quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Presidente da comissão de violência da Fmusp deixa cargo

Paulo Saldiva tomou a decisão após ouvir os relatos de estudantes sobre estupro, homofobia e machismo em festas da instituição

Hélvio Romero/Estadão
Após ouvir as denúncias das alunas, Paulo Saldiva, presidente da comissão de violência da Faculdade de Medicina deixou o cargo e disse que a universidade está "doente"
SÃO PAULO - O professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp) Paulo Saldiva deixou o cargo na instituição nesta semana. Presidente da comissão que investigava denúncias de violência na universidade, Saldiva tomou a decisão após ouvir os relatos de alunos sobre  estupro, homofobia e machismo em festas da instituição, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) nesta terça-feira, 11. 
"A falta de uma ação construtiva e pró-ativa da parte de todos nós, professores, fez com que os alunos da Fmusp fossem submetidos a situações inaceitáveis", afirmou pelo Facebook o professor, que era titular do departamento de patologia há quase 20 anos. Nesta semana, duas alunasrelataram terem sido estupradas em festas de alunos da Fmusp. Outros estudantes também afirmaram terem sido vítimas de homofobia e até racismo. O Ministério Público Estadual (MPE) investiga o caso há dois meses. No inquérito, são mencionados oito casos de estupro. 
VIOLÊNCIA NA USP
Márcio Fernandes/Estadão
Audiência pública foi feita na Alesp para denunciar casos de violência sexual na Faculdade de Medicina da USP e a existência de uma "cultura machista" nos trotes praticados contra calouros
Em entrevista à Rádio Estadão, Saldiva disse que a saída foi resultado de "um processo de longa reflexão de alguns anos" e que saíu da Fmusp com licença prêmio para desenvolver alguns projetos. "Fiquei surpreso. Os fatos que apareceram são absolutamente desconhecidos. Eu conhecia um lado (da Fmusp)que era muito mais prazeroso. Alunos brilhantes, atividade de cursinho para gente carente, atividades especiais na periferia com vários alunos", afirmou o professor.
Segundo o docente, os trabalhos da comissão de violência estão finalizados. Na quarta-feira, 12, a Fmusp anunciou a criação de um centro de defesa dos direitos humanos. "Temos de reforçar os conteúdos de respeito à dignidade humana. Vamos ter que nos transformar em um centro de referência para as outras unidades da USP". Para o professor, a Fmusp está "doente". "Assim como a gente adquire novos hábitos quando adoece, a faculdade está doente. Está precisando de ajuda. E os professores têm que atribuir a eles mesmos esta tarefa. É uma cultura institucional que precisa ser modificada".
Ouça a entrevista de Saldiva à Rádio Estadão:

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Pontífice defendeu que a pobreza está no centro do Evangelho; o comunismo teria se apropriado dessa bandeira no século XX, NO ig

Reuters
O papa Francisco, cujas críticas ao capitalismo desenfreado levaram alguns a rotulá-lo como marxista, disse em uma entrevista publicada neste domingo (29) que comunistas tinham roubado a bandeira do cristianismo.
O pontífice, de 77 anos, deu uma entrevista ao Il Messaggero, um jornal de Roma, para marcar a festa de São Pedro e São Paulo, um feriado na cidade.
Ele foi questionado sobre um post no blog da revista Economist que dizia que ele soava como um leninista quando criticou o capitalismo e pediu uma reforma econômica radical.
"Eu só posso dizer que os comunistas têm roubado a nossa bandeira. A bandeira dos pobres é cristã. A pobreza está no centro de o Evangelho", disse ele, citando passagens bíblicas sobre a necessidade de ajudar os pobres, os doentes e os necessitados.
"Os comunistas dizem que tudo isso é comunismo. Claro, vinte séculos mais tarde. Então, quando eles falam, pode-se dizer: 'mas então você é cristão'", disse ele, rindo.
Desde sua eleição, em março de 2013, Francisco tem frequentemente atacado o sistema econômico global como sendo insensível aos pobres e não fazer o suficiente para compartilhar a riqueza com aqueles que mais precisam.
No início deste mês, ele criticou a riqueza feita a partir de especulação financeira como intolerável e disse que a especulação com commodities era um escândalo que comprometeu o acesso dos pobres aos alimentos.
    Leia tudo sobre: MUNDO • PAPA • COMUNISTAS • CRISTAOS

    pa Paulo VI foi beatificado no Vaticano neste domingo

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    O papa Paulo VI foi beatificado neste domingo (19) no Vaticano,  como parte da cerimônia que encerrou a 3ª Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, cujo tema foi o papel da família. Paulo VI foi o 13º pontífice beatificado pela Igreja Católica.
     
    O processo de beatificação, iniciado em 11 de maio de 1993, foi aprovado em 10 de maio pelo papa Francisco, cinco dias depois de os cardeais e bispos da Congregação para a Causa dos Santos considerarem válido um milagre atribuído a Paulo VI. No começo da década de 1990, a cura de um feto diagnosticado com graves problemas cerebrais na Califórnia, Estados Unidos, foi atribuída a Paulo VI. À época, a mãe se recusou a abortar e a criança acabou nascendo saudável.
     
    Na sua intervenção, o papa Francisco destacou Paulo VI como um homem que conduziu a Igreja com sabedoria e visão de futuro. "Paulo VI, em um momento em que estava surgindo uma sociedade secularizada e hostil, soube conduzir [a Igreja] com sabedoria e visão de futuro", ressaltou, durante a homilia da beatificação.
     
    O papa lembrou ainda como Paulo VI definiu o sínodo, uma forma de "adaptar os métodos de apostolado às múltiplas necessidades do tempo e das condições da sociedade".  Ainda segundo Francisco, "Paulo VI soube de verdade dar a Deus o que era de Deus, dedicando toda a sua vida à tarefa de dar continuidade à missão de Cristo na Terra".
     
    Giovanni Montini, que escolheu o nome de Paulo para mostrar a sua missão de propagação da mensagem de Cristo, tornou-se papa em 21 de junho de 1963, tendo sido o primeiro líder da Igreja Católica a viajar pelos cinco continentes e o primeiro a conversar com o líder da Igreja Anglicana e com os dirigentes das diversas igrejas ortodoxas orientais. Ele morreu em 6 de agosto de 1978.
     
    Na cerimônia deste domingo, além de Francisco, esteve presente o papa emérito Bento XVI, que em dezembro do ano passado autorizou a avaliação da Congregação para a Causa dos Santos em relação à ”heroicidade das virtudes” do pontífice que o designou cardeal, no final dos anos 1970.
     

    segunda-feira, 17 de novembro de 2014

    'A solução para a crise hídrica no país passa pela iniciativa privada' (não lido)

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    Responsável pela implementação da Agência Nacional de Águas (ANA), o engenheiro Jerson Kelman, hoje na UFRJ, defende as Parcerias Público-Privadas para ampliar a segurança hídrica no país


    Nicola Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.breOctávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

    Com passagens pelo comando da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o engenheiro Jerson Kelman defende o modelo de Parcerias Público-Privadas para ampliar a segurança hídrica no país. Segundo ele, investimentos em saneamento e novas fontes de captação de água serão mais eficientes se forem contratados como prestação de serviços, e não como obras públicas. “Esse conceito de contratação pelo resultado, e não pela obra, é um salto qualitativo”, afirma. Para Kelman, que também passou pela presidência da Light, o poder público está amarrado pelo “excessivo” sistema de controle, pelo lobby das empreiteiras e por circunstâncias políticas, responsáveis pela falta de transparência sobre a dimensão das crises de água e de energia no período pré-eleitoral.
    “Faltou, em São Paulo, dizer claramente à população que a situação era grave. Mas isso vale também para o governo federal na energia”, comenta o especialista (hoje de volta à Coppe/UFRJ), que não acredita, porém, em um cenário de desabastecimento. “A minha visão é de que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte”, afirma, defendendo a posição de São Paulo na briga pela captação de água do Rio Paraíba do Sul. Responsável pelo relatório que identificou as causas do racionamento de 2001, que levou seu nome, Kelman diz que o diagnóstico da crise energética atual é o mesmo da época: falta de garantias físicas das hidrelétricas.
    O que nos trouxe a esse cenário de crise hídrica?
    A hidrologia este ano, de fato, ali na região do Piracicaba, que abastece o Sistema Cantareira, não é só a pior da história, é disparada a pior da história. Nenhum hidrólogo poderia imaginar que isso pudesse acontecer. Se a afluência média no verão é 100, o pior ano histórico até então era metade disso. E este ano é metade da metade. É metade do pior. No São Francisco é também a pior do histórico. Não é uma seca trivial, é barra pesada.
    É uma situação que costumava acontecer apenas no Nordeste... 
    São Paulo, em condições normais, já tem baixa disponibilidade de recursos hídricos, porque fica na cabeceira dos rios. Se dividir a disponibilidade hídrica pela população, o Nordeste terá uma taxa maior, porque a população de São Paulo é brutal, 20 milhões de habitantes. Por isso, São Paulo já depende, há muito tempo, de água das bacias vizinhas. E este ano teve uma seca tão intensa, que toda a análise hidrológica anterior terá que ser refeita, ninguém imaginava a possibilidade de ter tão pouca chuva. Quer dizer, São Paulo sempre esteve mais inseguro do que imaginávamos, porque nós não sabíamos que poderia acontecer um ano tão seco.
    E como ampliar a segurança hídrica?
    São Paulo já tinha feito um plano de macro metrópole, procurando fontes de abastecimento de água, porque não tem outra fonte local. E não tem também porque a água é muito poluída. Se o esgoto estivesse sendo coletado e tratado, os rios Pinheiros e Tietê seriam fontes de abastecimento. Então, antes mesmo da crise, ficou pronto um plano sobre onde buscar água para São Paulo. Mas aquilo era para ser visto a longo ou médio prazo, hoje é urgente, porque São Paulo não pode mais viver sem reforço. E aí há três possíveis locais. Uma possibilidade é tirar água do Alto Paraíba do Sul, mais especificamente da Represa de Jaguari. O problema é que se tirar dali, a água deixa de correr para cidades paulistas como São José dos Campos, Taubaté, e depois para as cidades fluminenses até Campos. E para complicar mais, em 1950, foi feita a transposição do Paraíba do Sul para o Guandu.
    Mas o Rio quer impedir a retirada, alegando que pode faltar água aos cariocas...

    Hoje, em uma situação crítica, a Cedae está retirando 110 metros cúbicos por segundo do Paraíba do Sul. Mas só usa 50. Abaixo do Guandu, tem umas indústrias, que tiram outros 10, mais ou menos. O Alckmin quer tirar cinco e diz que só vai afetar produção de energia. E ele tem razão. Somando a Cedae e as indústrias, mais uma projeção de crescimento, a demanda máxima no futuro seriam uns 80 metros cúbicos por segundo. Se está passando hoje 110, no mínimo sobram uns 30. O que falta dizer é que, vergonhosamente, o Rio Guandu recebe dejetos de pequenos rios que cortam a Baixada Fluminense. Então, os 110 metros cúbicos por segundo são usados para diluir a carga de poluição. Nos anos 80, fizemos um projetinho simples de desviar essa água poluída para depois da captação. A obra nunca foi feita.
    Qual o investimento?
    É de R$ 75 milhões. Não é nada. E até a Cedae economizaria. Mas ainda tem outro problema. Se reduzir a vazão do Guandu, lá perto de Sepetiba, o mar invade um pouco mais e tem uma intrusão salina no local de captação dessas indústrias. Esse é um problema de facílima solução, é só mudar a tomada de água das indústrias e trazer por uma tubulação. Resumindo, a ideia de captar água do Paraíba do Sul é perfeitamente exequível. Não há porque ter guerra d’água, desde que se faça o dever de casa no Guandu e no Paraíba do Sul. No fundo, é investimento em saneamento. Se tratar da qualidade da água, sobra quantidade.
    Cinco metros cúbicos por segundo resolvem o problema de São Paulo?
    Melhora muito, porque, com cinco metros cúbicos por segundo, São Paulo volta a ter a confiabilidade que imaginávamos ter. E pode tirar até mais. São Paulo vai crescer e não pode ficar fazendo obrinha. Mas, enquanto isso for visto como uma obra pública, vamos cair nessas armadilhas relacionadas à origem do dinheiro, e se o Estado do Rio deixa ou não deixa. Uma alternativa seria fazer desse problema uma oportunidade para uma PPP (Parceria Público-Privada). Em vez de obra pública, com dinheiro do PAC, imagine fazer uma licitação para colocar água no Cantareira, vencendo quem oferecer o menor preço por metro cúbico. Essa empresa privada teria que fazer todas as obras necessárias para viabilizar a captação, não só a adutora: resolveria o problema da poluição no Guandu e faria a nova captação de água para as indústrias. Seria uma solução em que ninguém perde. Quem oferecer o melhor preço, leva um contrato para vender água por 30 anos.
    A legislação tem instrumentos para permitir isso?
    Tem, é uma PPP. Esse modelo se ajusta a quase todas as obras do PAC. Algumas já são assim, como o Minha Casa Minha Vida, por exemplo. O governo paga pelo resultado, não fica pagando por ferro, tijolo. Quando eu estava na ANA, fiz um projeto piloto disso, para a construção de estações de tratamento de esgoto. É normal, no saneamento, ter dinheiro público, porque o beneficiário é o cidadão, e não o consumidor — é a comunidade. No mundo inteiro tem subsídio para saneamento. Ou faz uma obra pública, que é o que se fez aqui sempre, mas não funciona, porque toda a ênfase está na obra; ou se cria um modelo de PPP. O que se fez na ANA foi garantir o recebível. Quer dizer, não quero saber da tecnologia, qual o seu projeto. Quero saber quanto esgoto chega na estação e quanto é tratado. Se trata no padrão combinado, recebe o valor por metro cúbico. Então, o cara não tem risco. E tudo que ele tem que fazer é demonstrar que é capaz de coletar e tratar o esgoto. Esse conceito de pagamento pelo resultado, e não pela obra, é um salto qualitativo.
    E as outras alternativas?

    Uma é tirar água ao Sul, do Rio Juquiá, que tem várias usinas hidrelétricas. É uma obra cara, porque é longe, e o Juquiá está mais baixo que São Paulo, teria que subir uns 300 metros. Nessa alternativa também pode ser uma PPP, mas como o bombeamento é muito grande, o esquema devia ser um backup: continua tirando água do Sistema Cantareira e, em uma situação parecida com 2014, bombeia a água para lá. Nesse caso, teria que desligar as hidrelétricas, que são da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim), e cuja concessão vence em 2016. Pode ser fazer uma nova licitação prevendo a parada das usinas nos anos críticos. E a terceira fonte é mais longínqua, é lá no Paranapanema, na divisa com o Paraná, na Represa Jurumirim, a 200 km da região metropolitana. Mas tem a vantagem de resolver uma série de problemas de abastecimento de cidades pelo caminho.
    Qual a melhor alternativa?
    Acho que o Paraíba do Sul, que custa uns R$ 500 milhões. Mas, pode ser que tirar da Votorantim seja melhor. O problema é que os projetistas sempre imaginaram obras públicas, com as restrições políticas que existem. Quer dizer, já foi uma ousadia imaginar tirar 5 m³ por segundo do Paraíba do Sul porque o Rio ia chiar. É um falso problema, que só existe porque não se resolveu o saneamento. Se resolver, o problema não existe. A minha visão é que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte.
    São Paulo e Rio têm perdas enormes nas redes de água. Como resolver isso?
    As duas empresas são estatais e a regulação e a fiscalização são muito mais tênues quando se trata de estatais. A Aneel, por exemplo, tem centenas de empresas para fiscalizar, o poder de fiscalização dela é bem maior. Em São Paulo, é uma agência para fiscalizar um monstro que é a Sabesp. E no Rio de Janeiro, a agência não tem nenhum peso, é para inglês ver. No médio prazo, precisamos fazer duas coisas diferentes. A primeira é investir em saneamento. Se compararmos os índices de saneamento básico brasileiro com países análogos, vemos que estamos atrasados. Enquanto 99,3% das casas têm energia elétrica, apenas 60% têm conexões e redes de tratamento de esgoto. E, em tratamento, é pior ainda. E temos que investir também em perdas. A Cedae trata 47 m³ por segundo, mas fatura muito menos do que isso. Deve faturar 60% disso. E essa diferença tem duas origens: uma é vazamento físico, outra são as perdas comerciais. É gato, água roubada, não medida... Tem que trabalhar nas duas frentes. Mas isso tudo são programas de décadas que não deveriam ser feitos com obras públicas, e sim no modelo PPP.
    O fato de as empresas de saneamento serem estatais é um obstáculo?
    Não. O problema é que o motor que move o saneamento é o lobby da construção civil; não é o lobby da operação do sistema. Quem está no Congresso fazendo emenda ao orçamento está preocupado em construir, em inaugurar obra. Aí, depois de dois anos, se a obra estiver funcionando ou não, não tem problema. Temos um sistema perverso, porque o lobby é para construção, para maximização do custo, para inauguração e para o não funcionamento. Quando ouço na campanha política o cara dizer “Gastei tanto, vou gastar tanto”, penso: e daí? Não interessa quanto gasta; interessa é quando ficará pronto, se funciona ou não. E o segredo disso é a PPP, botar a iniciativa privada na história.
    No curto prazo, o Brasil corre risco de desabastecimento?
    Nenhuma das obras sobre as quais falamos é para 2015. Olhando para trás, o governo fez a melhor política em relação à água? Claro que não. Porque era ano eleitoral. Não teve transparência, não teve a franqueza com a população que teve, por exemplo, o governo Fernando Henrique Cardoso em 2001. Lá, o governo disse que havia um problema grave. Fui coordenador de uma comissão em 2001 para explicar porque tinha havido o racionamento. Foi feito um relatório, que o setor elétrico chamou de relatório Kelman, que concluía que houve problema de governança. Eu fui entregar o relatório ao presidente e disse que, infelizmente, o governo não saía bem na fotografia. Mas o presidente determinou que comunicássemos à população que a situação era grave e que precisávamos adotar medidas. Uma coisa o governo de São Paulo fez: bônus para quem economizar. Mas não basta, quem usa mais água tem que levar uma pancada. Cerca de 50% da população de São Paulo diminuiu o consumo, cerca de um quarto ficou na mesma e um quarto aumentou. São os espertos. Esse pessoal tem comportamento antissocial e precisa ser penalizado. No racionamento em 2001, quem consumia mais do que a meta pagava uma multa. Em São Paulo, só teve a cenoura, não teve o tacape. Faltou também dizer claramente à população que a situação estava grave. Mas isso vale para o governo federal também na energia. Foi uma infelicidade que 2014 fosse um ano eleitoral, porque não se aplicou a mesma transparência, a mesma clareza de informações que tivemos em 2001. O Alckmin deve ter tido suas razões, porque em 2002 quem ganhou as eleições foi o Lula, e não o Serra. Esse deve ter sido o raciocínio dele. Mas sob o ponto de vista de governo, de interesse público, a atuação não foi a melhor, desperdiçou-se água e os reservatórios estão mais vazios do que deveriam.
    Essa atitude ampliou o risco?
    A população olha os últimos seis meses e, baseada na experiência de não ter chovido nada, entra em pânico achando que não vai chover nos próximos seis meses. É errado. As pessoas não se lembram que as chuvas são muito sazonais, elas caem no verão. Então, não tem dúvida de que vai chover no verão, e não tem dúvida de que os reservatórios vão se recuperar no verão. A dúvida é se vai chover o suficiente. Se chover a média, os reservatórios da Cantareira vão chegar em abril, no final da estação chuvosa, com 25%. O que está longe do estoque confortável, que é de 65%. Se chegarem a 65%, estamos com a vida ganha. Mas não vão chegar. O mais provável é que saiam do negativo, recuperem um pouquinho, mas de forma insuficiente para dar conforto em 2015. E tem, claro, um cenário péssimo, que não encha nada, e aí é uma tragédia, pode ter caos em São Paulo. Mas é pouco provável. Os dois extremos são improváveis. Então, 2015 será parecido com 2014. Não é o caos, mas as pessoas vão sofrer, como hoje. 
    Não seria melhor fazer um racionamento compulsório?
    Em energia elétrica é possível fazer, já foi feito no Rio nos anos 50, porque pode programar e ter baterias nos hospitais, pode de alguma forma se organizar. Em água, é um pouco mais complicado. Porque as tubulações estão sempre sob pressão e vazando água para o terreno. Quando esvazia o tubo, o terreno está encharcado de água poluída que passa a entrar pelos buracos da tubulação. Então, tem um risco de saúde pública. Têm razão aqueles que dizem para ter cuidado com racionamento. Então o prognóstico para 2015 é preocupante. A obra que está aí na pauta, de uso de água do Paraíba do Sul, já deveria estar sendo feita em regime emergencial, o mais rápido possível. Mas o Brasil caiu em uma armadilha de excesso de controle. A cada novo escândalo, a tendência da população é clamar por mais controle. No setor público, o mecanismo de controle de corrupção, de mau gasto, não tem a medida de eficiência, de qual é o custo do controle versus o custo de eficiência. A não ser na Receita Federal, que é um exemplo positivo. Então, o que tem acontecido é cada vez mais controle, mais burocracia. Na tentativa de inibir o comportamento deletério dos desonestos ou incompetentes, cria-se um monte de regras que restringe a capacidade de operar do honesto e do capaz. Na realidade, todo o incentivo para a administração pública é para não fazer nada. Se não fizer nada, não corre o risco.
    A crise energética é grave?
    Não falta energia. O que acontece é que a energia está muito cara. Eu fiz uma conta grosseira: de acordo com o TCU, consumidores e contribuintes pagaram extraordinariamente, ou seja, a mais do que seria normal, R$ 60 bilhões nos últimos anos, por conta da hidrologia desfavorável. Para onde foi esse dinheiro externo ao setor elétrico brasileiro? Pagar combustível, porque nós tivemos que ligar as térmicas. Quanto se pagou? R$ 50 bilhões. Então, R$ 10 bilhões foi dinheiro que mudou de bolso dentro do setor elétrico. Geradora que estava com excesso de energia e ganhou bastante dinheiro, por exemplo. De fato, isso não é muito salutar. Em dois anos, um volume tão grande de dinheiro mudar de mãos é porque alguma coisa entre as regras está mal. Mas o fundamental é que R$ 50 bilhões de gasto com térmicas é demais.
    Qual o diagnóstico?
    A PSR (consultoria especializada), desde 2010, descobriu o que ela chama de fator de ficção. 2013 não foi um ano de hidrologia muito ruim. Pelo contrário, essa energia afluente no sistema, que neste ano está em 80%, foi de 98% em 2013. Foi um ano na média. No entanto, os reservatórios chegaram ao final do ano vazios. Em 2013, foram ligadas todas as térmicas, foi um ano de hidrologia normal e os reservatórios chegaram vazios. A que atribuir isso? A primeira coisa é atraso. O setor conta com a entrada de um monte de usinas e esse cronograma, sistematicamente, atrasa. E muito mais do que atribuir ao Ibama, à Funai, é atribuir às sentenças judiciais tomadas sem que o juiz tenha uma percepção das consequências — na economia, em nossa competitividade, no nível de emprego, no preço da energia.
    Como resolver esse problema?

    Com planejamento. No Brasil, estamos aprovando, ou desaprovando, empreendimentos individualmente. A análise dos empreendimentos é assim: “Devo construir a usina X, seja hidrelétrica termelétrica ou solar?”. Faz-se uma audiência pública. Quem vai à audiência são os que serão prejudicados localmente, um legítimo direito, e alguns que têm ideologia contrária. Agora, os beneficiários de uma resposta positiva somos todos nós espalhados pelo Brasil inteiro, que não vamos à audiência pública, nem sabemos que existe isso. Hoje, sou favorável a uma discussão política sobre a matriz elétrica que precisamos. O planejamento do país tem que sair de uma esfera puramente tecnocrata para uma esfera política, em que se faça um pacto sobre qual matriz precisamos. Isso foi feito, por exemplo, no trabalho Plataformas dos Cenários Energéticos, realizado por uma ONG, que chamou o Greenpeace, a Coppe, o pessoal de carvão e o ITA. O Greenpeace disse que queria tudo solar. É possível? É. Agora, vai precisar de bateria, porque de noite não tem sol. A energia vai custar tanto, e aí o Brasil não fica competitivo. É isso mesmo? Quem quer o Brasil competitivo ou não gosta de bateria vai se opor. Ou seja, muda de patamar a discussão, em vez de ser “não, não, não”.
    Como se daria essa discussão no âmbito político?

    Poderia ser no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética. Uma discussão da matriz elétrica que passasse a ser mandatória para os órgãos. Em vez de Ibama, ICMBio, Funai examinarem item a item, você reúne o presidente desses órgãos com o ministro de Minas e Energia para chegar a um acordo sobre uma lista de empreendimentos que atenda às necessidades do país. Não será uma lista ótima do ponto de vista ambiental, econômico, energético ou social, mas será uma lista possível. Hoje, temos uma Torre de Babel.
    Que nos trouxe a essa situação...
    Além dos atrasos nas obras, há uma questão técnica. As decisões tomadas no setor elétrico seguem modelos matemáticos e de otimização muito sofisticados. Mas como qualquer modelo, os dados de entrada têm de estar corretos. Percebeu-se que temos garantia física de usinas que não condiz à realidade. A PSR percebeu uma divergência entre o mundo real e o que o modelo está vendo. No real, está se usando mais água para se produzir energia do que o modelo imaginava. E aí tem uma série de hipóteses que ninguém sabe ao certo o que é. A primeira é uma mudança do regime hidrológico. Outra hipótese é que a relação entre a quantidade de água que passa na turbina e a quantidade de energia produzida esteja errada. Além disso, os reservatórios são como se fossem bacias e, depois de 30 anos que aquilo foi alagado, já mudou completamente a topografia, com o acúmulo de sedimentos no fundo.
    Temos um estoque de energia menor do que imaginamos?
    Isso. É tão importante conhecer a real capacidade que eu até prefiro que se faça uma anistia: “Olha meus amigos, me contem a verdade, e eu não vou lhes punir”. Uma espécie de delação premiada. Permitiria fazer uma energia de reserva maior.
    E as perspectivas para 2015?
    Acho que a energia vai continuar cara. Vai ter um grande salto de custo de energia e o cenário mais provável é que continue acumulando isso, porque as térmicas continuarão ligadas.
    Pode vir uma chuva e resolver?
    Sim, eventualmente, pode chover. Mas eu prefiro esperar, porque é precoce falar de tragédia em novembro, início da estação chuvosa, seja em água, seja em energia. Mas, imaginando um verão que não chova nada, o que não é comum, nós vamos ter racionamento de energia e água em 2015. Porque vamos chegar a abril com estoque perto de zero.
    No relatório Kelman, de 2001, o diagnóstico foi de governança...
    (Interrompendo) Não, o problema principal é que havia energia garantida falsa na praça.
    Ou seja, se houvesse um relatório Kelman agora, o diagnóstico seria o mesmo...
    (Risos) É verdade, o problema é parecido.