sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O desafio principal não é o do dia 26 - MARCO ANTONIO ROCHA


O ESTADO DE S.PAULO - 16/10


Estamos no meio do tiroteio entre PSDB e PT - de novo. Dilma Rousseff e Aécio Neves avançam para se encontrar, no domingo 26/10, na frente do saloon onde os eleitores esperam o desfecho.

Mas, afinal, é só política. O desfecho - alternância no poder ou continuação no poder - significa ou o retorno de tucanos para os 22 mil a 23 mil cargos comissionados na administração federal; ou a continuidade de petistas nos mesmos cargos.

Esses milhares de cargos comissionados na administração federal se multiplicam em benefícios e "boquinhas" para legiões de aderentes ao poder. Para a "cupinchada", como se dizia antigamente, ou para a "companheirada", como se diz hoje. Por isso, ninguém considere irrelevantes as pernadas dessa capoeira brava, sem berimbau.

Mas continua sendo apenas política. Nos comícios que ainda existam e nas TVs. Na economia, a coisa é outra.

Na economia: 1) nenhum dos dois candidatos pode brincar; 2) nenhum dos dois pode derrapar; 3) ambos carregam o peso da incúria e dos desarranjos acumulados por décadas. E ambos têm o desafio de pôr o Brasil andando para a frente.

Isso significa: criar empregos para a massa de jovens que está entrando anualmente no mercado; e resgatar ou amparar o enorme contingente de brasileiros que ainda vivem abaixo da linha da pobreza. Duas tarefas para um PIB com crescimento robusto. E para ganhos de produtividade os mais elevados que se possa obter. Duas coisas que não temos.

Em paralelo, há que se gastar muito com a infraestrutura insuficiente e recompor grande parte dela virtualmente sucateada - nos transportes, nos portos, nos aeroportos, no armazenamento, no fornecimento de energia e de água, no saneamento.

Está de bom tamanho o desafio para quem ganhar o governo no dia 26?

Se alguém acha que é moleza - "dois palito", como diz o paulistano -, é só lembrar a precariedade da educação, da saúde, da segurança pública, da justiça - 4 trabalhos que tornam brincadeira os 12 do Hércules.

É curioso que os dois partidos sabem que, na economia, as respostas são mais ou menos as mesmas, diferentes apenas na dosagem. FHC com o Plano Real e a vertiginosa queda daquela inflação galopante anterior a ele conseguiu melhorar indiretamente a renda dos mais pobres, coisa que Lula faria avançar ainda mais de forma direta. Primaram ambos por uma condução prudente das políticas fiscal e monetária - FHC com mais e Lula com menos ortodoxia. Na área social o Bolsa Escola, de dona Ruth Cardoso, se ampliaria para o Bolsa Família do PT com Lula. Na área habitacional os planos dos dois tipos de governo avançaram, mais com o PT.

A grande diferença na política macroeconômica foi que o PT, com Lula e depois com Dilma, apostou no consumo como motor do crescimento, o que até funcionou bastante bem no período Lula, mas esgotou-se, como era previsível, no período Dilma. FHC, mais preocupado com a inflação e com a estabilização da economia, apostou no aumento dos investimentos. Não teve muito sucesso, dada a herança das tentativas fracassadas de estabilização que a economia brasileira trazia e das desconfianças que isso acarreta.

Ambos fracassaram, portanto, no principal: no obter um longo período de crescimento robusto e estável do PIB brasileiro. A turbulência da economia internacional prejudicou os investimentos privados e públicos para ambos.

Aqui chegamos ao desafio crucial da economia: aumentar a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e a taxa de crescimento do PIB. Uma coisa é o PIB crescendo pouco em países com a maioria das carências atendidas. Outra, é o PIB crescendo pouco onde a maioria das carências se acumularam sem atendimento. Precisamos de 5% ou 6% de crescimento anual do PIB. Com 0,2%, não vamos a lugar nenhum. Esse é o desafio. Nos debates os candidatos dizem como enfrentá-lo? Ainda não vimos.

A moral e o anel de Giges - JOSÉ PIO MARTINS

GAZETA DO POVO - PR - 17/10


Nestes tempos de moral social degenerada, vale relembrar o filósofo Platão em sua obra A República, quando ele narra a lenda do pastor Giges. Certo dia, após uma tempestade, abre-se uma fenda no chão, e o rebanho do pastor é engolido. Ele resolve entrar na fenda e encontra, no fundo do abismo, o cadáver de um gigante, que trazia apenas um anel em um dedo.

Giges coloca o anel e segue para a assembleia de pastores destinada a preparar relatório para o rei sobre a situação do rebanho. O pastor, então, percebe que, ao girar o anel para baixo, ele se torna uma pessoa invisível. Virando o anel para cima, ele volta a ficar visível. Eufórico com a descoberta, Giges vai ao palácio e, estando lá, gira o anel e fica invisível. Agora, longe de qualquer punição, Giges seduz a rainha, assassina o rei e usurpa o trono, iniciando sua longa dinastia.

Platão nos conta que, ao desfrutar da invisibilidade e movido pelo desejo de poder, o pastor passa a agir sem escrúpulos, seduz, rouba e mata. E o filósofo nos propõe a seguinte questão: os homens são bons por escolha própria ou simplesmente porque temem ser descobertos e punidos? Imagine, caro leitor, que você tenha o anel de Giges e possa ficar invisível. Livre para fazer o que quiser sem ser punido pela sociedade, pelas leis e por Deus, você agiria com base na moral e na justiça?

Platão disse: “Quer conhecer o homem, dê-lhe o poder”. O ser humano só é completamente moral quando, tendo o poder e estando livre da punição, ele age com base na moral, na virtude e na justiça. A observação da conduta cotidiana nos leva a concluir que, se o ser humano ficar entregue a seus próprios instintos naturais, muito provavelmente o egoísmo, a ganância e a sede de ter mais – poder, fama e dinheiro – o levariam a roubar, matar e trapacear.

A narrativa de Platão permite concluir que mesmo uma pessoa virtuosa e justa, se tivesse em mãos o anel de Giges, agiria contrariamente à virtude e à justiça. Não todos, é claro. E Aristóteles alerta que “o homem guiado pela ética é o melhor dos animais. Quando sem ela, é o pior”. Por isso, a vida em sociedade exige um conjunto de normas gerais de conduta justa, iguais para todos (inclusive para o rei) e aplicáveis a um número incerto de casos futuros. A propensão humana à virtude é frágil; por isso, a paz social não dispensa as regras de conduta e a punição para quem as viola.

Na esfera pública, o meio de impedir que os políticos tenham seu anel de Giges é pela visibilidade de seus atos. Não é por outra razão que a Constituição obriga à publicidade de todos os atos dos governantes. A publicação e a divulgação de tudo quanto é feito com o dinheiro público (e também dos atos que não envolvam dinheiro) são necessárias para o conhecimento da população sobre as ações dos homens do poder.

Certamente, os corruptos imaginam ter achado o anel de Giges e acreditam que não serão pegos nem atingidos pela punição. Somente um louco cometeria atos de corrupção se tivesse a certeza de que seria descoberto, processado e punido. Seguramente, os malfeitores fazem cálculos e agem apostando na probabilidade de não serem pegos. De vez em quando, eles erram no cálculo e a justiça funciona.

Se os homens fossem anjos, o Código Penal e as prisões não seriam necessários. Mas os homens não são anjos e, quanto mais poder eles têm, maior a probabilidade de manifestarem seu lado diabólico e imoral.

Viva o erro! - RENATO FERRAZ

CORREIO BRAZILIENSE - 17/10
Aqui, no comecinho do Sudoeste, um posto de gasolina não aceita mais que os fiéis clientes encham os pneus dos carros depois das 22h. Os vizinhos de uma quadra comercial ilegalmente transformada em mista (com mais apartamentos do que lojas, claro) não "aguentam" mais o pipipipi do compressor e ameaçam processar os donos. No fim da quadra 300, uma loja está aberta, com uma plaquinha de aluga-se, há meses. Por que ninguém fechou negócio, apesar da excelente localização? As regras do condomínio não permitem que lá seja instalado um bar, um restaurante ou qualquer empreendimento que possa causar "transtornos" aos moradores. E o prédio, daqueles pequenos, de três andares, tinha como destinação original o comércio.

Onde moro, o uso da cobertura coletiva para receber amigos praticamente foi descartado: a família do morador do andar abaixo teve um filhinho no início do ano - e, obviamente, ninguém "quer" contestar um pai e uma mãe com criança de colo, né? Vejam: aqui não tem nada pessoal, até porque sou mais tranquilo do que nordestino tomando água de coco na praia. Estou apenas levantando esse tema para debater um pouco o fenômeno da convivência em grupo, da falta de tolerância, do isolacionismo em quatro paredes, da patrulha.

Os fumantes, por exemplo, parecem estar com o vírus ebola - ninguém fica por perto. Por falar no vírus que assusta o mundo, o nome dele é a expressão mais citada nas redes sociais - e, na maioria das vezes, associada a "negros" e "pretos". Um amigo mineiro adora churrasco e diz para todo mundo que vegetariano é uma besta quadrada. Se o sujeito é evangélico, logo perguntam: "Da igreja do Malafaia?". Se alguém bebe, aparece uma figura para questionar: "E as blitze? E teu fígado? Você não tem medo de morrer mais cedo?". Se fazem isso com certo amigo meu, ele devolve, na lata: "Ô abstêmio babaca... E tua vida em preto e branco, como está?". Ninguém pode discordar, brincar, soltar uma piada mais infame que é isolado - menos comigo, claro, que sou pernambucano.

O ator Mário Bortolotto disse, recentemente, que pessoas sempre certas costumam ser muito chatas. Portanto, viva o erro, viva a constante possibilidade do erro. De fato, Deus nos criaria bem mais perfeitos se quisesse algo diferente.