segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A Crise da água, em reportagem especial da FSP

Seis repórteres da Folha mergulham fundo em três situações-limite –secas em São Paulo e no semiárido nordestino e inundações no rio Madeira– e voltam à tona com relatos preocupantes sobre o despreparo do país para enfrentar as emergências que virão
MARCELO LEITE
LALO DE ALMEIDA
EDUARDO GERAQUE
FERNANDO CANZIAN
RAFAEL GARCIA
DIMMI AMORA
Com 12% a 16% da água doce disponível na Terra, o Brasil é um país rico nesse insumo que a natureza provê de graça à população e à economia. Cada habitante pode contar com mais de 43 mil m³ por ano dos mananciais, mas apenas 0,7% disso termina utilizado.
Nações como a Argélia e regiões como a Palestina, em contraste, usam quase a metade dos recursos hídricos disponíveis, e outras ainda, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, precisam obtê-los por dessalinização de água do mar.
Só em aparência, contudo, é confortável a situação brasileira. Em primeiro lugar, há o problema da distribuição: o líquido é tanto mais abundante onde menor é a população e mais preservadas são as florestas, como na Amazônia. No litoral do país, assim como nas regiões Sudeste e Nordeste (onde se concentram 70% da população), muitos centros urbanos já enfrentam dificuldades de abastecimento –agravados por secas como as que se abateram sobre São Paulo, neste ano, e sobre o semiárido nordestino em 2012/13.
Para anuviar o horizonte, sobrevêm os riscos de piora com o aquecimento global. Com as crescentes emissões de dióxido de carbono (CO₂) e de outros gases do efeito estufa decorrentes da queima de combustíveis ou por outras atividades humanas, a atmosfera terrestre retém mais calor do Sol perto da superfície. Aumenta, assim, a temperatura das massas de ar, energia que alimenta os ventos e tempestades.
Os padrões de circulação atmosférica se alteram. Algumas regiões poderão sofrer estiagens mais frequentes e graves, enquanto outras ficarão mais sujeitas a inundações. Isso, é claro, se os resultados das simulações do clima futuro feitas por modelos de computador estiverem corretas.

MAIS CALOR, MENOS CHUVA

O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), um comitê com alguns dos maiores especialistas do país em climatologia, fez projeções sobre as alterações prováveis nas várias regiões, mas com diferentes graus de confiabilidade. As mais confiáveis valem para a Amazônia (aumento de temperatura de 5°C a 6°C e queda de 40% a 45% na precipitação até o final do século, com 10% de redução nas chuvas já nos próximos cinco anos), para o semiárido, no Nordeste (respectivamente 3,5°C a 4,5°C e -40% a -50%), e para os pampas, no Sul (2,5°C a 3°C de aquecimento e 35% a 40% de aumento de chuvas).

Para as outras regiões a confiabilidade das previsões de computador foi considerada baixa. Para a mata atlântica do Sudeste, de todo modo, a previsão do PBMC é de aumento de 25% a 30% na pluviosidade e de 2,5°C a 3°C na temperatura.
Não é possível afirmar com certeza que as recentes secas no Sudeste e no Nordeste –ou as terríveis inundações de 2014 em Rondônia– tenham relação direta com a mudança global ou regional do clima. Tampouco se pode excluir que tenham. Por outro lado, é certo que esses flagelos, assim como o custo bilionário que acarretam para a sociedade e a economia, constituem uma boa amostra do que se deve esperar nas próximas décadas para o caso de o aquecimento global se agravar.

ÁGUA NO BRASIL

Durante quatro meses, uma equipe de seis repórteres, quatro artistas gráficos e dois profissionais de vídeo se debruçou sobre esses desastres naturais para tentar esmiuçá-los e traduzir sua complexidade nesta abrangente reportagem multimídia, coordenada por Marcelo Leite.
Eduardo Geraque e Fernando Canzian traçaram uma radiografia de corpo inteiro da estiagem na Região Metropolitana de São Paulo, na tentativa de entender uma doença que começou muito antes da queda nos níveis das represas do sistema Cantareira. Rafael Garcia foi enviado a Rondônia com a missão de investigar as relações, se é que existem, da devastadora enchente deste ano com as duas usinas hidrelétricas que começaram a funcionar no rio Madeira, Santo Antônio e Jirau.
Dimmi Amora visitou vários trechos da obra de transposição do rio São Francisco para verificar se o semiárido nordestino está mais perto de ver cumpridas as promessas de acabar com os efeitos da seca sobre a população pobre. Esses quatro jornalistas foram acompanhados de perto pelo repórter fotográfico Lalo de Almeida, responsável também pela gravação dos vídeos inseridos nos três capítulos a seguir.
O relato da equipe está longe de ser animador. Em todas as situações retratadas, com gente demais (São Paulo), água demais (Rondônia) ou água de menos (Nordeste), percebe-se que o Brasil ainda não despertou para a necessidade de adaptar-se a eventos extremos –sejam ou não efeito de transformações globais– que afetam a mais básica necessidade humana: água. Para beber, plantar, limpar e pescar.

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