domingo, 7 de setembro de 2014

Diminuição da pobreza


O ESTADO DE S.PAULO
07 Setembro 2014 | 02h 04

A economia nacional vai mal. E o País continua com graves problemas sociais que precisam ser urgentemente enfrentados. Mas reconhecer esses fatos não impede que se veja que o Brasil reduziu a pobreza, como mostra um estudo do Banco Mundial. De 1999 a 2011, houve uma significativa redução da parcela da população que vive em estado de pobreza. Antes, 35% dos brasileiros eram pobres. Agora, são 17%.
O estudo utilizou uma nova metodologia para analisar a pobreza no Brasil. Dividiu a população pobre em quatro segmentos, com base não apenas na renda, mas também em sete fatores multidimensionais: se as crianças e os adolescentes frequentam a escola, o grau de escolaridade dos adultos, o acesso a água potável, saneamento e luz elétrica, a qualidade da moradia e o acesso a bens, como telefone, fogão e geladeira. A ideia é diferenciar pobreza transitória de pobreza crônica, que se caracteriza pela ausência de pelo menos quatro dos sete fatores e cuja porta de saída é muito mais difícil de ser ultrapassada. De acordo com um dos responsáveis pelo estudo, Luis Felipe López-Calva, "é preciso atacar de maneira diferente cada tipo de pobreza".
O Banco Mundial reconhece que a atuação do governo brasileiro não se baseou na distinção entre pobres transitórios e pobres crônicos. No entanto, o estudo mostra que o País conseguiu reduzir a pobreza em todos os grupos definidos pela nova metodologia. Segundo López-Calva, isso foi possível graças à diversidade de estratégias de redução da pobreza, ao se utilizar de diferentes programas sociais, sem concentrar os esforços apenas no programa Bolsa Família, por exemplo. Em sua opinião, é impossível que uma sociedade consiga zerar a população pobre, mas deve batalhar pelo objetivo de eliminar a pobreza crônica.
Em situação de pobreza extrema - categoria que engloba as famílias que vivem com menos de R$ 70 mensais por pessoa e que não estão sob uma rede de proteção social (formada pelos componentes multidimensionais) -, o Brasil tinha 7% da população em 1999. Em 2011, o porcentual caiu para 2%. Queda similar foi observada no grupo "pobreza moderada", formado por quem tem uma situação monetária bastante precária, mas conta com o acesso aos fatores multidimensionais. Como reflexo da queda da pobreza, em 2011, o porcentual da população brasileira nesse grupo foi também de 2%.
O terceiro grupo é formado pelos "vulneráveis". É a situação inversa ao grupo "pobreza moderada", pois eles têm renda um pouco acima da linha de pobreza, mas não têm acesso aos componentes multidimensionais. Em 2011, 4% da população brasileira estava nesse grupo, metade do índice de 1999. Já "pobreza transitória" é a situação das pessoas que estão sem renda (desempregados temporários, por exemplo), mas continuam com acesso aos fatores multidimensionais, o que lhes permite sair mais facilmente da pobreza. Segundo o estudo, esse grupo teve uma redução de 25% nos 12 anos analisados. Atualmente, são 9% da população.
Como causas para essa redução expressiva da pobreza, o estudo lista o crescimento econômico, o aumento do emprego e da renda, bem como a expansão dos programas sociais. Alerta o governo brasileiro, no entanto, para a necessidade de não se contentar com o patamar alcançado. Para avançar, é necessário ter um conjunto de políticas públicas que enfrentem de maneira específica as vulnerabilidades dos diversos grupos da população pobre. Para tanto, não se deve confundir a ideia de que todo mundo deve ter direito a benefícios universais, que é correta, com a necessidade de que todos recebam as mesmas políticas. Todos os que estiverem na mesma situação devem ser tratados igualmente, mas é preciso distinguir cada situação. Para López-Calva, o principal instrumento é a educação. E, se o passo do aumento da escolaridade já foi dado, agora é preciso melhorar a qualidade das escolas. "Isso é bem mais difícil", pondera.
Reconhecer os acertos é uma questão de justiça. E também de prudência. Seja para avançar ainda mais, seja para não estragar o que já foi feito.

A valorização do magistério, in Editorial do Estadão


O ESTADO DE S.PAULO
07 Setembro 2014 | 02h 04

A carência de professores para as disciplinas do ensino básico não decorre do número insuficiente de licenciados formados nas áreas de ciências humanas e de ciências exatas por instituições universitárias, como se imagina, mas da total falta de interesse dos formandos de seguir a carreira no magistério.
Esta é a constatação de um levantamento feito pelo professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Ele chegou a essa conclusão depois de cruzar a demanda atual do ensino básico por professores de língua portuguesa, língua estrangeira, matemática, história, geografia, ciências, biologia, física, filosofia, sociologia, educação artística e educação física com o número de formados nos cursos de licenciatura, no período de 1990 a 2010.
Nessas duas décadas, o número de vagas oferecido pelos cursos de graduação nas áreas de matemática, química, biologia e letras foi três vezes superior à demanda por docentes na rede de ensino básico, afirma Rezende Pinto. Só os egressos das universidades públicas nessas áreas seriam suficientes para atender à demanda, diz ele. A única exceção é a disciplina de física, que não forma professores em número suficiente para suprir a necessidade das escolas de ensino básico.
O problema é que, por causa dos baixos vencimentos, das más condições de trabalho e do desprestígio do magistério público, muitos egressos dos cursos de licenciatura não querem seguir carreira dentro de salas de aula. Preferem exercer outras funções na iniciativa privada ou na administração pública, onde ganham mais, aponta a pesquisa. Em média, o salário de um professor do ensino básico é 40% menor que o de um profissional com formação superior. Pela Lei do Piso Salarial Unificado, um professor da rede pública deveria receber R$ 1.697,38 mensais. Mas nas séries finais do ensino fundamental o rendimento médio é de R$ 1.454,00. E no ensino médio, de R$ 1.916,00.
Nas disciplinas de matemática, física e química o déficit nacional é de 170 mil professores nas escolas de ensino básico, estimam as autoridades educacionais. Na rede estadual de São Paulo, 21% dos cargos estavam vagos no ano passado, com as maiores lacunas em matemática e português - esta última disciplina com falta de 7,1 mil professores.
"A grande atratividade de uma carreira é o salário. Mas, além da remuneração baixa, o professor tem um grau de desgaste muito grande no exercício profissional", diz Rezende Pinto, depois de lembrar que em língua portuguesa a demanda foi de 131 mil docentes, entre 1990 e 2010. No mesmo período, o número de concluintes dos cursos de licenciatura na área foi de 315 mil.
O estudo do professor Rezende Pinto mostra ainda que, por causa dos baixos salários do magistério, os cursos de formação de professores têm registrado uma taxa de evasão de 30% - muito acima da média registrada em outros cursos de graduação. E também aponta para a necessidade de melhorar a qualidade dos cursos de licenciatura e de incentivar os formandos a lecionar, tornando a carreira docente mais atrativa. "As licenciaturas têm currículos frágeis, as ementas e as bibliografias são genéricas, não dando formação suficiente. As instituições não estão encarando a formação dos professores com seriedade", diz Bernadete Gatti, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. "Os dados reforçam que a principal agenda na questão docente é a valorização do professor. A valorização é garantia de boa formação inicial e continuada, salário inicial atraente, política de carreira motivadora e boas condições de trabalho", afirma o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
Na década passada, o Brasil conseguiu universalizar o acesso ao ensino básico. Mas, por mais importante que tenha sido essa conquista, o desafio de aumentar a qualidade desse nível de ensino ainda não foi vencido - e, como mostra a pesquisa do professor Rezende Pinto, um dos gargalos estruturais está na falta de valorização do magistério.

As coisas podem não ser o que parecem (Sobre Lula em 2018) Editorial Estadao


O ESTADO DE S.PAULO
07 Setembro 2014 | 02h 04

É cada vez menor o número dos que duvidam hoje da derrota de Dilma Rousseff nas urnas de outubro. Mas a probabilidade da vitória de Marina Silva poderá resultar em enorme decepção para quem acredita que o voto na ex-senadora é o melhor caminho para livrar o País do lulopetismo. Esta é a conclusão a que têm chegado, nos círculos políticos de Brasília, petistas e não petistas com algum acesso a Lula, a partir da análise de seu comportamento diante de um quadro eleitoral que era impensável pouco tempo atrás.
Não é de hoje, garantem seus seguidores mais chegados, que Lula perdeu a paciência com a campanha da reeleição de Dilma. E não se trata nem de discordar da estratégia, se é que se pode chamar assim, que a presidente e seu círculo de assessores diretos impuseram à disputa. Aos mais íntimos o ex-presidente se tem permitido expressar irritada decepção com a falta de competência política e de carisma de sua criatura. Afirma mesmo, como se não tivesse nada a ver com isso, que ela "não é do ramo".
Diante do provável revés, Lula se esforça para disfarçar o mau humor com um comportamento discreto que o tem levado, para usar uma expressão futebolística tão a seu gosto, a simplesmente "cumprir tabela" na campanha. Mesmo porque uma omissão ostensiva seria inadmissível e a estridência crítica seria contraproducente.
Lula, portanto, parou para pensar em si mesmo, entregar os anéis para salvar os dedos e se concentrar em 2018, quando ele próprio poderá tentar, com o prestígio popular que lhe tiver restado, uma volta triunfal ao Palácio do Planalto. E, pelo que dizem ser seus cálculos, a eleição de Marina Silva agora pode ser mais útil a esse objetivo do que a reeleição de Dilma.
Dilma Rousseff entregará a seu sucessor um país em situação muito pior do que aquele que recebeu de Lula há quatro anos. Os indicadores econômicos, financeiros e sociais revelam essa lamentável realidade. O próximo ocupante da cadeira presidencial receberá uma verdadeira herança maldita. Reeleita, Dilma terá de mostrar uma competência que já provou não ter para evitar que a inflação estoure, a recessão econômica se instale, os programas sociais definhem e a companheirada em desespero piore as coisas tentando "salvar o seu". E aí provavelmente nem mesmo Lula seria capaz de operar o milagre de manter o PT no poder em 2018.
Já Marina Silva na Presidência, com um programa repleto de boas intenções, mas sem nenhuma perspectiva concreta de apoio parlamentar para aprová-lo e de uma ampla e competente equipe técnica para realizá-lo, seria presa fácil de um PT que, na oposição, estaria à vontade para fazer aquilo em que é especialista: atacar, destruir. E depois de devidamente demolida a imagem de Marina, Lula poderia surgir, mais uma vez, como salvador da pátria.
Mas haveria ainda, segundo essas maquinações, uma segunda hipótese: governar com o PT. Marina não ignora as dificuldades que terá pela frente e tentará garantir o apoio de forças políticas que possam fazer diferença em seu governo. Petistas ou tucanos dariam a Marina apoio decisivo semelhante àquele que o PMDB oferece hoje a Dilma. Mas PT e PSDB dificilmente comporiam juntos uma base de apoio confiável. E, mesmo que os tucanos venham a apoiar Marina num eventual segundo turno contra Dilma, toda a história política da ex-senadora dentro do PT e a aversão aos tucanos que ela não se preocupa em disfarçar indicam que seus parceiros preferenciais seriam os petistas.
Reforçaria essa hipótese o fato de que Marina tem feito acenos de boa vontade a Lula, como a reiterada manifestação de que não seria candidata à reeleição em 2018 e de que estaria disposta a não desalojar completamente o PT de seu governo, promessa implícita na garantia de que pretende governar "com todos os partidos".
Seja como for, Lula parece estar assimilando bem - e talvez até desejando - uma vitória de Marina Silva, que trabalharia para caracterizar como uma derrota de Dilma e não do PT. E o PT estaria, tanto quanto seu líder máximo, preservado do inevitável desgaste de mais quatro anos de barbeiragens políticas e administrativas.
A ser isso verdade, votar em Marina com a intenção de cravar uma bala de prata no coração do lulopetismo seria comprar gato por lebre.