"Nunca confiei na felicidade", diz o personagem de Robert Duvall no filme "Tender Mercies" ("A Força do Carinho", título brasileiro bem infeliz para o filme), papel com o qual ganhou o Oscar de melhor ator em 1983. O filme narra a derrocada de um cantor de música country e sua sofrida redenção, graças ao amor e generosidade de uma mulher.
No filme, salta aos olhos o deserto do Texas, a solidão de todas as planícies e a total ausência de qualquer metafísica barata, coisa comum hoje no cinema, seja ela moral, psicológica, ambiental ou política. O homem e a mulher são seres abandonados no mundo e devem cuidar de suas vidas porque ninguém mais o fará.
Aliás, por falar em metafísica, a pior é a política. Mas da política trato apenas por obrigação profissional, porque, como diz Albert Camus nos seus "Cadernos" (o primeiro tem como título "Esperança do Mundo"), ouvindo aqueles que se dedicam à política, podemos apenas concluir que as pessoas se importam pouco com esta parte das suas vidas, uma vez que todos na política mentem.
Acrescentaria, além dos políticos profissionais, os intelectuais que a ela se voltam como redenção do mundo e forma de obrigar os outros a viverem de acordo com os delírios que alimentam em seus gabinetes.
Enfim, no fundo, a política pouco me interessa. Trato-a assim como quem deve cuidar de uma ferida —do contrário ela se infectará.
Noutro filme, "Alabama Monroe" (2012), do diretor Felix van Groeningen, a personagem feminina Elise, interpretada por Veerle Baetens, diz algo semelhante ao final: "Sempre soube que tudo aquilo não podia durar, porque a felicidade sempre acaba". Referia-se ela ao amor por seu marido Didier e pela pequena filha morta.
Sinto-me em casa quando ouço pessoas dizerem coisas assim. Pois se existem apenas "três ou quatro atitudes diante do mundo", como dizia em seu "Breviário da Decomposição" Emil Cioran, filósofo romeno indispensável para quem suspeita que os trágicos gregos são quem tem razão na filosofia, esta é a minha. E seguramente a dele. E também a de Camus.
Na mesma obra, Cioran faz um diagnóstico preciso: "A obsessão pelos remédios marca o fim de uma civilização, e, pela salvação, o fim da filosofia". Por isso ele afirma que desistiu da filosofia quando viu que em Kant não havia nenhuma tristeza. Os filósofos, diz Cioran, quase todos acabam bem, prova máxima contra a honestidade deles.
Sempre sinto um cheiro de mesquinharia quando ouço alguém falar de uma nova dieta. A vida, talvez seja esta sua maior tragédia, se apequena quando não é de algum modo dada em sacrifício. Talvez seja isso que o cristianismo queira dizer quando afirma que só quando se perde a vida se ganha a vida. E não há saída: somos a civilização da mesquinharia. Até Cristo deve ser saudável.
Sei que Camus considerava o suicídio o único problema filosófico ("O Mito de Sísifo"). E sei também que ele considerava um milagre um momento em que não tivesse que falar de si mesmo (caderno "Esperança do Mundo"). Detalhe: Camus usa expressões como "milagre", conhecia bem teólogos como Blaise Pascal e conceitos como o de "graça", citando-os com precisão.
Mas eu suspeito que um dos maiores problemas da filosofia, e certamente um dos maiores milagres na vida, para quem tem um temperamento que desconfia da felicidade (trágico), é justamente o problema que Camus diz "ser um bom título": a esperança do mundo.
Como ter esperança no mundo sem ter que abdicar da capacidade de vê-lo tal como é? Por isso, sinto um halo de graça quando vejo a esperança visitar o mundo. Afora as ilusões, só a generosidade é capaz de acolher a esperança.
Talvez o próprio Camus dê uma pista neste "Caderno", sendo ele um filósofo, e sabendo, como nós todos, que nós filósofos sofremos da vaidade intelectual como pecado capital. Camus diz que "a obsessão em ter razão é a marca suprema de uma inteligência grosseira". Portanto, talvez, a humildade, virtude capital para Camus, seja a esperança para a filosofia. Ou, como dizia Santo Agostinho, o que falta ao filósofo é chorar.
No filme, salta aos olhos o deserto do Texas, a solidão de todas as planícies e a total ausência de qualquer metafísica barata, coisa comum hoje no cinema, seja ela moral, psicológica, ambiental ou política. O homem e a mulher são seres abandonados no mundo e devem cuidar de suas vidas porque ninguém mais o fará.
Aliás, por falar em metafísica, a pior é a política. Mas da política trato apenas por obrigação profissional, porque, como diz Albert Camus nos seus "Cadernos" (o primeiro tem como título "Esperança do Mundo"), ouvindo aqueles que se dedicam à política, podemos apenas concluir que as pessoas se importam pouco com esta parte das suas vidas, uma vez que todos na política mentem.
Acrescentaria, além dos políticos profissionais, os intelectuais que a ela se voltam como redenção do mundo e forma de obrigar os outros a viverem de acordo com os delírios que alimentam em seus gabinetes.
Enfim, no fundo, a política pouco me interessa. Trato-a assim como quem deve cuidar de uma ferida —do contrário ela se infectará.
Noutro filme, "Alabama Monroe" (2012), do diretor Felix van Groeningen, a personagem feminina Elise, interpretada por Veerle Baetens, diz algo semelhante ao final: "Sempre soube que tudo aquilo não podia durar, porque a felicidade sempre acaba". Referia-se ela ao amor por seu marido Didier e pela pequena filha morta.
Sinto-me em casa quando ouço pessoas dizerem coisas assim. Pois se existem apenas "três ou quatro atitudes diante do mundo", como dizia em seu "Breviário da Decomposição" Emil Cioran, filósofo romeno indispensável para quem suspeita que os trágicos gregos são quem tem razão na filosofia, esta é a minha. E seguramente a dele. E também a de Camus.
Na mesma obra, Cioran faz um diagnóstico preciso: "A obsessão pelos remédios marca o fim de uma civilização, e, pela salvação, o fim da filosofia". Por isso ele afirma que desistiu da filosofia quando viu que em Kant não havia nenhuma tristeza. Os filósofos, diz Cioran, quase todos acabam bem, prova máxima contra a honestidade deles.
Sempre sinto um cheiro de mesquinharia quando ouço alguém falar de uma nova dieta. A vida, talvez seja esta sua maior tragédia, se apequena quando não é de algum modo dada em sacrifício. Talvez seja isso que o cristianismo queira dizer quando afirma que só quando se perde a vida se ganha a vida. E não há saída: somos a civilização da mesquinharia. Até Cristo deve ser saudável.
Sei que Camus considerava o suicídio o único problema filosófico ("O Mito de Sísifo"). E sei também que ele considerava um milagre um momento em que não tivesse que falar de si mesmo (caderno "Esperança do Mundo"). Detalhe: Camus usa expressões como "milagre", conhecia bem teólogos como Blaise Pascal e conceitos como o de "graça", citando-os com precisão.
Mas eu suspeito que um dos maiores problemas da filosofia, e certamente um dos maiores milagres na vida, para quem tem um temperamento que desconfia da felicidade (trágico), é justamente o problema que Camus diz "ser um bom título": a esperança do mundo.
Como ter esperança no mundo sem ter que abdicar da capacidade de vê-lo tal como é? Por isso, sinto um halo de graça quando vejo a esperança visitar o mundo. Afora as ilusões, só a generosidade é capaz de acolher a esperança.
Talvez o próprio Camus dê uma pista neste "Caderno", sendo ele um filósofo, e sabendo, como nós todos, que nós filósofos sofremos da vaidade intelectual como pecado capital. Camus diz que "a obsessão em ter razão é a marca suprema de uma inteligência grosseira". Portanto, talvez, a humildade, virtude capital para Camus, seja a esperança para a filosofia. Ou, como dizia Santo Agostinho, o que falta ao filósofo é chorar.
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, 'Contra um mundo melhor' (Ed. LeYa). Escreve às segundas.