quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Levedura adaptada à fabricação de etanol sem queima da cana melhora produção, na Agencia Fapesp


17 de setembro de 2014

Por Diego Freire
Agência FAPESP – Uma levedura adaptada às novas condições do processo industrial de fabricação de açúcar e etanol, surgidas com a substituição compulsória da colheita manual por métodos mecanizados no Estado de São Paulo, aumenta o rendimento e reduz as perdas na fermentação quando comparada a leveduras tradicionais.
A levedura – que leva o nome comercial de Fermel – foi selecionada pela Fermentec, empresa de tecnologia industrial especializada em fermentação alcoólica instalada em Piracicaba (SP), a partir de estudos desenvolvidos com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). A inovação foi apresentada no Diálogo sobre Apoio à Inovação na Pequena Empresa, realizado pela FAPESP no dia 9 de setembro para esclarecer dúvidas de interessados em participar da seleção de propostas no PIPE.
O objetivo da pesquisa foi obter uma levedura industrial mais adaptada às novas características da colheita de cana-de-açúcar com a vigência do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, de 2007, que proíbe as queimadas.
“A substituição gradativa da colheita manual de cana-de-açúcar em São Paulo por métodos mecanizados trouxe benefícios ambientais, mas também novos desafios para o processo industrial de fabricação de açúcar e etanol”, explicou à Agência FAPESPo diretor científico da Fermentec, Mário Lúcio Lopes.
Isso porque a planta, que antes era queimada, agora chega à usina crua, com pontas, folhas e terra. “Essas impurezas vegetais e minerais que vêm junto com a cana são prejudiciais à fermentação”, disse Lopes.
Para ser eficiente, a fermentação precisa de uma levedura que contorne essa condição e ainda iniba a entrada de linhagens selvagens que vêm junto com a cana crua. “Essa é uma das características das leveduras personalizadas e selecionadas, que garantem uma fermentação mais adequada e com maior rendimento”, explicou.
São as leveduras que transformam os açúcares da cana, sólidos, em álcool combustível, líquido. A fim de que o processo seja conduzido com eficácia, é necessário ter leveduras adequadas a cada meio.
“Estudamos e identificamos a relação da levedura com o meio de fermentação industrial. Quanto mais adaptada ela é à unidade industrial, maior será a eficiência da fermentação e, consequentemente, da produção”, disse Lopes.
Pesquisa inovativa
Derivada da PE-2, uma das leveduras utilizadas na fermentação do etanol no Brasil desde o início da década de 1990, a Fermel apresenta maior tolerância às novas condições do processo industrial, segundo os produtores.
A Fermel reduz a possibilidade de invasão de leveduras selvagens no processo, responsáveis por problemas como formação de espuma, que ocupa espaço nos tanques, e floculação, que dificulta a fermentação. A inovação foi possível por meio de técnicas de cariotipagem e análise do DNA mitocondrial das leveduras.
Na cariotipagem, as leveduras são cultivadas para formar pequenas colônias. A partir delas são extraídos cromossomos intactos contendo material genético. Esses cromossomos são então separados num campo elétrico.
“As variações no tamanho e no número de cromossomos funcionam como ‘impressões digitais’, que permitem identificar as leveduras selecionadas e diferenciá-las das selvagens contaminantes”, disse Lopes.
Já na análise do DNA mitocondrial, pequenas moléculas de DNA são extraídas da mitocôndria das leveduras e cortadas em pontos específicos. “Os fragmentos são depois separados num campo elétrico e o perfil é utilizado para identificar as leveduras, como se fosse um código de barras”, disse.
Essas análises permitem a seleção de leveduras mais adequadas ao meio industrial. A Fermel se mostrou a mais eficiente em mostos ricos em melaço e com teores alcoólicos elevados, além de dominar as populações de leveduras, reduzindo as chances das contaminantes se estabelecerem na fermentação.
“A indústria trabalha com volumes muito grandes e é difícil eliminar esses microrganismos, que podem ser leveduras selvagens e até bactérias. Eles conseguem entrar nas fermentações e competem com a levedura selecionada, boa. Quando são mais resistentes e adaptados àquela condição de fermentação industrial, sua população toma o lugar da levedura menos robusta. A Fermel é significativamente mais resistente e domina o ambiente de fermentação”, disse Lopes.
A maior parte dessas leveduras contaminantes traz uma série de problemas para as indústrias, como sobra de açúcares sem fermentação, com diminuição do rendimento.
“Trata-se de um potencial desperdiçado. Por isso, é importante que haja uma levedura robusta, que possa reduzir os problemas de contaminação, que seja uma boa fermentadora, para não deixar essa sobra de açúcares, permitindo dessa forma um resultado melhor para as usinas – especialmente agora, sem as queimadas”, disse Lopes.
PIPE recebe propostas
A Fermel foi apresentada no encontro de 9 de setembro, na FAPESP, como um exemplo das possibilidades de inovação abertas pelo apoio do PIPE à pesquisa inovativa.
“O objetivo é esclarecer a todos que pretendem apresentar propostas sobre quais as dificuldades que podem ser enfrentadas e os benefícios, ilustrados pelo caso da Fermentec”, disse Sérgio Queiroz, coordenador adjunto de Pesquisa para Inovação da FAPESP.
“O PIPE teve papel decisivo na seleção da Fermel e no desenvolvimento da indústria paulista do setor, pois tudo o que é feito na Fermentec é transferido em conhecimento e tecnologia para o setor produtivo”, disse Lopes.
Além do caso da Fermentec, o evento apresentou os conceitos e propósitos do PIPE, detalhando sua metodologia e seu processo de avaliação e esclarecendo dúvidas. O programa apoia a criação de produtos, processos e serviços inovadores em todas as áreas do conhecimento.
A submissão de propostas ao 4º Ciclo de Análise do PIPE em 2014, cuja chamada está disponível em www.fapesp.br/8774, pode ser feita até 13 de outubro, exclusivamente por meio do Sistema de Apoio à Gestão (SAGe).
Foram reservados R$ 15 milhões para o conjunto de propostas selecionadas neste edital, que terá seu resultado divulgado em 27 de fevereiro de 2015. O valor máximo do apoio da FAPESP a cada projeto aprovado no PIPE é R$ 1,2 milhão, para a realização de duas fases.
Na fase 1, com duração de até nove meses, até R$ 200 mil poderão ser aplicados na demonstração da viabilidade tecnológica proposta. Na fase 2, de desenvolvimento do produto ou processo inovador, com prazo de até 24 meses, o limite de recursos disponível por projeto é R$ 1 milhão.
Desde 1998, a FAPESP investiu R$ 286,8 milhões no apoio a 1.222 projetos inovativos no âmbito do PIPE, desenvolvidos dentro de empresas de pequeno porte, com até 250 empregados, com unidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Estado de São Paulo.
Mais informações em www.fapesp.br/pipe
 

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Brasil reduz a pobreza extrema em 75% entre 2001 e 2012, diz FAO

LISANDRA PARAGUASSU - O ESTADO DE S. PAULO
16 Setembro 2014 | 08h 00

País foi um dos que obteve maior progresso no combate à fome; porém, 16 milhões ainda vivem com menos de US$ 2 por dia

Marcos de Paula/Estadão
Apesar do progresso, o Brasil ainda possui mais de 16 milhões de pessoas vivendo na pobreza
BRASÍLIA - O Mapa da Fome 2013, apresentado nesta manhã em Roma pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), mostra que o Brasil conseguiu reduzir a pobreza extrema - classificada com o número de pessoas que vivem com menos de US$ 1 ao dia - em 75% entre 2001 e 2012. No mesmo período, a pobreza foi reduzida em 65%. Apresentado como um dos casos mundiais de sucesso na redução da fome, o Brasil, no entanto, ainda tem mais de 16 milhões vivendo na pobreza: 8,4% da população brasileira vive com menos de US$ 2 por dia. 
O relatório da FAO mostra que o Brasil segue sendo um dos países com maior progresso no combate à fome e cita a criação do programa Fome Zero, em 2003, como uma das razões para o progresso do País nessa área. Não por acaso, criado pelo então ministro do governo Lula, José Graziano, hoje diretor-geral da FAO. 
De acordo com o documento, a prioridade dada pelo governo Lula ao combate à fome - citando a fala do ex-presidente de que esperava fazer com que todos os brasileiros fizessem três refeições por dia - no Fome Zero é a responsável pelos avanços.
Inicialmente concebido dentro do Ministério de Segurança Alimentar, o programa era um conjunto de ações nessa área que tinha como estrela um cartão alimentação, que permitia aos usuários apenas a compra de comida. Logo substituído pelo Bolsa Família, o Fome Zero foi transformado em um slogan de marketing englobando todas as ações do governo nessa área. 
"O resultado desses esforços são demonstrados pelo sucesso do Brasil em alcançar as metas estabelecidas internacionalmente", diz o relatório, ressaltando que o Brasil investiu aproximadamente US$ 35 bilhões em ações de redução da pobreza em 2013. 
A América Latina é a região onde houve maior avanço na redução da pobreza e da fome entre 1990 e 1992, especialmente na América do Sul, com os países do Caribe ainda um pouco mais lentos. O relatório mostra que o número de pessoas subnutridas na região passou de 14,4% da população para cerca de 5%. Além do Brasil, a Bolívia é citada como exemplo. Apesar de ainda ter quase 20% da população abaixo da linha da pobreza, saiu de um porcentual próximo a 40%. 
No mundo todo, 805 milhões de pessoas ainda passam fome. São 100 milhões a menos do que há uma década, e 200 milhões a menos do que há 20 anos, mas ainda muito abaixo da velocidade que permitiria ao mundo cumprir a primeira meta dos objetivos do milênio, de reduzir a pobreza extrema à metade até 2015. Atualmente, apenas 63 países cumpriram a meta. Outros 15 estão no caminho e devem alcançá-la. 
O relatório completo está disponível no site da FAO.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A Crise da água, em reportagem especial da FSP

Seis repórteres da Folha mergulham fundo em três situações-limite –secas em São Paulo e no semiárido nordestino e inundações no rio Madeira– e voltam à tona com relatos preocupantes sobre o despreparo do país para enfrentar as emergências que virão
MARCELO LEITE
LALO DE ALMEIDA
EDUARDO GERAQUE
FERNANDO CANZIAN
RAFAEL GARCIA
DIMMI AMORA
Com 12% a 16% da água doce disponível na Terra, o Brasil é um país rico nesse insumo que a natureza provê de graça à população e à economia. Cada habitante pode contar com mais de 43 mil m³ por ano dos mananciais, mas apenas 0,7% disso termina utilizado.
Nações como a Argélia e regiões como a Palestina, em contraste, usam quase a metade dos recursos hídricos disponíveis, e outras ainda, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, precisam obtê-los por dessalinização de água do mar.
Só em aparência, contudo, é confortável a situação brasileira. Em primeiro lugar, há o problema da distribuição: o líquido é tanto mais abundante onde menor é a população e mais preservadas são as florestas, como na Amazônia. No litoral do país, assim como nas regiões Sudeste e Nordeste (onde se concentram 70% da população), muitos centros urbanos já enfrentam dificuldades de abastecimento –agravados por secas como as que se abateram sobre São Paulo, neste ano, e sobre o semiárido nordestino em 2012/13.
Para anuviar o horizonte, sobrevêm os riscos de piora com o aquecimento global. Com as crescentes emissões de dióxido de carbono (CO₂) e de outros gases do efeito estufa decorrentes da queima de combustíveis ou por outras atividades humanas, a atmosfera terrestre retém mais calor do Sol perto da superfície. Aumenta, assim, a temperatura das massas de ar, energia que alimenta os ventos e tempestades.
Os padrões de circulação atmosférica se alteram. Algumas regiões poderão sofrer estiagens mais frequentes e graves, enquanto outras ficarão mais sujeitas a inundações. Isso, é claro, se os resultados das simulações do clima futuro feitas por modelos de computador estiverem corretas.

MAIS CALOR, MENOS CHUVA

O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), um comitê com alguns dos maiores especialistas do país em climatologia, fez projeções sobre as alterações prováveis nas várias regiões, mas com diferentes graus de confiabilidade. As mais confiáveis valem para a Amazônia (aumento de temperatura de 5°C a 6°C e queda de 40% a 45% na precipitação até o final do século, com 10% de redução nas chuvas já nos próximos cinco anos), para o semiárido, no Nordeste (respectivamente 3,5°C a 4,5°C e -40% a -50%), e para os pampas, no Sul (2,5°C a 3°C de aquecimento e 35% a 40% de aumento de chuvas).

Para as outras regiões a confiabilidade das previsões de computador foi considerada baixa. Para a mata atlântica do Sudeste, de todo modo, a previsão do PBMC é de aumento de 25% a 30% na pluviosidade e de 2,5°C a 3°C na temperatura.
Não é possível afirmar com certeza que as recentes secas no Sudeste e no Nordeste –ou as terríveis inundações de 2014 em Rondônia– tenham relação direta com a mudança global ou regional do clima. Tampouco se pode excluir que tenham. Por outro lado, é certo que esses flagelos, assim como o custo bilionário que acarretam para a sociedade e a economia, constituem uma boa amostra do que se deve esperar nas próximas décadas para o caso de o aquecimento global se agravar.

ÁGUA NO BRASIL

Durante quatro meses, uma equipe de seis repórteres, quatro artistas gráficos e dois profissionais de vídeo se debruçou sobre esses desastres naturais para tentar esmiuçá-los e traduzir sua complexidade nesta abrangente reportagem multimídia, coordenada por Marcelo Leite.
Eduardo Geraque e Fernando Canzian traçaram uma radiografia de corpo inteiro da estiagem na Região Metropolitana de São Paulo, na tentativa de entender uma doença que começou muito antes da queda nos níveis das represas do sistema Cantareira. Rafael Garcia foi enviado a Rondônia com a missão de investigar as relações, se é que existem, da devastadora enchente deste ano com as duas usinas hidrelétricas que começaram a funcionar no rio Madeira, Santo Antônio e Jirau.
Dimmi Amora visitou vários trechos da obra de transposição do rio São Francisco para verificar se o semiárido nordestino está mais perto de ver cumpridas as promessas de acabar com os efeitos da seca sobre a população pobre. Esses quatro jornalistas foram acompanhados de perto pelo repórter fotográfico Lalo de Almeida, responsável também pela gravação dos vídeos inseridos nos três capítulos a seguir.
O relato da equipe está longe de ser animador. Em todas as situações retratadas, com gente demais (São Paulo), água demais (Rondônia) ou água de menos (Nordeste), percebe-se que o Brasil ainda não despertou para a necessidade de adaptar-se a eventos extremos –sejam ou não efeito de transformações globais– que afetam a mais básica necessidade humana: água. Para beber, plantar, limpar e pescar.