GESNER OLIVEIRA E FERNANDO S. MARCATO
Indústrias que não investem no tratamento de efluentes obtêm vantagem competitiva indevida perante concorrentes com políticas sustentáveis
Ainda que 100% do esgoto doméstico da Grande São Paulo fosse tratado devidamente, o descarte clandestino de efluente industrial traria à região poluição equivalente àquela que toda a população da Região Metropolitana de Paris (12 milhões de habitantes) gera com o seu esgoto doméstico.
Recente estudo elaborado pelo Grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da Fundação Getulio Vargas indica que o total de efluentes líquidos industriais descartados na Região Metropolitana de São Paulo é de 2,7m3/s ou 9,7 milhões de litros a cada hora. É volume suficiente para encher em um dia aproximadamente dois lagos do parque Ibirapuera.
O descarte ocorre de duas formas. A primeira delas está associada ao efluente coletado por redes públicas, mas que não é tratado. Aproximadamente 50% dos esgotos residencial e industrial coletados ainda não são tratados, em que pese o avanço ocorrido nos últimos anos graças ao Projeto Tietê, conduzido pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), e à ampliação do tratamento de esgotos em Guarulhos (Bonsucesso, São João e Várzea do Palácio).
Essa fonte representa, porém, aproximadamente 10% (0,28m3/s) do volume total lançado. Os outros 90% são ilegais, diretamente lançados pelos geradores de efluentes na natureza sem qualquer tratamento ou com tratamento insuficiente.
Além dos prejuízos causados à saúde e ao ambiente, a poluição de mananciais com efluentes de alta carga poluidora encarece os custos de tratamento e, em alguns casos, inviabiliza sua captação para fins de produção e distribuição de água potável. Esses impactos são particularmente importantes na região metropolitana de São Paulo, onde a disponibilidade hídrica é de 201 mil litros/habitante/ano --um décimo do volume considerado adequada pelas Nações Unidas.
A razão que leva certas indústrias a descartar irregularmente seus efluentes tem natureza econômica. O lançamento desses efluentes em corpos hídricos ou na rede pública de esgotos deve atender a determinados padrões de qualidade. Consequentemente, os efluentes devem passar por pré-tratamento ou ser enviados a estações especializadas em tratamento de efluente industrial, o que representa custo adicional.
Indústrias que não investem no tratamento de seus efluentes obtêm vantagem competitiva indevida perante concorrentes que desenvolvem políticas sustentáveis de disposição adequada de seus resíduos.
Para reverter essa situação, é necessário um conjunto de ações que envolvam os setores público e privado. A primeira delas é o fortalecimento da fiscalização e aumento do efetivo da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) na aplicação de multas.
Também é importante a mobilização da sociedade civil e o estabelecimento de protocolo de cooperação entre Cetesb e organizações não governamentais para auxiliar no monitoramento do descarte irregular. Para tanto, seria oportuno replicar o modelo de sucesso de mobilização promovido na década de 1990 pela mídia e pela sociedade civil que levou o governo do Estado a criar o projeto de despoluição do Tietê.
Outra providência é a de condicionar a renovação de alvarás e autorizações à conformidade do lançamento de efluentes. Teria grande impacto a criação de um selo de lançamento sustentável atribuído anualmente às empresas.
Por fim, se faz necessário o engajamento do Ministério Público no papel de fiscalização e denúncia. Seria fundamental que o importante trabalho feito pelo órgão na regularização de aterros sanitários fosse estendido à regularização do lançamento dos efluentes industriais.
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