segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Paraíba do Sul tem o mais baixo nível em 80 anos


ALEXA SALOMÃO , FELIPE WERNECK / TEXTOS, WILTON JR. / FOTOS - O ESTADO DE S.PAULO
09 Novembro 2014 | 02h 04

Estiagem que atinge Estado do Rio já causou a morte de quase 6 mil cabeças de gado e comprometeu a safra de cana e a pesca da região

Perto de meio-dia, o sol está de rachar em São João da Barra, no norte fluminense, onde o Rio Paraíba do Sul desemboca no mar depois de percorrer 1.100 quilômetros. Carla Verônica Tavares caminha até os fundos de sua casa e usa o leito seco do rio para estender roupa em um varal improvisado, feito de galhos, bambu e arame farpado. A cidade é uma das mais afetadas pela longa estiagem no norte e noroeste do Estado, que já matou quase 6 mil cabeças de gado e comprometeu a safra de cana-de-açúcar e a pesca. A seca mudou a paisagem da zona rural e ameaça a captação de água, mas o governo do Rio de Janeiro continua negando a hipótese de racionamento.
"O Paraíba acabou, né? Era um rio feroz, olha como ele tá agora. Eu nunca vi dessa maneira. Tá todo mundo apavorado com a situação do Paraíba", diz Carla, de 45 anos, que recebe R$ 230 por mês de um programa social do município vizinho de Campos, onde nasceu. Ela vive no local há 15 anos com o marido, a mãe e uma sobrinha. Em meio ao cenário desolador, a família parece não acreditar. "Como é que pode isso? Quem diria que a gente ia estender roupa no meio do Paraíba? É o fim dos tempos. Acho que vamos ter coisa pior mais pra frente", diz Amaro Jorge, de 50 anos, marido de Carla, catador de material reciclável. De três em três dias, um caminhão-pipa da prefeitura enche a caixa d'água da casa, que fica entre o rio e a BR-356.
O leito seco do Paraíba do Sul encerra as viagens do Estado pelos Caminhos da Seca, série que visitou bacias hidrográficas que irrigam a economia do Brasil. O cenário encontrado foi de desolação. O nível do rio é o menor dos últimos 80 anos. Com a redução da vazão, ficaram expostas "ilhas" de areia, chamadas de "coroas". O volume de chuvas este ano em Campos, que tem o maior território no Estado, não chega à metade da média das últimas três décadas, de 902 milímetros. Foram 432 mm até outubro, ante 1.292 mm em 2013.
O período da estiagem normalmente vai de maio a agosto, mas o ano está acabando e a chuva ainda não chegou. "Em setembro e outubro, o volume representa menos de 10% do padrão histórico de chuvas", diz o diretor do campus local da Universidade Federal Rural do Rio, Carlos Frederico Veiga.
Em Campos, a seca prolongada matou 2.840 cabeças de gado e provocou a perda de 520 mil toneladas de cana em relação à safra de 2013. O engenheiro agrônomo Luiz Carlos Teixeira, representante regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado (Emater-RJ), estima que o prejuízo em todo o norte fluminense chegue a R$ 200 milhões.
"O pessoal que está vivo hoje, gente com mais de 80 anos, nunca viu uma seca assim", diz o produtor rural Antônio Fiaux, de 58 anos, dono de três fazendas em São Fidélis. Ele conta que se preparou com um primo para sacrificar um boi que agonizava, desidratado, mas o animal morreu antes. "O pior é que, se chover agora, começa a morrer mais boi ainda, porque nasce o broto, o animal come, já debilitado, e tem diarreia."
Sem preparo. O superintendente da Defesa Civil local, Cláudio Luiz de Almeida, diz que fazendeiros estão picando troncos de bananeira para dar aos animais. Ele admite: "Não estamos preparados para uma seca como essa". Caminhões da prefeitura levam às fazendas carregamentos de cana trazidos de Minas Gerais e do Espírito Santo para tentar salvar o rebanho, magérrimo.
Pequenos produtores são maioria na região. Poucos têm sistemas sofisticados de irrigação, com poços artesianos. O riacho São Benedito, que abastecia os açudes das fazendas antes de desembocar no Paraíba, está seco. "Parece que estamos num deserto", resume o secretário de Agricultura, Gilberto França.
Na fazenda Badger, urubus atacam as carcaças de três bois. Na vizinha São Benedito, que tem 800 cabeças de gado nelore, 18 morreram nos últimos dias - em todo o município foram 1.025. Genro do dono da fazenda, o empresário Lázaro Rosa, de 37 anos, havia se mudado com a mulher no início do ano, de São Paulo, para ajudar a cuidar dos 250 hectares. "O gado cai e não levanta mais."
Retroescavadeiras abriram covas de dois metros de profundidade para enterrar os animais que não resistem. "Estamos esperando encher para fechar", diz o boiadeiro Leomir Mury, de 26 anos, que trabalha há oito na fazenda. Os pescadores também estão sofrendo com a seca em São Fidélis. De acordo com o presidente da Colônia Z-21, Sirley Ornelas, a atividade tornou-se "praticamente impossível".
O governo afirma que não há risco de racionamento para a população, mas a captação do Paraíba já foi suspensa em São João da Barra. Isso ocorre na maré alta, quando o mar invade o rio, que não tem pressão para empurrar a "língua salina".
"Se não chover em Minas, água aqui é zero. Com o desvio para o Rio de Janeiro, quase não vem mais água de São Paulo. O Paraíba está morrendo", diz o pescador Gervásio Meireles, de 65 anos. Ele pediu aos dois filhos que não sigam a sua profissão - um estuda eletrotécnica e outro busca emprego no porto. Ao lado de um barco encalhado na foz, Meireles reclama da ventania que quase lhe arranca o boné e diz que ela não é normal para novembro. "Esse vento é de agosto. Agora tá tudo ao contrário."
Nível de água nas represas do rio já caiu abaixo de 10%  
A semana foi de tempo fechado em boa parte do Sudeste, mas as primeiras chuvas de verão que caíram em parte da bacia do Paraíba do Sul ainda não fizeram muita diferença. O rio segue baixo. Uma maneira de medir o nível da água é observar as hidrelétricas no seu leito.
Das 11 que fazem parte do sistema nacional, 4 chamam a atenção: Paraibuna, Jaguari, Santa Branca e Funil. Elas não são usinas de grande porte. Somadas, a capacidade instalada não chega a 400 MW. Mas as suas barragens são consideradas estratégicas. O fato de as represas e suas usinas estarem próximas a centros urbanos é um trunfo no que se refere ao transporte de energia elétrica. No caso da água, as barragens regulam o volume do rio - evitam inundações em períodos de chuvas descontroladas e preservam a água em tempos de estiagem, como agora. São essas barragens que também mantêm um fluxo adequado para que cerca de dois terços das águas do Paraíba do Sul possam ser transpostas para o Rio Guandu, responsável por nada menos que o abastecimento de água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
"Sem essas barragens, o Rio Paraíba do Sul seria um filete durante uma estiagem severa, como a que vemos agora, e com certeza a Região Metropolitana do Rio não seria como nós a conhecemos hoje", diz Paulo Carneiro, pesquisador e professor do Laboratório de Hidrologia do instituto de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Coppe/UFRJ. Carneiro também coordenou o plano estadual de recursos hídricos.
Hoje esses reservatórios estão com menos de 10% de sua capacidade - e a água cai rapidamente. A barragem de Jaguari, a mais cheia do grupo, começou a semana com 9,73% do volume total de água. Na sexta, o relatório diário do Operador Nacional do Sistema (ONS), responsável pela gestão do sistema elétrico, apontava que o volume havia caído para 9,01%. Na Usina de Funil, ao longo da semana o nível foi de 9,45% para 9,17%.
As duas outras represas estão em situação bem pior. O volume de água em Paraibuna foi de 4,72% para 4,48%. Santa Branca saiu de 3,86% e foi a 3,13%. Os níveis só não são os piores dentro das 71 usinas com reservatórios monitorados pelo ONS porque há três barragens que já atingiram o volume zero: Três Irmãos e Ilha Solteira, no Rio Paraná, e Samuel, no Rio Jamari,
Economia. Segundo Carneiro, além da seca, duas razões de fundo econômico explicam a perda de água. Pesa o fato de o rio ser muito demandado não só para abastecimento humano. "Na Bacia do Paraíba do Sul estão muitas indústrias e atividades do agronegócio que geram cerca de 15% do Produto Interno Bruto do (PIB) do País", diz. A outra razão é o desmatamento. "Depois que a pecuária ocupou o espaço do café, as margens perderam a cobertura de floresta, o que reduz o nível de água nos lençóis freáticos, essenciais para alimentar o rio nas secas."
Para o pesquisador, o uso do Paraíba precisa ser reavaliado: "As outorgas teriam que ser revistas, as indústrias deveriam ser incentivadas a investir mais ainda no reúso, as empresas de saneamento precisam reduzir as perdas de água e a população, ser educada a economizar", diz ele. "Caso contrário, vamos viver uma crise depois da outra."

'Não é pecado pedir à população economia de água e de luz'


ALEXA SALOMÃO - O ESTADO DE S.PAULO
09 Novembro 2014 | 02h 04

Conscientização poderia ter preservado os reservatórios, alerta especialista

O engenheiro Jerson Kelman é um dos maiores especialistas em água e energia elétrica do Brasil. Desde 1974 é professor de Recursos Hídricos na Coppe-UFRJ, instituto de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participou da criação da Agência Nacional de Águas (ANA) e foi seu primeiro diretor-presidente. Depois, comandou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na avaliação dele, a atual seca é severa e não havia como prevê-la. Mas a estiagem traz uma lição importante: "Temos de ter planos de contingência. Não se pode improvisar numa emergência." A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.
Como o sr. qualifica a atual seca?
Neste ano, em várias partes do País, temos tido as piores hidrologias do registro histórico - é assim na Bacia do Piracicaba e na Bacia do São Francisco. Em outras, não é o pior registro, mas é uma seca grave. Sem dúvida, é um ano atípico.
Era possível se preparar para ela?
O que é razoável esperar de um administrador público é que se prepare para uma situação crítica que seja igual ou um pouco pior que a observada no passado. A atual seca, no sistema Cantareira, por exemplo, é muito pior do que qualquer seca já registrada. Se eu fosse administrador, não teria me preparado para um evento tão pouco provável porque estaria tirando recursos de outras áreas igualmente importantes, como educação e saúde.
Estudos mostra que São Paulo precisava investir em infraestrutura há anos. Não faltou planejamento?
Eu acho que não devemos ficar na posição de comentarista de videotape, mas há duas questões diferentes. Se você quer saber se São Paulo poderia ter investido mais no sistema de segurança hídrica e em saneamento, a resposta é sim. Agora, se tivesse investido adequadamente poderia ter evitado a crise? A resposta é não.
O mesmo raciocínio vale para o setor elétrico?
O setor elétrico sofre de outras mazelas. Temos muita dificuldade para construir novas usinas. As obras têm impactos locais e atraem uma certa antipatia da sociedade, do Judiciário, do Ministério Público. Enquanto a hidrologia é favorável, não se percebe a falta delas. Você não tem todas as usinas que quer, mas não faz mais porque as que estão aí produzem. O problema só se revela na seca. A tendência, então, é culpar apenas São Pedro. Mas o setor elétrico estaria preparado para o mau humor de São Pedro se não tivéssemos tantas liminares na Justiça barrando as obras, muitas delas motivadas por órgãos do próprio governo.
O Estado de São Paulo, no caso da água, e o governo federal, no caso da energia, relutam em falar em economia e racionamento. É certo sinalizar para a população que está tudo bem?
Não. Está errado. É claro que quando há falta de água, seja para o abastecimento humano, seja para a geração de energia, o melhor é que a população tenha consciência disso e faça a sua parte economizando. Não é pecado pedir ajuda à população para economizar água e luz. O que tornou isso ruim foi o ambiente na disputa eleitoral. Mas era só falar: os reservatórios estão vazios, falta água, tanto para o consumo, quanto para gerar energia elétrica. Vamos usar a água com parcimônia.
A relutância em pedir ajuda pode gerar problemas no futuro?
Quando você tem recursos escassos e continua usando despreocupadamente, você semeia um futuro pior. Se a caixa d'água da sua casa está quase vazia e você continua tomando banho como se estivesse normal, vai agravar seu sofrimento quando a água acabar. Se tivéssemos conscientizado a população, feito campanhas de uso parcimonioso de energia e de água, a situação dos reservatórios estaria melhor.
A chuva voltou, mas especialistas duvidam que vá chover o suficiente para encher os reservatórios. Caminhando para o racionamento?
Hoje se retira do sistema Cantareira 24 metros cúbicos por segundo (m3/s) - menos que o normal, que é 36 m3/s. Se continuarem tirando os mesmos 24 e chover a média - média mesmo - vamos chegar ao final de abril, quando termina a estação chuvosa, com os reservatórios tendo 25% da água. É um volume absolutamente insuficiente. É provável que a situação de carência localizada que se vive hoje em São Paulo se prolongue por 2015 e vá até 2016. Se chover torrencialmente, é claro, o cenário muda. Mas o provável é que 2015 seja a prorrogação da situação aflitiva de hoje.
E na energia?
A situação é bem parecida. As térmicas devem continuar ligadas, o que mantém um problema em relação não à falta, mas ao custo da energia. Essas térmicas utilizam combustível caro e criam uma conta de aproximadamente R$ 15 bilhões a mais por ano, que pesa no bolso do contribuinte. É um problema econômico.
Para alguns especialistas as térmicas não podem ficar tanto tempo ligadas e os reservatórios estão muito baixos - o problema é só econômico a esta altura?
Não quero fazer previsões porque não fiz simulações. Se tivermos uma situação análoga à da Austrália, com sucessivos anos de seca, não vai ter jeito: vamos chegar a essa situação. Mas acho que é cedo para dizer. Não precisamos sair de uma situação em que a população nem sabe que tem um problema energético - porque a maioria praticamente não sabe - para um racionamento. Não vivemos uma situação australiana, com oito anos de seca, para fazer terror agora.
O sr. produziu trabalhos sobre a seca na Austrália. O que ela tem a ensinar?
Tem a ensinar que quando falta água ela deve ser utilizada onde é indispensável. Na Austrália, praticamente não houve queda no PIB agrícola porque a água que era utilizada para produzir arroz foi priorizada para produzir uvas. O metro cúbico de água na produção de uvas gera muito mais riqueza do que o usado para irrigar arroz, porque o preço de um é melhor que o do outro.
Mas como ficaram os arrozeiros?
O que existe na Austrália - e também na Califórnia - é a possibilidade de se comercializar o direito de uso da água. O agricultor pode alugar esse direito para outro agricultor, para uma cidade, para quem quiser. O plantador de arroz deixou de produzir e alugou o direito para o produtor de uvas. Na falta, a prioridade é o abastecimento humano. Depois, é preciso fazer a pergunta: onde o metro cúbico é economicamente mais interessante? Onde faz mais diferença para o PIB? É mais importante na agricultura? Na energia?
Nunca se pensou em formalizar esse tipo de mercado no Brasil?
O direito de uso existe. Ninguém tira água do rio sem autorização, que é a outorga. O que não existe é a possibilidade de a outorga ser transacionada. Isso leva a uma imobilidade que não ajuda a economia. Essa possibilidade foi prevista num projeto enviado ao Congresso em 1999, que deve estar em alguma gaveta. Há uma, digamos, questão ideológica em relação à água. As pessoas confundem a água do processo produtivo com o direito humano de ter acesso à água. Qualquer um pode chegar na beira do rio e encher um copo. Mas no processo produtivo, não. Você precisa regulamentá-lo.
Qual é a lição da seca atual?
A lição é que temos de ter planos de contingência. Não se pode improvisar numa emergência. Deixa eu dar um exemplo: São Paulo agora, na hora da crise, sai em busca de suprimento em mananciais vizinhos. Escolheu o Paraíba do Sul. Por quê? Porque é a obra mais simples, que pode ser executada rapidamente. Mas o Paraíba do Sul não é a melhor escolha. O regime hidrológico do Paraíba do Sul é igual ao do Piracicaba. Ele também está numa severa seca. O estoque de água está abaixo de 10%. É como um cara ferrado buscar ajuda com outro cara ferrado.
O governo de São Paulo está errado, então?
Vou explicar. A água do Paraíba do Sul é recolhida por uma estação de bombeamento - a de Santa Cecília, em Barra do Piraí - e transposta para uma barragem que gera energia elétrica. Depois de passar nas turbinas, forma um rio artificial, o Guandu, que abastece a Região Metropolitana do Rio. Passam pelas turbinas mais de 100 m³/s e o rio só precisa de 50 m³/s. Mas precisam passar os 100m³/s para diluir o esgoto. Com menos, a água é tão poluída que teria de ser tratada de maneira sofistica e cara. Para São Paulo retirar os 5 m³/s que deseja, basta evitar que o esgoto contamine o Guandu. Isso seria possível com uma obra emergencial de R$ 75 milhões.
Essa obra acabaria com a guerra da água entre Rio e São Paulo?
Sim. Mas seria apenas um alívio imediato. A médio prazo, Rio e São Paulo precisam tratar o esgoto. Temos um padrão de saneamento de Bangladesh porque não quisemos fazer o beabá que os países de primeiro mundo já fizeram. A longo prazo, São Paulo deve recorrer ao Rio Juquiá. Hoje a Sabesp já faz uma obra para captar quase 5 m³/s de Juquiá, mas deveria ter projetado para captar três vezes mais, mesmo que não usasse tudo no dia a dia. Seria o stand-by para uma emergência. Essa obra é essencial. Se estivesse pronta, a situação seria outra. Todo o sofrimento de hoje é porque faltam 12 m³/s e ela garantiria 16. Acho que o governo foi tímido por causa da CBA, a Companhia Brasileira de Alumínio.
Como assim?
A CBA tem usinas no Juquiá. A concessão determina que apenas cerca de 4,7 m³/s devem ir para consumo humano. Tirar mais prejudicaria a empresa. Mas num caso emergencial, não teria outro jeito. Ocorre que a concessão termina em 2016. No novo contrato, pode-se formalizar o uso emergencial. Isso é segurança hídrica. Vou contar uma história. Depois do 11 de Setembro, o prefeito de Nova York reuniu especialistas e lançou uma discussão. Ninguém imaginava que poderia acontecer um 11 de Setembro, mas aconteceu. Agora, o que tenho de fazer para desarmar uma bomba que nem foi lançada? A resposta: a água chegava a Nova York por dois túneis construídos no início do século 20. Se qualquer um colapsasse, seria o caos. Era preciso construir o terceiro túnel. Nova York está construindo. É esse tipo de visão que precisamos no Brasil.

Pesquisa na indústria


Renato Cruz
As empresas brasileiras inovam pouco. São poucas as companhias voltadas ao mercado global, que conseguem competir em igualdade com gigantes internacionais. Há ilhas de excelência, como o agronegócio e a mineração. Mas os produtos industrializados vêm perdendo espaço na pauta de exportações e no mercado interno.
Existe uma série de fatores - o chamado Custo Brasil - que tiram a competitividade das empresas brasileiras. Por aqui, é mais caro contratar, transportar e até calcular e pagar os impostos. Isso sem contar o peso da carga tributária em si.
Outro obstáculo à criação de novos produtos e processos é a distância entre as empresas brasileiras e os institutos de pesquisa. A inovação depende da criação de um ecossistema que envolva empresas, clientes e fornecedores, institutos de pesquisa, universidades e governo.
A Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (também conhecida por Embrapii) foi criada para reduzir a distância entre indústria e pesquisadores. Apesar de ter sido chamada de a "Embrapa da indústria", quando foi anunciada, a Embrapii funciona de uma forma bem diferente da Empresa Brasileira da Pesquisa Agropecuária.
A Embrapii funciona com uma rede de institutos credenciados. No fim de outubro, foram acrescentados dez aos três que participaram da fase piloto. "A primeira parcela dos recursos já foi depositada nas contas das unidades de pesquisa", afirmou João Fernando Gomes de Oliveira, diretor-presidente da Embrapii, em entrevista por telefone.
As empresas interessadas devem procurar uma das 13 unidades de pesquisa da Embrapii, que fazem a avaliação dos projetos. Um terço dos recursos vem da Embrapii e não são reembolsáveis (ou seja, não se trata de um empréstimo, é dinheiro que não precisa ser devolvido). Os outros dois terços devem ser desembolsados pela empresa que propôs o projeto e o instituto de pesquisa com quem trabalhará.
Os contratos assinados entre a Embrapii e suas unidades de pesquisa têm seis anos de duração, e o período para a contratação dos projetos é de quatro anos. A expectativa é gerar R$ 1,5 bilhão de investimento em inovação na indústria, sendo R$ 500 milhões desembolsados pela Embrapii. Com a assinatura dos contratos, foram depositados cerca de R$ 30 milhões nas contas dos institutos.
No lugar de aprovar cada projeto, a Embrapii faz um acompanhamento periódico. "Vamos receber uma prestação de contas a cada seis meses", disse Oliveira. "Além de verificar os gastos, faz parte do nosso papel auditar tecnicamente os projetos."
A indústria brasileira precisa inovar mais, com um processo ágil de financiamento. Nos próximos meses, será possível verificar se a Embrapii é uma boa resposta para o problema.