quarta-feira, 1 de julho de 2015

Regressões constitucionais? Por Oscar Vilhena Vieira

 
Por Oscar Vilhena Vieira 
 
Três décadas de democracia provocaram uma silenciosa mudança na forma como os jovens querem ser tratados
 
 
A "Campanha das Diretas" deu início a um robusto ciclo de democratização da sociedade brasileira, que culminou com a adoção da Constituição de 1988. Fruto de uma ampla participação das forças que concorreram para pôr fim ao regime autoritário, e sob a liderança de Ulisses Guimarães e Mario Covas, concebeu-se um pacto social generoso, que reconheceu um vasto conjunto de direitos.
 
Nesses últimos 27 anos, as aspirações constitucionais pautaram, com mais ou menos sucesso, boa parte das políticas sociais brasileiras. Da demarcação das terras indígenas, passando pela universalização do ensino fundamental e do sistema de saúde, aos programas de assistência social, houve inegáveis avanços.
 
A Constituição tem contribuído ainda para a paulatina desestabilização das tradicionais formas de hierarquização que estruturaram nossa sociedade ao longo da história.
 
Seus dispositivos favoreceram a aprovação de medidas importantes, como a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a lei do trabalho doméstico, assim como a institucionalização de várias formas de ação afirmativa e o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo.
 
Ainda que esse ciclo democratizante não tenha se realizado de maneira mais efetiva, o simples reconhecimento de direitos de negros, mulheres, crianças e gays tem gerado fortes resistências por parte dos setores mais conservadores da sociedade.
 
A derrota, por referendo, da proibição de comercialização de armas de fogo, em 2005, e a aprovação do Código Florestal, em 2012, foram apenas um preâmbulo dessa reação.
 
A redução da maioridade penal, o Estatuto do Nascituro e o da Família, assim como a PEC 215, que dificulta novas demarcações de terras indígenas, são promessas dessa mesma reação.
 
A "débâcle" política e econômica vem abrindo espaço para uma arriscada desconstrução do projeto constitucional. Paradoxalmente, esse desmonte tem recebido consistente apoio de uma nova bancada do PSDB, circunstancialmente sob a batuta, de fato, de Eduardo Cunha.
 
Importante destacar que a irresponsável derrubada do fator previdenciário também contribuirá para fragilizar ainda mais o incipiente Estado de bem-estar social estruturado pela Constituição.
 
É jogo jogado. Em uma sociedade democrática, as maiorias são movediças e têm o direito de redefinir decisões tomadas no passado. Há, porém, dois obstáculos no caminho da nova maioria.
 
O primeiro deles é de natureza institucional. Numa democracia constitucional, nem tudo o que uma maioria circunstancial quer ela pode. Em especial, ela não pode colocar em risco as próprias regras que habilitam a continuidade do jogo democrático. Está proibida também de usar sua força para destituir certos direitos, em especial direitos de grupos minoritários e discriminados. Caso esses limites sejam ultrapassados, caberá ao Supremo a difícil missão de exercer o papel de instância contramajoritária.
 
Há, por fim, um obstáculo de natureza geracional. Três décadas de democracia provocaram uma silenciosa transformação na forma como os jovens brasileiros esperam ser tratados. Regressões não serão bem-vindas.
 

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