sexta-feira, 2 de maio de 2014

‘Vive la France’ - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE


sexta-feira, maio 02, 2014


O GLOBO - 02/04

Brasil enfrenta o estrangulamento econômico provocado por políticas desajustadas que soltaram as rédeas da inflação


Por que o livro de um jovem economista francês provocou tamanho rebuliço na imprensa e nos centros globais de poder? Como Thomas Piketty e seu “Capital no Século XXI” conseguiram seduzir Obama e a comunidade internacional, fazendo do livro um dos mais citados no Google, esgotando a tiragem da Amazon? Economistas laureados dos dois lados do espectro ideológico, gente da estatura do clássico Robert Solow e do keynesiano Paul Krugman, escreveram fartas e elogiosas resenhas sobre a obra de Piketty. De onde vem a inusitada exaltação, inimaginável no Brasil dividido que não enxerga mérito em argumentos contrários à visão de quem os contesta? O próprio autor fornece a resposta. Para os amantes da literatura do século XIX, para os leitores de Balzac e Zola, ficando apenas com os naturalistas franceses conterrâneos de Piketty, o interesse não é surpresa. Afinal, há tema mais engagé e empolgante, assunto que arrebata o leitor e que o arrasta pelas entranhas, do que o maniqueísmo atrelado a uma boa discussão sobre a desigualdade da riqueza?

A miséria dos trabalhadores das minas francesas retratada em “Germinal”, a luta ingrata do homem de classe média pela glória e pela fama, imortalizada no Lucien Chardon de “Ilusões perdidas”. O desespero de milhões de desempregados no mundo pós-crise, os jovens desalentados, aqueles que jamais tornar-se-ão os futuros Tim Cook da Apple. A desconstrução do american dream, minuciosamente documentada nos dados levantados por Piketty e seus coautores, eis a fórmula do sucesso, assim é que se faz um best-seller de economia. Um best-seller realista, na melhor tradição literária do século XIX, livro que fala do quadro de baixo crescimento global resultante da crise, quadro esse que conosco permanecerá. Obra que aborda sem rodeios o tema das grandes fortunas construídas no período de maior euforia dos mercados, estoque que não é desgastado pela economia global modorrenta, muito pelo contrário.

A tese central de Piketty é simples: quando a remuneração da riqueza (do “capital”) excede o crescimento econômico, a desigualdade aumenta, os ricos ficam mais ricos, a classe média e os menos abastados ficam para trás. Na melhor das hipóteses, permanecem estagnados. A descoberta parece óbvia e é isso que tanto a favorece. Como outras grandes descobertas, sua força reside precisamente em não ter sido vista antes, embora estivesse em ampla evidência. É a obviedade no melhor sentido do termo, aquela que tem profundidade. Infelizmente, aqui nas nossas bandas do Sul, a força do argumento foi ignorada pelos opinativos de sempre para que se pudesse desmantelá-lo de forma superficial. Não, a recomendação de instituir um imposto sobre o capital que a tantos deixou de cabelo em pé não é o ponto alto do livro, está longe de ser a maior contribuição da obra de Piketty.

Interessante mesmo é a regularidade empírica por ele desvelada, essa de que, quando as economias crescem pouco, os mais abastados é que se saem bem. Corolário disso é que, tudo mais constante, a remuneração da riqueza é tanto maior quanto menor for a inflação, quanto mais achatados forem os salários. Afinal, não há inflação sem pressão salarial, a conhecida espiral salários-preços. Quando há deflação, o efeito das quedas de preço sobre a riqueza é ainda mais forte. Pensem no Japão, cuja evolução do estoque de riqueza mais do que compensa a falta de crescimento das últimas décadas.

A deflação, ou a perspectiva de uma inflação persistentemente baixa, assombra o mundo. O debate macroeconômico nos EUA, na Europa, no Japão, no Reino Unido, está, em maior ou menor grau, influenciado por isso. A inflação é um bicho esquisito. Quando é baixa demais, aumenta a desigualdade num torvelinho vicioso; quando alta demais, também. Enquanto o mundo se engalfinha com o aumento da desigualdade associado à falta de crescimento e à estagnação dos salários, o Brasil enfrenta o estrangulamento econômico provocado por políticas desajustadas que soltaram as rédeas da inflação. O dilema brasileiro pode parecer o oposto do desafio mundial, mas leva ao mesmo lugar: o aumento da disparidade da renda — no caso, proveniente da corrosão dos rendimentos da classe média pela alta excessiva dos preços.

No Brasil, dizem que “a inflação é o âmago do debate”. Frase brilhante não fosse ela a expressão da mais rasteira obviedade. A inflação é sempre o âmago do debate, não só no Brasil. Os contornos do debate brasileiro são apenas diferentes, nem mais, nem menos importantes por isso. Que a inflação brasileira é resultado de políticas mal concebidas e de estratégias torpes não se discute. Ou melhor, discute-se à exaustão, o que dá no mesmo. Como debelá-la, salientando para a população em geral que esse é o desafio para reduzir a desigualdade e dar novo impulso ao processo de inclusão social, eis a tarefa dos presidenciáveis, esses que, até agora, preferem apenas apontar o dedo. O maniqueísmo é mais fácil, além de render boas manchetes para os jornais.

O livro instigante de Thomas Piketty prenuncia o advento de sociedades movidas, sobretudo, pelas fortunas herdadas, a débâcle da meritocracia. Escreve Balzac em “Ilusões perdidas”: "Por isso, quanto mais medíocre é alguém, mais depressa sobe; pode resignar-se a tudo, bajular as paixõezinhas baixas (...)”.

É o retrato desse Brasil brasileiro, tão século XIX.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Brasil tem oito mil escolas sem energia elétrica e até sem água, Bom Dia Brasil


Em uma escola municipal no interior do Maranhão não há ventiladores nem lâmpadas. As crianças ainda são forçadas a carregar baldes.

Mais de oito mil escolas do país estão no escuro. Na sala de aula, falta luz e sobra calor. O aluno se esforça para enxergar o que escreve: “A gente não vê quase nada no caderno”, diz.
Em uma escola municipal em Codó, no interior do Maranhão, não há ventiladores nem lâmpadas. Sem bomba para puxar água do poço, as crianças são forçadas a carregar baldes.
Ainda é assim em muitas escolas espalhadas pelo Brasil. De acordo com o último censo da educação, mais de oito mil escolas do país ainda não têm energia elétrica. Em regiões onde o calor é intenso, o problema vai além da dificuldade para enxergar durantes as aulas.
Uma escola até tem instalação elétrica, mas não há lâmpadas funcionando. Ventilação só pelos buracos abertos na parede, por onde também entra a pouca claridade que há nas salas.
Problemas que completam o quadro do abandono: não há portas, janelas e a biblioteca quase não existe. Segundo o censo da educação, apenas 4% das escolas públicas brasileiras têm a infraestrutura ideal.
Ainda há escolas com paredes de taipa, telhado de palha e carteiras em péssimo estado. Energia elétrica nunca teve. Aulas, somente pela manhã. Para matar a sede, água barrenta do filtro velho. Se ao menos tivesse energia. “Colocava uma geladeira que ia ser melhor para os alunos. Sem energia não dá”.
A Secretaria de Educação de Codó disse que 18 escolas vão ser construídas em um ano, para substituir as que estão em situação ruim.

O Plano Nacional de Educação está perto de ser votado mesmo com retrocessos, in EL Pais

O Plano Nacional de Educação (PNE), que estava previsto para entrar em vigor em 2011, está finalmente a ponto de deixar de ser uma carta de boas intenções. No dia 7 de maio o plenário da Câmara dos Deputados deverá aprovar o texto final, que já sofreu alterações nas últimas reuniões da Comissão Especial, criada para discutir os objetivos a nível nacional das escolas públicas brasileiras.
As ONGs e associações que participaram das reuniões consideram as alterações da Comissão um "retrocesso", mas têm esperança de que o plenário volte atrás em relação à distribuição da verba destinada à educação, uma das metas modificadas durante o processo. A publicação definitiva do PNE servirá para determinar quais serão os propósitos e as estratégias para melhorar a Educação brasileira até 2020, apesar do atraso de quase quatro anos na publicação dessas medidas.

As vinte metas do PNE

Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos até o final da vigência deste PNE.
Meta 2: universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de seis a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.
Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%.
Meta 4: universalizar, para a população de quatro a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.
Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até os oito anos de idade, durante os primeiros cinco anos de vigência do plano; no máximo, até os sete anos de idade, do sexto ao nono ano de vigência do plano; e até o final dos seis anos de idade, a partir do décimo ano de vigência do plano.
Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica.
Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB:
Meta 8: elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE.)
Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.
Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos, na forma integrada à educação profissional, nos ensinos fundamental e médio.
Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% de gratuidade na expansão de vagas.
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta.
Meta 13: Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% de doutores.
Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores.
Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do art. 61 da Lei nº 9.394/1996, assegurando-lhes a devida formação inicial, nos termos da legislação, e formação continuada em nível superior de graduação e pós-graduação, gratuita e na respectiva área de atuação.
Meta 16: formar, até o último ano de vigência deste PNE, 50% dos professores que atuam na educação básica em curso de pós-graduação stricto ou lato sensu em sua área de atuação, e garantir que os profissionais da educação básica tenham acesso à formação continuada, considerando as necessidades e contextos dos vários sistemas de ensino.
Meta 17: valorizar os profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.
Meta 18: assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.
Meta 19: garantir, em leis específicas aprovadas no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a efetivação da gestão democrática na educação básica e superior pública, informada pela prevalência de decisões colegiadas nos órgãos dos sistemas de ensino e nas instituições de educação, e forma de acesso às funções de direção que conjuguem mérito e desempenho à participação das comunidades escolar e acadêmica, observada a autonomia federativa e das universidades.
Meta 20: ampliar o investimento público em educação de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB no final do decênio.
Foram duas as principais polêmicas durante os debates do texto. A primeira diz respeito à chamada Meta 20 do PNE, que previa que 10% do PIB fosse direcionado para financiar a educação pública. No entanto, a verba será dividida também com programas como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Ciências sem Fronteiras, ou seja, que parte do dinheiro será redirecionado a instituições e projetos que não são 100% públicos e que, no caso do financiamento estudantil, pode privilegiar inclusive as universidades particulares.
A segunda questão é a do trecho que mencionava promover a igualdade de gênero, raça e orientação sexual, questionada pela bancada mais conservadora da Comissão, e finalmente retirada do texto final. "É uma questão do ponto de vista social muito importante e revela um pensamento conservador, calcado em um fundamentalismo religioso muito ruim. A escola tem que ser um espaço onde tudo isso é discutido", afirma Roberto Leão, presidenteConfederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, que participou das reuniões da Câmara.
Parte do dinheiro será redirecionado a instituições e projetos que não são 100% públicos
Daniel Cara, coordenador geral daCampanha Nacional pelo direito à Educação, vai além: "Os temas centrais do que ocorre nas escolas são a discriminação de gênero, a orientação sexual e a raça. Principalmente contra mulheres, não-brancos e homossexuais. Isso é um flagrante desrespeito aos direitos humanos", defende, sem esconder sua indignação ao comentar sobre o fato em uma conversa telefônica.
No entanto, outros assuntos ficaram de lado na hora do debate, que são tão importantes quanto os dois acima mencionados. Entre eles estão um novo sistema de avaliação da educação básica e um relatório que deveria ser elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) em conjunto com o Ministério da Educação a cada dois anos sobre o andamento do PNE. Mas o grande pilar do Plano, segundo os especialistas, é a valorização do professor, que tem um quarto das metas dedicadas a ele. "É a agenda fundamental da qualidade: formação, salário e carreira. E a principal mudança será a equalização com as demais remunerações de profissões públicas", explica Cara sobre uma carreira onde o salário médio é 40% menos do que o de outras profissões com o mesmo nível de formação.
Essas pesquisas são avaliações feitas em grande escala, pasteurizadas, que não são capazes de medir detalhes do cotidiano daquelas pessoas
Roberto Leão
Andreas Schleicher, diretor de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e responsável pelo PISA, o exame aplicado a adolescentes do mundo todo para avaliar o nível de conhecimentos de cada país e onde o Brasil aparece em 58° lugar, disse que "a qualidade do sistema educacional brasileiro não pode exceder a qualidade dos seus professores" e defende que o país já saiu de uma estratégia transformação do sistema educacional "de pobre para adequado" para uma política "de adequado a ótimo".
Schleicher, que está no Brasil para apresentar o novo sistema de avaliação de adultos, o PIAAC (Pesquisa de habilidades de adultos), é bastante positivo sobre a melhora em matemática que o país teve em relação aos últimos anos no PISA e acredita que o PIAAC servirá para "identificar as carências dos adultos que não tiveram acesso a esse tipo de escola que está disponível agora para os mais jovens". Já Leão, não esconde seu ceticismo: "Essas pesquisas são avaliações feitas em grande escala, pasteurizadas, que não são capazes de medir detalhes do cotidiano daquelas pessoas. Serve para cumprir meta, mas não contribui para a melhora da educação".
Outro ponto que os especialistas em educação rebatem é uma das propostas de estender a política das bonificações às escolas que cumprem determinadas metas, algo que os estados de Rio de Janeiro e Minas Gerais já fazem atualmente e que é uma das propostas do candidato à presidência Aécio Neves, do PSDB.
Para Leão, "as avaliações punitivas não são pedagógicas. Não podemos continuar criando professores de primeira e de segunda categoria, porque eles ensinam em diferentes condições", se referindo à violência que a classe está sujeita em determinadas escolas do país, além das estruturas díspares que cada uma pode oferecer aos docentes, variando às vezes de bairro a bairro, em um mesmo município. Por isso, uma das bandeiras dos que estão acompanhando as alterações do PNE é a questão do custo aluno/qualidade, um investimento que está em um dos patamares mais baixos, de acordo com a OCDE.
ONG Todos pela Educação é uma das organizações que defendem que a União deveria complementar o gasto por aluno, quando as prefeituras e estados não alcancem o custo mínimo para garantir a qualidade. "Com mais 37 bilhões de reais do que o Governo já gasta com o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], que são 116 bilhões, atingiríamos o custo aluno/qualidade inicial e ofereceríamos uma boa educação", garante Leão.
Atualmente, as escolas públicas das grandes cidades gastam em média 2.220 reais por ano com cada aluno e, mesmo com o novo PNE, esse valor subiria quando muito para 2.500 reais. A luta agora é pela complementação desse valor pela União, caso os municípios e estados não consigam garantir a qualidade mínima que os coletivos do setor almejam.