domingo, 7 de setembro de 2014

As coisas podem não ser o que parecem (Sobre Lula em 2018) Editorial Estadao


O ESTADO DE S.PAULO
07 Setembro 2014 | 02h 04

É cada vez menor o número dos que duvidam hoje da derrota de Dilma Rousseff nas urnas de outubro. Mas a probabilidade da vitória de Marina Silva poderá resultar em enorme decepção para quem acredita que o voto na ex-senadora é o melhor caminho para livrar o País do lulopetismo. Esta é a conclusão a que têm chegado, nos círculos políticos de Brasília, petistas e não petistas com algum acesso a Lula, a partir da análise de seu comportamento diante de um quadro eleitoral que era impensável pouco tempo atrás.
Não é de hoje, garantem seus seguidores mais chegados, que Lula perdeu a paciência com a campanha da reeleição de Dilma. E não se trata nem de discordar da estratégia, se é que se pode chamar assim, que a presidente e seu círculo de assessores diretos impuseram à disputa. Aos mais íntimos o ex-presidente se tem permitido expressar irritada decepção com a falta de competência política e de carisma de sua criatura. Afirma mesmo, como se não tivesse nada a ver com isso, que ela "não é do ramo".
Diante do provável revés, Lula se esforça para disfarçar o mau humor com um comportamento discreto que o tem levado, para usar uma expressão futebolística tão a seu gosto, a simplesmente "cumprir tabela" na campanha. Mesmo porque uma omissão ostensiva seria inadmissível e a estridência crítica seria contraproducente.
Lula, portanto, parou para pensar em si mesmo, entregar os anéis para salvar os dedos e se concentrar em 2018, quando ele próprio poderá tentar, com o prestígio popular que lhe tiver restado, uma volta triunfal ao Palácio do Planalto. E, pelo que dizem ser seus cálculos, a eleição de Marina Silva agora pode ser mais útil a esse objetivo do que a reeleição de Dilma.
Dilma Rousseff entregará a seu sucessor um país em situação muito pior do que aquele que recebeu de Lula há quatro anos. Os indicadores econômicos, financeiros e sociais revelam essa lamentável realidade. O próximo ocupante da cadeira presidencial receberá uma verdadeira herança maldita. Reeleita, Dilma terá de mostrar uma competência que já provou não ter para evitar que a inflação estoure, a recessão econômica se instale, os programas sociais definhem e a companheirada em desespero piore as coisas tentando "salvar o seu". E aí provavelmente nem mesmo Lula seria capaz de operar o milagre de manter o PT no poder em 2018.
Já Marina Silva na Presidência, com um programa repleto de boas intenções, mas sem nenhuma perspectiva concreta de apoio parlamentar para aprová-lo e de uma ampla e competente equipe técnica para realizá-lo, seria presa fácil de um PT que, na oposição, estaria à vontade para fazer aquilo em que é especialista: atacar, destruir. E depois de devidamente demolida a imagem de Marina, Lula poderia surgir, mais uma vez, como salvador da pátria.
Mas haveria ainda, segundo essas maquinações, uma segunda hipótese: governar com o PT. Marina não ignora as dificuldades que terá pela frente e tentará garantir o apoio de forças políticas que possam fazer diferença em seu governo. Petistas ou tucanos dariam a Marina apoio decisivo semelhante àquele que o PMDB oferece hoje a Dilma. Mas PT e PSDB dificilmente comporiam juntos uma base de apoio confiável. E, mesmo que os tucanos venham a apoiar Marina num eventual segundo turno contra Dilma, toda a história política da ex-senadora dentro do PT e a aversão aos tucanos que ela não se preocupa em disfarçar indicam que seus parceiros preferenciais seriam os petistas.
Reforçaria essa hipótese o fato de que Marina tem feito acenos de boa vontade a Lula, como a reiterada manifestação de que não seria candidata à reeleição em 2018 e de que estaria disposta a não desalojar completamente o PT de seu governo, promessa implícita na garantia de que pretende governar "com todos os partidos".
Seja como for, Lula parece estar assimilando bem - e talvez até desejando - uma vitória de Marina Silva, que trabalharia para caracterizar como uma derrota de Dilma e não do PT. E o PT estaria, tanto quanto seu líder máximo, preservado do inevitável desgaste de mais quatro anos de barbeiragens políticas e administrativas.
A ser isso verdade, votar em Marina com a intenção de cravar uma bala de prata no coração do lulopetismo seria comprar gato por lebre.

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