quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Trancada pelo trancaço


VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, FERNANDO LIMONGI - O ESTADO DE S. PAULO
27 Setembro 2014 | 16h 00

A USP virou refém de sindicatos e da falta de transparência e quem diverge é desqualificado. Passou da hora de sairmos desse torpor, afirmam professores

NILTON FUKUDA/ESTADÃO
Que fazer? Para autores, é preciso repensar a vocação da universidade
A Universidade de São Paulo passa por uma das maiores crises financeiras de sua história. Nos últimos meses, os cidadãos paulistas viram reitoria e funcionários se digladiarem sem conseguir chegar a nenhuma forma produtiva de diálogo. A greve só terminou após a intervenção do Poder Judiciário. 
Enganam-se aqueles que pensam que nosso problema é o presente. O principal problema da USP é seu futuro. Nada indica que a crise - que não é só financeira, é institucional, política e de identidade - seja apenas passageira. O comportamento das partes envolvidas na greve não parece indicar que algo vá mudar no futuro.
De um lado, um sindicato autoritário, intolerante e conservador que considera sua visão como a única correta e, por isso, recorre à greve sempre que alguém contraria suas demandas. Um sindicato que se orgulha de promover um “trancaço”, isto é, bloquear o livre acesso à universidade, comemorando o infortúnio que causa a todos como uma grande vitória. Um sindicato que não hesita em intimidar quem decide trabalhar e, antes mesmo de qualquer resultado palpável, já definia a última greve como “histórica” simplesmente por ter durado tanto. 
A greve tornou-se um fim em si mesmo. Quanto mais greves, quanto mais longas, melhor. Na visão do sindicato, isso é fazer história. Mas que história está sendo feita? O sindicato dos funcionários comandou a greve, trazendo a reboque o movimento estudantil e, o que é mais preocupante, a associação que representa os professores, a Adusp, que não viu nenhum problema em se dizer parte desse “momento histórico” com o respaldo de assembleias que mal chegaram a reunir uma centena de docentes.
Os jargões e frases feitas são comuns a ambos os sindicatos, o dos funcionários e o dos professores. São eles que há décadas repetem os mesmos lugares-comuns desgastados - “em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade” ou “contra o sucateamento da USP”. Contudo, durante a gestão anterior, esses sindicatos se calaram de forma eloquente. Após fazer greves anuais durante mais de uma década, foram quatro anos de silêncio, justamente durante a gestão que sucateou a universidade e levou a USP ao abismo. Bastou o antigo reitor distribuir agrados, vale alimentação, vale supermercado, e os sindicatos aceitaram tudo passivamente. As palavras de ordem só são retiradas do baú quando interessa ao bolso, não importa a estridência com que sejam bradadas. 
De outro lado, uma administração universitária sem transparência. Uma universidade que tem um dos maiores orçamentos do mundo, mas gasta tudo sem dar grandes satisfações a ninguém. Apenas quando a situação já havia saído do controle algumas propostas surgiram. Poucas, contudo. E nenhuma baseada em algum projeto para a USP. Aliás, a USP parece não ter projeto há muito tempo. Vivemos o dia a dia, vivemos de nossa tradição e torcemos para que tudo funcione razoavelmente bem. 
Os únicos debates que ocorrem, e somente nesses momentos de crise, são algo tão infantilizado que não parecem ser dignos do nome. Quem acompanha esses debates com o mínimo de senso crítico tem a impressão de que a USP se tornou uma simples escola. Não é uma universidade, não é um local de pesquisa, não é um local de produção de conhecimento. É simplesmente um lugar que dezenas de milhares de jovens frequentam para ganhar um diploma ao fim de alguns anos.
A primeira confirmação dessa mediocrização é a discussão sobre se temos ou não muitos professores e muitos funcionários. Aqui os números vêm à tona - “os números não mentem”, diriam alguns apressados. Segundo esses números, a USP não teria uma relação professor-aluno tão desproporcional. Pelo contrário, poderíamos até contratar mais, porque temos 1 professor para cada 15 alunos, enquanto Harvard, por exemplo, tem 1 professor para cada 7 alunos. Segundo essa conta, daria para dobrar o número de professores.
Contudo, essa estatística não significa absolutamente nada sozinha. Ela basicamente reflete um dado sobre o tamanho das nossas salas de aula. Discutir se temos muitos ou poucos professores com base nisso é de uma infantilidade ímpar. Além disso, há “números que não mentem” para sustentar qualquer tese. Por que não falar, por exemplo, das universidades alemãs, públicas como a USP? Afinal, muitos daqueles que usam uma universidade privada como Harvard como exemplo seriam contra a entrada de qualquer mísero centavo privado na USP.
As universidades alemãs - públicas - têm uma relação professor-aluno muitíssimo superior à da USP. Em algumas, são 40, 50, 60 alunos para cada professor. Elas são ruins por isso? Não. Ao contrário, sua pesquisa continua sendo de excelência e seus pesquisadores continuam ganhando Prêmios Nobel. E com um orçamento infinitamente menor que o da USP. Por que sempre comparar a USP com as universidades norte-americanas, sempre da Ivy League, uma das estruturas universitárias mais elitistas do mundo?
Outro sinal da infantilização do debate são as opiniões sobre o que fazer depois de uma greve, especialmente de uma greve longa como a última. A principal pergunta é se, quando e como devemos repor as aulas. Essa parece ser a única coisa que de fato importa, a reposição de aula.
Ninguém se pergunta o que fazer com cooperações internacionais perdidas, com pesquisas atrasadas, com eventos não realizados, com pesquisadores estrangeiros que perderam seu tempo e dinheiro vindo à USP dar de cara, literalmente, com a porta. O importante é que a reposição das aulas não atrapalhe nossas férias. Produção de conhecimento parece não ser problema nosso.
A prova disso é que, na USP, para que um professor concursado possa viver até os 70 anos sem ser incomodado por ninguém basta que ele dê suas seis ou oito horas-aula de graduação por semana. Se não fizer isso, talvez (mas apenas talvez) alguém possa reclamar. Mas, se ele não produzir nada a vida inteira, se não orientar alunos de pós-graduação, se não formar novos pesquisadores, se não oferecer atividades de extensão, se não quiser discutir suas ideias com ninguém, se não quiser cooperar com nenhum outro pesquisador, no Brasil ou no exterior, nada acontecerá com ele. Nós, professores, simplesmente não somos avaliados. Consumimos bilhões de reais por ano, pagos por todos os cidadãos do Estado de São Paulo, mas não somos avaliados pelo que produzimos (ou deixamos de produzir). E qualquer tentativa de introduzir algum sistema de avaliação de nossa atividade é rechaçada imediatamente pelos sindicatos, na sua postura conservadora de manter o status quo a todo custo.
Nos debates sobre o que fazer diante da crise financeira parece não ocorrer a ninguém considerar o óbvio. Recursos são finitos e, portanto, há conflitos sobre sua distribuição. Mas, para os sindicatos e, não podemos esquecer, também para a opinião difusa que sustenta suas estratégias de pedir sempre mais aumentos, a finitude dos recursos seria uma mentira ou, no máximo, uma desculpa de gestores incompetentes. E, se o pagamento de salários excede as receitas, a solução é simples, basta pedir mais recursos ao Estado, que teria o dever de vir em nosso socorro, aconteça o que acontecer, não importa que tenhamos nos transformado em um mero estabelecimento de ensino como outro qualquer. 
É preciso repensar a vocação da USP. Se todo o debate sobre nosso futuro se limitar a quantas aulas teremos, quantos professores por aluno ou quando vamos repor aulas então podemos esquecer qualquer pretensão de um dia nos tornarmos uma universidade de excelência internacional. Se o foco for a pesquisa e a produção de conhecimento, temos alguma chance. Para isso, contudo, é preciso avaliar se e o que estamos produzindo. Para que tudo isso aconteça, é preciso que deixemos a passividade de lado, porque ela fez com que a repetição de chavões desgastados dominasse a USP. Já faz algum tempo que quem ousa manifestar opinião diversa e desafiar dogmas é imediatamente desqualificado. Está mais do que na hora de sairmos desse estado de torpor.
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Virgílio Afonso da Silva é professor titular de Direito Constitucional da USP
Fernando Limongi é professor titular de Ciência Política da USP

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Estre cria empresa para vender energia

NAIANA OSCAR - O ESTADO DE S.PAULO

13 Agosto 2014 | 02h 02

Gestora de aterros sanitários vai investir R$ 300 mi em parceria com grupo português Enc Energy para criar a Estre Energia Renovável

Divulgação
Renovável. Usina de Guatapará, em São Paulo, tem capacidade para abastecer 18 mil pessoas
A gestora de resíduos sólidos Estre Ambiental - fundada pelo empresário Wilson Quintela Filho e com sócios como o BTG Pactual, do banqueiro André Esteves - vai estrear na área de energia. A companhia se associou à portuguesa Enc Energy para criar a Estre Energia Renovável, empresa que vai gerar eletricidade a partir do biogás de seus aterros sanitários. Serão investidos R$ 300 milhões no novo negócio, que, em três anos, deve faturar R$ 200 milhões.
Esse já é um plano antigo de Quintela. Mas, só em maio deste ano, a primeira usina entrou em operação (em caráter experimental) no aterro de Guatapará, interior de São Paulo. Para lá, são levadas diariamente 2,2 mil toneladas de resíduos, vindos de municípios como Araraquara e Ribeirão Preto. A usina ainda aguarda autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para se tornar comercial, mas já pode vender energia no mercado, por estar em fase de testes. Por enquanto, ela tem capacidade para gerar 4,2 megawatt (MW), quantidade suficiente para abastecer 18 mil pessoas.
"Estamos fazendo um esforço para ampliar essa iniciativa e estender o projeto a 10 dos 23 aterros da Estre", diz Alexandre Alvim, diretor de novos negócios da empresa. "A meta é, em três anos, atingir uma capacidade instalada de 100 MW e ser o maior player do setor."
A Estre não está sozinha nesse mercado, tampouco está no grupo dos pioneiros. As usinas de biogás mais antigas do País estão na capital paulista. A primeira foi instalada no aterro desativado Bandeirantes, na Zona Oeste da cidade, em 2004. A outra entrou em operação em 2007, no também desativado aterro São João. O sistema é administrado pela Biogás Energia Ambiental.
Os projetos seguintes demoraram a aparecer porque era difícil fechar a equação para ganhar dinheiro com biogás no País. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos, sancionado em agosto de 2010, e considerado o marco regulatório do setor, impulsionou alguns projetos. Em outubro, o governo federal fará o primeiro leilão de energia para empreendimentos de biogás - oito projetos estão inscritos. "Era um investimento muito caro e o mercado não considerava as empresas de resíduo como fornecedores", diz Carlos Silva Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Em 2011, o Grupo Solví, que atua em 171 cidades no Brasil e em 16 municípios no Peru, inaugurou uma termelétrica no aterro municipal São Cristóvão, em Salvador. A empresa investiu R$ 50 milhões no projeto, que tem capacidade de 19,7 MW, capaz de abastecer 50 mil residências.
O grupo está construindo uma nova usina no Rio Grande do Sul, prevista para entrar em operação em agosto do ano que vem, com capacidade de 8 MW. A paranaense J. Malucelli também tem usinas de biogás.
A própria parceira da Estra no negócio de energia já operava no Brasil. Com oito aterros sanitários sob gestão em Portugal, a Enc Energy fez uma parceria com a Vital Ambiental, do grupo Queiroz Galvão, em 2012, para gerar biogás no aterro de Juiz de Fora.
Parceria. A sociedade com a Estra é uma joint venture, em que a Enc Energy detém 10% do negócio. Três executivos portugueses já estão no Brasil para implementar as novas usinas. "O histórico brasileiro em biogás não é muito positivo, por isso buscamos uma empresa que já entendia desse negócio para desenvolver os projetos", dia Alvim.
A empresa não informa quanto faturou e por que preço vendeu sua energia nesses primeiros meses. Diz apenas que 80% do que foi produzido já está contratado. Os 20% restantes poderão ser comercializados futuramente no mercado à vista, onde o preço da energia superou nesta semana R$ 650 o MWh.
O negócio ainda é pequeno para Estra, que faturou no ano passado R$ 1,9 bilhão e teve prejuízo de R$ 458 milhões. A empresa busca alternativas para se tornar mais rentável. Depois de uma série de cinco aquisições, a Estra tenta equacionar uma dívida de R$ 1,8 bilhão. Desde o fim do ano passado, a companhia vem passando por uma reestruturação operacional.

Estimação de animais


Lúcia Guimarães
Na calçada, o grupo diverso espera sentado. Eles têm idades, tamanhos e temperamentos diferentes, mas aprenderam a ficar em repouso por alguns minutos. Com sua força física somada, uma reação súbita os levaria a derrubar o frágil poste de metal que sustenta o toldo da entrada do meu edifício. A cena se repete em qualquer quarteirão da cidade. Os dog walkers, pessoas que passeiam com os cachorros dos ocupados nova-iorquinos, amarram os bichos na porta de prédios enquanto vão recolher mais um para a caminhada matinal. Observando o tamanho dos grupos é fácil acreditar por que a profissão informal, frequentemente exercida por estrangeiros sem documentos, permite uma renda mensal superior, às vezes, à do cliente que contrata o serviço.
Pelo menos 83 milhões de cachorros vivem nos Estados Unidos e, desde os anos 70, eles se multiplicaram mais rápido do que a população humana. A explosão da indústria americana de animais de estimação, com receita estimada este ano em US$ 60 bilhões haveria, é claro, de ser importada no surto de emergência consumista brasileiro, onde não basta imitar estilos de vida, é preciso desfrutá-los em inglês. Deixei um país com animais domésticos e bicicletas e o reencontro cheio de pets e bikes. Mas importamos também o lado nefasto da indústria: os canis inescrupulosos, em que a ganância resulta na reprodução de animais com defeitos genéticos, e a falta de critério para trazer um animal para casa. Nos Estados Unidos, mais de 60% das pessoas que moram sozinhas têm animais domésticos.
Além de ótimo companheiro, os médicos confirmam que a presença de um cachorro faz bem à saúde do dono: Contribui para baixar a pressão, combater a melancolia e força idosos a fazer mais caminhadas. Há grupos de voluntários que levam cachorros para alegrar crianças hospitalizadas. Há todo tipo de grupo de apoio e até uma associação de combate à obesidade canina, que só aumenta, pelos mesmos motivos que fazem aumentar a humana.
Se você notar alguém num restaurante nova-iorquino acompanhado de um cachorro usando um colete como um uniforme, pode concluir que a exceção à proibição habitual de entrada de qualquer bicho se deve ao fato de se tratar de mais do que um animal de estimação: ele é um acompanhante terapêutico, assim designado porque um médico comprovou que um paciente sofredor de, digamos, síndrome de pânico, se beneficia da companhia constante de um cachorro. Os americanos na verdade têm mais gatos do que cachorros, mas, além de afeto de felino pelo dono ser mais comedido, seu cuidado requer muito menos atenção e esforço físico.
Só no meu edifício, conto uns três cães que gostaria de ter denunciado a um juizado de menores para bichos. Há a recém-divorciada com dois filhos, um imenso Golden Retriever e sem a menor paciência para os três. Mas os meninos ao menos gastam energia na escola fazendo esportes, enquanto o animal, que precisa de exercício, vai ficando cada vez mais neurastênico, isolado no apartamento, e já mordeu uma diarista. Há um homem com evidente distúrbio mental, notório por brigar com porteiros e vizinhos, que decidiu adotar um pitbull de um abrigo - combinação explosiva. E há, tristemente, uma idosa, que tanto precisa da companhia, mas mal consegue exercitar seu adorável vira-lata porque caminha com dificuldade.
No ano de 1997, milhares de dálmatas foram encontrados vagando por ruas e estradas americanas ou abandonados em abrigos. Tinham sido comprados ainda filhotes por famílias que não aguentaram a trabalheira que dá esta raça de cão. Mas seus filhos os acharam uma gracinha na tela quando assistiram ao filme 101 Dálmatas. Episódios como este ilustram uma forma de negligência que não discrimina por classe ou pressão econômica.
Os Estados Unidos conseguiram diminuir drasticamente a eutanásia de cachorros com campanhas pela adoção nos abrigos. O casal Obama foi bastante criticado em 2009 quando adquiriu sua primeira cadela da raça cão d'água português de um canil e não deu o exemplo da adoção.
A medicina estende a vida, nem sempre com qualidade de vida. Ouvi de um veterinário nova-iorquino um desabafo que soava meio culpado: "Graças a cirurgias e remédios, os cachorros doentes estão vivendo mais e seus donos não aguentam tomar conta deles nos anos de velhice prolongada". Está aí uma indústria cujo crescimento, sem educação do consumidor, a longo prazo, incentiva a crueldade.