio ambiente”, afirmou Aruntho Savastano Neto, gerente da área de programas especiais da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental).
Potencial
A discussão sobre este tipo de empreendimento no país ocorre paralelamente em vários municípios do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, estado mais avançados no debate. “Cidades com população próxima ou acima de 1 milhão de habitantes têm potencial para receber uma usina térmica”, disse Sérgio Guerreiro, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista no assunto.
Segundo a Cetesb, São Bernardo do Campo e Barueri, na Grande São Paulo, receberam licenças provisórias. Santo André discute com a população a instalação de um complexo e São José dos Campos, no interior paulista, abriu para consulta pública o pré-edital do projeto. Existem ainda estudos avançados para a instalação de uma usina no litoral.
Os complexos brasileiros funcionariam com técnicas mistas, ou seja, haveria geração de energia pelo lixo orgânico e pela queima de resíduos contaminados. A implementação seria por meio de uma parceria público-privada.
O lixo orgânico, considerado úmido, passaria por um processo chamado ‘digestão anaeróbica’ (parecido com a compostagem), em que o gás metano liberado na decomposição seria transformado em energia. Para a outra parte, a incineração, seria o destino dos resíduos que não podem ser reciclados.
Polêmica
Entretanto, existe polêmica quanto à emissão de gases gerados a partir da queima dos resíduos. Nos complexos que poderão ser instalados no país haveria um grande aparato de filtros para impedir a liberação do metano (causador do efeito estufa), além de substâncias como as dioxinas, que podem ser cancerígenas.
“Parece uma solução atraente, mas acaba transferindo o problema. Existe uma preocupação com a acomodação e diminuição na reciclagem, já que tudo pode ser queimado. Além disso, há o problema com as emissões. Temos que tomar cuidado com isso”, afirmou Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de energia do Greenpeace.
Para Sérgio Guerreiro, as cidades têm buscado adquirir este tipo de tecnologia, entretanto estão focando em investimentos errados. “Eles querem colocar usinas que tratam o lixo orgânico para gerar energia. Isso não é viável, é um preço absurdo e nenhuma cidade tem dinheiro para pagar por isso”, disse.
Enquanto uma prefeitura, com a de São Bernardo do Campo, paga atualmente R$ 60 para tratar a tonelada de lixo em aterros, na Holanda, por exemplo, o processamento em uma usina térmica chega a custar 90 euros (R$ 207). “No edital vamos escolher a empresa que nos oferece o menor preço para processar o lixo. A nossa previsão é que a partir de janeiro de 2012 as obras sejam iniciadas”, afirmou Alfredo Buso, secretário de Planejamento Urbano de São Bernardo.
Mas para o especialista em térmicas a lixo, há chances de estes projetos não vingarem por aqui. “Existem vários trabalhos sobre o tema no Brasil, mas acredito que esta tecnologia não será adotada. As prefeituras não estão dispostas a pagar mais caro. Elas querem continuar com os processos baratos de hoje. Enquanto o país pensar desta forma, ninguém vai fazer nada”, disse Guerreiro.
Usina de lixo não ficará pronta durante gestão de Marinho
Fábio Munhoz
Do Diário do Grande ABC
Promessa de campanha do prefeito Luiz Marinho (PT), o projeto para a construção de uma usina de incineração de lixo em São Bernardo não sairá do papel durante os oito anos de governo do petista. Inicialmente previsto para ser inaugurado em 2015, o equipamento deverá entrar em operação somente depois de 2017. O segundo mandato do chefe do Executivo termina em 2016. A construção irá demandar investimento de R$ 350 milhões a R$ 450 milhões.
Após evento realizado durante a semana passada na Pinacoteca de São Bernardo, o secretário municipal de Serviços Urbanos, Tarcísio Secoli, admitiu que não há prazo para início das atividades. Entretanto, reconheceu que a construção não deve ser finalizada antes de 2017. Isso porque a Prefeitura depende da aprovação do EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), que foi protocolado na Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) em dezembro do ano passado e ainda está sob análise.
“Depois de liberado, tem 30 meses para a construção. Esse é o prazo contratual, inclusive, que a empresa já tem com os fabricantes. Após a aprovação, tem a licença prévia de instalação, a licença de instalação de fato e, depois, em 27 ou 30 meses, consegue começar a operar. Isso vai dar meados de 2017”, estima Secoli.
Segundo o titular da Pasta, representantes do órgão estadual teriam prometido apresentar o resultado da análise em até quatro meses depois de protocolado o documento – em abril, portanto. “Eu não tenho nenhuma governabilidade sobre a Cetesb. Eles têm lá o ritmo, o ritual e a forma de fazer. E, como é a primeira (do Brasil), eles têm de fazer o estudo de forma muito profunda, com todos os cuidados do mundo”, opina.
Apesar da declaração de Secoli, a assessoria de imprensa da Cetesb diz que não há como definir data para a resposta. “Não temos como estimar o prazo para a conclusão do processo, pois a análise demanda informações de outros órgãos, incluindo a própria Prefeitura de São Bernardo. Todas as condicionantes de ordem técnica e legal estão sendo consideradas para a avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento”, informa a nota enviada pela companhia.
O contrato, no valor de R$ 4,3 bilhões, foi assinado em 2012 entre a administração municipal e o consórcio SBC Valorização de Resíduos (composto pelas empresas Revita e Lara). Além da construção da usina, o grupo também é responsável pelo serviço de limpeza pública da cidade, como varrição de ruas e coleta seletiva.
De acordo com o projeto, a usina terá capacidade para incinerar cerca de 720 toneladas diárias de resíduos, o equivalente a toda a produção atual de lixo no município, que, hoje, é enviado para aterro particular em Mauá. O processo irá resultar na geração de 17 megawatts/hora de energia, o suficiente para toda a iluminação pública da cidade. O equipamento funcionará ao lado do antigo Lixão do Alvarenga, na Estrada dos Alvarenga.
Advogado fala em falta de interesse
Especialista em Direito Ambiental, o advogado Eduardo Papamanoli Ribeiro, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas, avalia que falta interesse por parte da Prefeitura de São Bernardo para agilizar o processo de liberação do empreendimento da usina de incineração de lixo. “O poder público, e mesmo um munícipe qualquer, pode e deve ingressar com mandados de segurança na Justiça para acelerar o processo. Aí o juiz determina o prazo que considera razoável, e normalmente não passa de 120 dias”, comenta.
Apesar de criticar a Prefeitura, Ribeiro avalia que o tempo já decorrido desde a apresentação do EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) à Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), em dezembro do ano passado, é muito extenso. “Um ano passa de qualquer limite de razoável. Mas há uma pluralidade de leis protetivas ao meio ambiente que a Cetesb tem que se resguardar na análise do licenciamento”, comenta.
Para o professor Bruno Garré, do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Metodista, a incineração dos resíduos é a melhor opção atual para destinação do lixo. “Seguindo critérios técnicos para controle da emissão de gases, é mais interessante. Inclusive, para uma eventual desativação futura, é mais fácil, pois, teoricamente, não deixa contaminantes no solo”, avalia.