domingo, 6 de outubro de 2013

A busca constante pelo ‘cheiro de amanhã’ (sobre os 25 anos da Constituição)

Criada na transição do regime autoritário para a democracia, Constituição resiste a falhas e críticas com garantias à cidadania

04 de outubro de 2013 | 22h 00

O Estado de S. Paulo
"Essa Constituição terá cheiro de amanhã, e não cheiro de mofo." Para o então deputado Bernardo Cabral, relator da Assembleia Nacional Constituinte e depois ministro e senador, a profecia de Ulysses Guimarães foi realizada 25 anos depois.
A Assembleia Nacional Constituinte, que iniciou os trabalhos em fevereiro de 1987 e viu a Carta Magna ser promulgada em 5 de outubro de 1988, fora criada num momento em que o País clamava por democracia. Em plena transição pós-regime militar, a hora era de garantir os direitos individuais, a liberdade de expressão, proteger as minorias. Gerar os princípios para a garantia da cidadania.
O clima histórico ajuda a entender a complexidade da Carta Magna, cujo nível de detalhamento é elogiado por uns e tão criticado por outros.
Um dos princípios fundamentais da Constituição de 1988 é a harmonia entre os Poderes. Preservado nos artigos, o pressuposto é violentado ora pela politização do Judiciário, evidente no processo recente de julgamento do escândalo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, ora pela quase promíscua relação do Executivo e do Legislativo, que perde forças no presidencialismo de coalizão marcado pela mão forte das medidas provisórias, instrumento criado pela Constituinte.
Ainda que momentos de conflito tenham marcado a relação entre governo e Congresso de lá para cá, assim como as reclamações desses Poderes contra um eventual excesso de protagonismo do Judiciário, nenhuma crise ameaçou o pilar da democracia ao longo desse quarto de século.
Liberdade. "Você, que talvez não tenha se recordado, ou não tenha vivido os momentos difíceis da nossa Constituição, precisa se lembrar de que naquele tempo tudo era incerteza. Nós vivíamos em um regime autoritário, onde as pessoas não podiam definir o seu futuro. Hoje, nós estamos num regime de liberdade e nós devemos isso à nossa Constituição." O conselho foi dado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardozo em seu perfil no Facebook.
Constituinte na época, FHC, traduz a história para a juventude guiada pela era digital que quer ser conquistada pelos políticos: "O Brasil de hoje, esse Brasil dinâmico, moderno, que tem esperança, que olha o futuro com relativo, senão bom otimismo, começou ali. A democracia".
Fernando Henrique descreveu os debates na Assembleia Constituinte como um momento de otimismo. "Era o Brasil sonhando, era um Brasil quase que enlouquecido por um futuro melhor. Hoje nós podemos dizer que nós demos um passo essencial. Nossa Constituição garante liberdade, garante direito, garante acesso a muitos bens sociais. É uma Constituição que desenhou um Brasil melhor, mais feliz, que queria ter educação, saúde, reforma agrária...", escreveu o ex-presidente.
"(O País) precisa melhorar muito, mas o marco geral foi dado pela nossa Constituição. É uma Constituição, como dizia Ulysses Guimarães, cidadã, dá a cada um de nós a noção de direito. Agora nós temos que exercer."
Vitalidade. Também Constituinte que virou presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, ao celebrar a promulgação da Constituição em evento promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, enfatizou o caráter dinâmico da Constituição, também lembrando a frase de Ulysses. "Esse apenas um quarto de século já constitui o mais longo período de exercício das liberdades democráticas e do Estado de Direito da nossa República. Diante dos imensos desafios do Brasil, a vitalidade da Constituição é um feito a se lembrar."
Lula relembrou períodos de crise, como o afastamento do primeiro presidente eleito de forma direta em 29 anos, quando a Constituição nem havia completado meia década de vigência. "Eu lembro do impeachment do presidente Collor, quando muita gente tinha medo de que o Brasil não estava preparado para aquele gesto. O Brasil não só estava como fez o impeachment e continuou vivendo na normalidade democrática porque as instituições funcionavam."
A Constituição cidadã liderada por Ulysses Guimarães está longe de ser perfeita e, reconhecem os ex-constituintes, advogados e políticos, sofrerá constantes aperfeiçoamentos para garantir os direitos sociais e individuais. "O vigor da Constituição reside nessa combinação de liberdades políticas com direitos sociais coletivos e individuais, em que, em muitos aspectos, foi absolutamente inovadora para a sua época", sentenciou Lula.

Judiciário ganha protagonismo ao julgar corrupção e avalizar pauta social

Ações contra políticos e decisões como cotas e união homoafetiva jogam holofote sobre Corte guardiã da Constituição

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Felipe Recondo - O Estado de S. Paulo
Brasília - O mensalão elevou o Supremo Tribunal Federal à posição de protagonista da história recente do País num teste institucional para a proteção de princípios centrais da Constituição de 1988. Após meses de julgamento, um ex-ministro de Estado, parlamentares e presidentes de partidos políticos foram condenados por violações que começam no artigo 1.º da Constituição, que estabelece o pluralismo político como fundamento da República Federativa do Brasil.
Ao cumprir a missão de guardar a Constituição, prevista no artigo 102, o Supremo alargou sua atuação, pautando discussões e decidindo questões que dividem ainda hoje a sociedade e que não encontravam consenso no Congresso. Enquanto pesquisas de opinião apontavam divisão da sociedade, o tribunal deu sinal verde para a união homoafetiva, liberou a interrupção da gravidez em caso de anencefalia e manteve a política de cotas raciais nas universidades.
Ainda nos últimos anos, o tribunal garantiu o direito de livre manifestação, mesmo que em favor da liberação de drogas, interpretou que a vedação ao nepotismo decorre da própria Constituição, apesar de não haver proibição expressa na lei, manteve a proibição de candidaturas de políticos condenados judicialmente antes da aprovação da Lei da Ficha Limpa, derrubou a Lei de Imprensa e firmou o entendimento de que a Lei de Anistia perdoou crimes praticados por agentes de Estado durante a ditadura militar.
Pela frente, outros testes aguardam deliberação do Supremo. O tribunal terá de decidir um conflito entre direitos fundamentais que envolvem a publicação de biografias de pessoas públicas. O que prevalece: o direito à informação ou o direito à privacidade? A Corte analisará também a constitucionalidade da Lei Seca, discutirá os limites de atuação do Ministério Público e julgará se os governos estaduais devem, obrigatoriamente, investir na reforma de presídios para garantir a dignidade humana dos presos.
Ao julgar a acusação de que integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva teriam desviado dinheiro público para comprar apoio de deputados, o Supremo teve, de uma só vez, de enfrentar seguidas questões constitucionais. Em alguns momentos, o tribunal buscou reinterpretar o que estava expresso na Constituição. Em outras, deparou-se com questões ainda pendentes de uma definição.
Papel. Réus sem foro privilegiado poderiam ser julgados diretamente pelo Supremo Tribunal Federal sem que isso viole o direito ao duplo grau de jurisdição? A quem cabe cassar o mandato de parlamentares condenados judicialmente? Deputados condenados em única e última instância têm direito a novo julgamento, por meio de embargos infringentes? Antes de julgados todos os recursos, os réus podem ser presos? Deputado preso pode exercer o mandato? Decisões do tribunal que expandiram sua atuação, reforçaram o papel proeminente da Corte na vida política e social do País e garantiram notoriedade aos ministros.
A expansão do Supremo reativa o recorrente teste aos Poderes que, pela Constituição, devem ser harmônicos e independentes. O Congresso já reagiu às recentes decisões da Corte, propondo mudanças na Constituição para conter o protagonismo do Supremo. No Executivo, as críticas ao ativismo judicial são constantes e interferem no processo de indicação dos ministros.
Internamente, magistrados da Corte buscam o equilíbrio entre a efetividade da Constituição e a autocontenção, para que não interfiram nas atribuições dos outros poderes. O receio manifestado é de que o Supremo se enfraqueça institucionalmente e comprometa a missão que lhe cabe desde a proclamação da República: guardar a Constituição.

Participação popular ainda precisa ser efetivada

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo
Em dezembro de 1992, o assassinato da atriz Daniela Perez, de 22 anos, causou comoção nacional e pôs à prova o artigo 14 da Nova Constituição, que prevê projetos de lei de iniciativa popular. Mais de 1 milhão de assinaturas foram recolhidas para tornar homicídio qualificado crime hediondo. Sem estrutura para conferir a autenticidade das assinaturas, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados não pôde dar continuidade à tramitação do projeto de lei.
Foi preciso que o então presidente Itamar Franco enviasse um projeto do Poder Executivo. O apoio público garantiu a rápida votação pelo Congresso em 1994. Mas não se tratava de fato da concretização do dispositivo de participação popular.
Segundo a Constituição, um projeto popular tem de contar assinaturas de pelo menos 1% do eleitorado, ou 1,4 milhão de pessoas este ano. Nesses 25 anos, em que quatro projetos do gênero chegaram e foram aprovados no Congresso, porém, não houve a criação de um sistema de validação de assinaturas eficiente. Sem um deputado - ou o Poder Executivo - precisa "abraçar" a causa e se tornar, o autor formal da proposta.
A iniciativa popular exitosa mais recente é a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de pessoas condenadas por colegiados de tribunais. "Foi a mobilização da população que garantiu a inclusão da participação popular na Constituição. O resultado foi positivo, mas está sendo frustrado, porque não há mecanismo de validação das assinaturas e um parlamentar tem que subscrever o projeto", diz o juiz Márlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, agora dedicado a coletar assinaturas para um projeto de reforma política.
Várias propostas estão em discussão no Congresso para assegurar a participação mais efetiva da população no Legislativo, como a que reduz a exigência legal para 0,5% do eleitorado e a que aceita assinaturas recolhidas na internet. Para Pedro Abramovay, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, a inovação da Carta referente à participação popular começa já nos Princípios Fundamentais, ao dizer que "todo o poder emana do povo. "A Constituição oferece ampla participação, mas não oferece mecanismos para que seja exercida. Não poderia o povo requerer, por exemplo, urgência na tramitação de um projeto?", questiona o professor.
Diretor da Avaaz - comunidade de mobilização popular online -, Michael Mohallem cita um exemplo de petição com assinaturas de internautas que seria bem sucedido: o fim do voto secreto. "Mais de 700 mil pessoas assinaram a petição do voto aberto. Os senadores foram inundados por telefonemas e tuítes. Um projeto de iniciativa popular não é garantia de que vai virar lei, mas passam a coexistir a participação popular e a ação dos parlamentares. Porém, ainda há um déficit de participação direta."
Mecanismos. Outros dois mecanismos de participação garantidos na Constituição são o plebiscito (consulta prévia sobre determinado tema) e o referendo (consulta para confirmar ou rejeitar uma lei ou ato normativo).
Nos últimos 25 anos foram usados apenas duas vezes. Em 1993, a população manteve, em plebiscito, o presidencialismo como sistema de governo. Em 2005, um referendo rejeitou a proibição de comercialização de armas de fogo, prevista no Estatuto do Desarmamento. Fora isso, têm sido realizados apenas plebiscitos locais sobre criação de novos Estados e municípios.
Em junho passado, a proposta feita pela presidente Dilma Rousseff de realização de um plebiscito sobre reforma política, como resposta aos protestos que tomavam conta do País, foi enterrada pelos partidos no Congresso Nacional.

Constituição cidadã

Cidadã é o adjetivo que, com simplicidade e realismo, define a Constituição promulgada há 25 anos, em 5 de outubro de 1988. Comandada por Ulysses Guimarães, o político que ganhou a alcunha de “tetrapresidente”, a Assembleia Nacional Constituinte, formada por 559 membros (72 senadores e 487 deputados), foi o marco da transição democrática.
Nesse quarto de século, as mudanças de governo ocorreram todas sob normalidade institucional, mesmo quando um presidente foi afastado. 
O Brasil de 2013 foi às ruas usando as redes sociais como instrumento de mobilização por mais cidadania, e a liberdade de expressão se consolidou como regra do regime democrático. Esse direito, garantido em cláusula pétrea da Carta - não pode ser alterada nem por emenda -, acabou por se transformar em um dos principais valores para uma convivência harmoniosa no País.
Se a Constituição é cidadã, a Nação ainda é claudicante no quesito cidadania. Poucas iniciativas populares, como a Ficha Limpa, se transformaram em lei. Ao mesmo tempo, a Carta está pronta para enfrentar os desafios digitais que surgiram nos últimos 25 anos. 
Promulgada com 250 artigos no texto-base (e mais 97 disposições transitórias), a Constituição teve, ao longo de duas décadas e meia, 48% de seus artigos alterados por emendas. Os três últimos presidentes - FHC, Lula e Dilma - editaram e editam, em média, mais de três medidas provisórias por mês. O polêmico debate das MPs durante a Constituinte assegurou, no sistema presidencialista, excesso de poder ao Executivo e acaba por gerar desarmonia entre os Poderes. 
Fruto de uma construção coletiva, a Carta de 1988, ao idealizar o Estado de bem-estar social, serviu de justificativa para a elevação dos impostos. Municípios e Estados receberam mais recursos do bolo tributário, mas a descentralização dos serviços públicos não tira a discussão sobre o pacto federativo da pauta. 
O adjetivo dado por Ulysses não dá conta, porém, de toda a polêmica sobre o excesso de detalhes do texto. Ainda assim, esses 25 anos não apagaram o mantra do “Sr. Diretas”, morto em 1992: “Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”
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Declínio do império antiamericano


29 de setembro de 2013 | 2h 18

DAWISSON BELÉM LOPES, DAWISSON BELÉM LOPES É PROFESSOR DE , POLÍTICA INTERNACIONAL, COMPARADA , NA UFMG, AUTOR DE POLÍTICA EXTERNA , E DEMOCRACIA NO BRASIL: ENSAIO DE , INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA (UNESP) - O Estado de S.Paulo
Como não acontece usualmente, o discurso feito pela presidente Dilma Rousseff na terça-feira, por ocasião da abertura da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, chamou atenção. Não tanto pelo conteúdo, já sabido de antemão, e sim pela forma, contundente e frontal, de interpelação ao governo dos Estados Unidos - acusado de praticar espionagem eletrônica e, portanto, de violar os direitos humanos dos indivíduos e as leis internacionais que regem o relacionamento dos Estados.
Foi o suficiente, também, para desencavar velhos adjetivos que, com facilidade, têm sido pespegados na política externa do atual governo brasileiro, liderado pelo Partido dos Trabalhadores. Seria, segundo seus críticos mais contumazes, uma condução "ideológica", "terceiro-mundista" e "bolivariana" - logo, "antiamericanista" - dos assuntos internacionais do País. A versão, de tantas vezes repetida, ganhou o status de premissa, de ponto de partida para as análises mais respeitáveis.
Mas essa não foi a primeira vez que o Brasil pôs o dedo em riste e divergiu, abertamente, de seu coirmão do norte. E, dificilmente, terá sido a última. A rigor, desde o Barão do Rio Branco, considerado pela literatura o artífice da nossa "opção americanista" (em detrimento da histórica proximidade que mantínhamos com o continente europeu no século 19), colecionam-se momentos em que os interesses dos dois países - Brasil e Estados Unidos - não coincidiram.
Já no longínquo ano de 1907 o jurista Rui Barbosa, designado plenipotenciário brasileiro para uma grande conferência multilateral na Holanda, fez-se notar por sua postura altiva e, sobretudo, combativa das propostas então defendidas pela delegação estadunidense - daí se originando o apelido "Águia de Haia". Durante os primeiros anos da 2ª Guerra Mundial, entre 1939 e 1942, a política externa brasileira, sob a presidência de Getúlio Vargas, acomodou flertes explícitos com a Alemanha nazista - o que poderia nos levar ao confronto armado com os EUA. A declaração de guerra ao Eixo, contudo, sepultou dúvidas sobre a nossa lealdade hemisférica. Significava a volta ao velho ninho do americanismo.
Eurico Gaspar Dutra foi, provavelmente, ao longo de toda a história republicana da política exterior, o presidente que mais resolutamente alinhou o Brasil às posições estadunidenses. Mais até do que o marechal Castelo Branco (cuja diplomacia americanista foi chamada, didaticamente, de "a correção de rumos"). O mandato de Dutra (1946-1951) correspondeu ao que o historiador Gerson Moura batizou de "o alinhamento sem recompensa", uma vez que, embora o Brasil tivesse apoiado os Estados Unidos na guerra (a partir de 1942) e seguisse associado àquele país, pouco recebeu de concreto em contrapartida: não veio o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, tampouco um Plano Marshall para a América Latina.
Dessa maneira, era natural que todos os sucessores de Dutra se afastassem de seu padrão de americanismo, percebido como extremado e objetivamente malsucedido. Na exposição dos motivos para o aumento das divergências entre Brasil e EUA, a partir da segunda metade do século 20, ganhou força a narrativa de que o crescimento econômico e demográfico brasileiro, associado à urbanização e aos investimentos militares, teria tornado o País mais confiante para, gradualmente, distanciar-se do gigante do norte.
Todavia, não foi o mero acúmulo de recursos de poder que levou ao distanciamento brasileiro das posições estadunidenses. Deu-se, concomitantemente, o incremento de nossa capacidade de formular a própria norma de conduta para a política internacional. Ou, em chave diplomática, o País "autonomizou-se", progressivamente, em relação ao resto do mundo.
Senão, vejamos: em trabalho acadêmico recente, o cientista político Octavio Amorim Neto identificou, a partir da observação das votações na ONU, que as políticas externas de dois reputados americanistas da Nova República - FHC e Collor de Mello - eram consistentemente menos alinhadas às dos governos estadunidenses do que aquelas conduzidas por outros dois presidentes, abertamente comprometidos com ideais de esquerda na política externa e, alegadamente, "antiamericanistas" - Jânio Quadros e João Goulart.
A conclusão que se segue é imediata. O alinhamento diplomático aos Estados Unidos há que ser compreendido não como essência ou ideologia perene da diplomacia nacional, mas como uma escolha pragmática dos formuladores da inserção internacional brasileira, passível de reavaliação contínua, conforme o cálculo estratégico dos homens de Estado de um determinado momento histórico. É por isso que, à medida que passamos a caminhar com as próprias pernas, a tendência é convergir menos, em questões substantivas, com este ou aquele país em específico.
Assim, o processo de autoafirmação do Brasil no cenário internacional, transformado em orientação de política externa, guarda pouca conexão direta com o antiamericanismo. O discurso de Dilma, pronunciado há pouco e já tão repercutido, é antes a indicação de uma mudança qualitativa profunda em nossas relações bilaterais e multilaterais. Em suma: o fenômeno que está em discussão é mais estrutural do que conjuntural.