05 de abril de 2014 | 2h 04
CLAUDIO J. D. SALES E EDUARDO MÜLLER MONTEIRO - O Estado de S.Paulo
A ocorrência de um racionamento de energia elétrica põe qualquer país em trajetória econômica muito negativa e é interpretada por qualquer governante como pesadelo político tão pesado que a simples menção à palavra "racionamento" (e similares, como "apagão" e "blecaute", apesar de equivocadas) é considerada tabu a ser evitado a qualquer custo por recomendação de marqueteiros e estrategistas eleitorais.
Governantes podem até se preocupar com sua imagem político-eleitoral, mas é preciso aceitar que o limite desse direito acaba quando a sociedade passa a ser privada de informações claras e objetivas sobre a real situação de oferta de energia e sobre as perspectivas futuras. A falta de boa informação, além de subestimar a capacidade de compreensão e reação da sociedade, produz ineficiências e custos adicionais.
A situação pela qual o Brasil passa é de "estresse" (como passou a dizer o próprio governo) caracterizado pela seguinte combinação: 1) todas as usinas termoelétricas disponíveis estão ligadas para poupar água nos reservatórios de usinas hidrelétricas; 2) apesar disso, o nível de armazenamento dos reservatórios na Região Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO), a mais relevante do sistema, está em 35,3%, tendo aumentado apenas 0,7% entre 1.º e 21 de março; 3) o período de chuvas na região (de novembro a abril) se encerra em menos de 45 dias, prazo curto para que os reservatórios tenham cerca de 43% de energia armazenada, volume necessário para atravessarmos o período seco do ano sem maiores estresses.
A matriz elétrica é baseada na lógica hidrotérmica, segundo a qual nossos invejáveis 68% de capacidade instalada de hidrelétricas são complementados com termoelétricas (cerca de 30%), eólicas (cerca de 2%) e solares (fonte em fase de inserção).
Nossa matriz tem a vantagem de ser altamente renovável, mas a desvantagem de depender do regime de chuvas, que, neste ano, e em especial no SE/CO, tem sido de seca muito severa (o terceiro "pior" janeiro e o segundo "pior" fevereiro de nossa história). Esses fatos, porém, não justificam o estresse, pois os modelos computacionais usados no planejamento e na operação do sistema, baseados em séries históricas de chuvas, deveriam dar as respostas tanto para a expansão da oferta de energia quanto para a operação do sistema.
No médio e no longo prazos há muito o que aprimorar, especialmente nos critérios utilizados nos leilões de energia, mas, no curto prazo, decisões urgentes precisam ser tomadas.
Como estamos usando todas as termoelétricas de que dispomos, dependemos fundamentalmente de duas variáveis para chegar ao fim de abril com o nível dos reservatórios necessário: chuvas nas próximas seis semanas (variável que não controlamos) e redução do consumo pela sociedade.
Ao não comunicar a situação atual de forma clara e imparcial, o governo perde excelente oportunidade de compartilhar esse desconforto com os cidadãos brasileiros e de criar alternativas que poderiam evitar um racionamento ou, no mínimo, diminuir os riscos e/ou custos de um eventual racionamento.
A lista de alternativas que surgiriam com uma comunicação mais transparente seria fortemente derivada da mudança de percepção do consumidor sobre a situação de oferta de energia. Afinal, o consumidor brasileiro tem muitas razões para estar confuso. De um lado, ele ouviu da presidente da República que sua tarifa seria reduzida, um incentivo para consumir mais. De outro, ele ouve no noticiário análises sobre risco de racionamento, o que exigiria economizar energia.
Além de uma provável redução voluntária de consumo, o aumento da transparência governamental abriria caminho para a formulação de medidas regulatórias para a promoção da redução incentivada de consumo de forma a restabelecer a lógica econômica que se perdeu e que deve vincular escassez de oferta ao custo da energia.
SÃO PRESIDENTE E DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO ACENDE BRASIL
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