Quando Lula deixou o governo, a relação dívida/PIB estava em 51,8%. Quando encerrou o primeiro mandato de Dilma, passou para 58,9%. Subiu 7,1 pontos. A nova equipe econômica conseguiu a “façanha” de em apenas cinco meses elevá-la para 62,5% subindo 3,6 pontos!
Enquanto isso, o que domina o debate fiscal é se o governo vai conseguir atingir a meta de 1,1% do PIB. Isso é enganoso, pois o que está gerando essa rápida deterioração é a forte subida das despesas com juros, fruto da política de manutenção da elevada Selic, que não para de subir.
Infelizmente, o governo é refém da armadilha de querer controlar a inflação mediante Selic elevada. Isso causa despesa com juros que, nos últimos 12 meses até maio, atingiu R$ 409 bilhões (7,2% do PIB) causando um déficit fiscal de R$ 447 bilhões (7,9% do PIB), recorde histórico. Assim, os juros foram responsáveis por 91,5% (!) do rombo fiscal. E o déficit primário por apenas 8,5%.
Diante dessa evolução, a ameaça de rebaixamento na classificação de risco cresce. Dois erros estão sendo cometidos pelo governo: a) subestimar o dano causado às finanças públicas pela recessão que derruba a arrecadação da União, dos Estados e dos municípios e; b) sancionar o efeito devastador da ascensão dos juros.
O governo, ao acreditar que algum represamento de suas despesas aliado a um aumento de tributos pode levar a algum resultado, só vai agravar o déficit fiscal.
Vale observar, como destaco em artigos anteriores, que o governo federal é responsável por apenas 36% da despesa não financeira do setor público, pois 64% dela é da competência dos Estados e municípios, que dispõem de autonomia para efetuá-la. Além do mais, existe um verdadeiro cipoal burocrático que engessa cerca de 90% da despesa do governo federal e os 10% que restam tem sua maior parte constituída por investimentos.
Se quiser escapar do rebaixamento, é necessário estancar de imediato a subida da relação dívida/PIB. Isso só é possível se: a) substituir a emissão de títulos da dívida por emissão monetária como fazem desde a crise de 2008 os principais países atingidos por ela com destaque para os Estados Unidos, Europa e Japão; b) vender US$ 100 bilhões das reservas internacionais, o que abate R$ 320 bilhões da dívida bruta de R$ 3.539 bilhões (final de maio), ou seja, 9% da dívida; c) implementar políticas com foco no crescimento econômico para elevação do PIB e da arrecadação pública e; d) cumprir rigorosamente o artigo 9.º da Lei de Responsabilidade Fiscal, que prevê que no caso de frustração de receita haja redução equivalente de despesa para efeito de compensação.
Base monetária. Os déficits fiscais devem ser compensados com emissão de moeda e não de títulos da dívida. Há sempre o receio de que a ampliação da base monetária vá levar necessariamente à elevação da inflação e esse argumento é o que sempre prevaleceu na política econômica há décadas. Vários países ampliaram sua base monetária sem impacto algum na inflação a partir da crise de 2008. Assim o fizeram para desvalorizar sua moeda visando estimular a exportação de suas empresas. A base monetária desses países se situa normalmente acima de 50% do PIB. A nossa nunca passou de 5,5% do PIB e está em 4,2% do PIB atualmente. É mais um freio imposto pelo Banco Central à atividade econômica.
Reservas internacionais. As reservas têm alto custo de carregamento. Foram constituídas mediante compra de dólares com a venda de títulos da dívida. Essas reservas são aplicadas fundamentalmente em títulos do Tesouro americano que rendem cerca de 2% ao ano e custam cerca de 14% ao ano ao Tesouro. A diferença de 12 pontos aplicada sobre o volume de reservas de US$ 373 bilhões dá US$ 45 bilhões ou R$ 143 bilhões ao ano, que é o custo do carregamento dessas reservas. O elevado nível existente das reservas é justificado pelos seus defensores para proteger o País de especulação contra o real. Vale lembrar, no entanto, que no ápice da crise de 2008 as reservas estavam em US$ 200 bilhões. Caso sejam vendidos US$ 100 bilhões ainda sobrariam US$ 277 bilhões, 40% acima do nível da crise.
Crescimento. É com crescimento que se geram os empregos, lucros para as empresas e arrecadação ao governo. Várias são as ações que podem contribuir para retomar o crescimento: a) reduzir a tributação sobre o consumo, compensando parcialmente essa redução com a elevação da tributação sobre a renda de pessoas físicas e do patrimônio (herança e riqueza). Metade da carga tributária é devida ao consumo, o dobro da praticada pelos países desenvolvidos. Isso eleva em cerca de 40% o nível de preços da economia, reduzindo o poder aquisitivo da população e a competitividade das empresas; b) ampliar políticas de renda que resultam em maiores compras das camadas de menor renda, estimulando o comércio e a produção; c) reduzir as taxas de juros básica e ao tomador com reflexos favoráveis à oferta e ao consumo; d) deixar o câmbio flutuar.
Caso o Banco Central deixe o câmbio flutuar, este tenderia a superar R$ 4,00 por dólar, o que reduziria de imediato as importações e no médio prazo é poderoso estimulador das exportações. O câmbio fora de lugar subtrai cerca de um ponto porcentual da evolução do PIB. Esse é um dos caminhos de maior impacto para elevar a produção e o crescimento econômico.
Equilíbrio fiscal. O objetivo a ser perseguido na política fiscal é o equilíbrio entre receitas e despesas. Isso é claro na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pelos seus artigos 1.º e 9.º.
O artigo 1.º estabelece: “A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas...”.
Equilíbrio fiscal significa em termos simples gastar o que se arrecada, ou seja, déficit zero. É bem diferente de superávit primário, que é apenas um componente da gestão fiscal e que desconsidera os juros como despesa.
O artigo 9.º estabelece: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
Esse artigo obriga a segurar a despesa caso a receita não alcance a previsão orçamentária. No entanto, essa obrigação é descumprida pela União e a maioria dos Estados e municípios e os tribunais de contas não acompanham isso. Caso fosse seguido este dispositivo, as correções são antecipadas e se evitam pedaladas e outras artimanhas fiscais.
As propostas aqui apresentadas de reversão da relação dívida/PIB podem ser implementadas de imediato e independem de aprovação do Congresso. Vale enfrentar esse desafio fiscal.