segunda-feira, 19 de agosto de 2013

'Rotas da Ditadura' entram no mapa do País'


Atuação de Comissões da Verdade estimula criação de memoriais da luta política em locais usados pela repressão militar; em SP haverá 3 centros

18 de agosto de 2013 | 2h 13

ROLDÃO ARRUDA - O Estado de S.Paulo
Chamado de "sucursal do inferno" nos anos da ditadura, o prédio que abrigava a sede do DOI-Codi em São Paulo, no número 921 da Rua Tutoia, terá o seu destino decidido nos próximos dias. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) vai votar se aceita ou não pedido de tombamento do local. Se aprovado, o prédio onde hoje funciona o 36.º Distrito Policial (Vila Mariana) passará a abrigar um memorial da luta contra a tortura e a ditadura.
Será o terceiro centro cultural da cidade destinado a preservar a memória da resistência e da repressão políticas. Os outros dois, ambos na região central, são o Memorial da Resistência, que funciona desde 2009 na antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops); e o Memorial da Luta pela Justiça, em fase de instalação no centenário casarão que abrigou a 2.ª Auditoria da Justiça Militar, na Rua Brigadeiro Luís Antônio. Juntos, vão compor o que está sendo chamado de Rota da Ditadura, com uma função didática parecida com a que foi montada em países europeus para lembrar as atrocidades do nazismo.
As três iniciativas fazem parte de uma onda que se estende pelo País, animada pelos debates provocados pela Comissão Nacional da Verdade e colegiados similares que não param de se multiplicar pelos Estados, municípios, universidades, sindicatos e estatais.
O governo federal é a principal força desse movimento. O Ministério da Justiça está investindo R$ 24 milhões na construção do Memorial da Anistia, no antigo prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. A inauguração, adiada duas vezes, agora está prevista para o final do governo da presidente Dilma Rousseff, uma ex-presa política.
Trilha da Anistia. Paralelamente, a Comissão da Anistia, vinculada à pasta da Justiça, deu início recentemente à instalação de dez pequenos memoriais para lembrar mortos e desaparecidos na ditadura. Vão compor a chamada Trilha da Anistia.
O primeiro, uma placa com os nomes de mortos e desaparecidos em Minas, foi instalado em Belo Horizonte, diante da antiga sede do Dops. O segundo está em Curitiba, na praça onde funcionou o comitê paranaense da luta pela anistia. O terceiro deve ser fincado na Cinelândia, no centro do Rio, para lembrar os militares que se opuseram ao golpe militar de 1964 e sofreram perseguições. O tipo de memorial e o local exato estão sendo discutido com o prefeito Eduardo Paes (PMDB).
As próximas capitais a integrar a trilha serão Fortaleza, São Paulo e Goiânia. O projeto dá continuidade à série denominada Pessoas Imprescindíveis, desenvolvida pela Secretaria de Direitos Humanos durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ela resultou na instalação de 27 memoriais - a maioria deles constituídos por placas com nomes de cidadãos mortos por resistirem à ditadura.
O governo federal também participa de projetos patrocinados por governos estaduais. É o caso do Memorial da Democracia, no Recife. Iniciativa do governador Eduardo Campos (PSB), que cedeu o local, o histórico prédio do Liceu de Artes e Ofício, o futuro museu terá aportes da União. A estimativa é de cerca de R$ 6 milhões.
O novo memorial vai integrar a Rota da Ditadura - uma lista de locais históricos da capital pernambucana que têm ligações com a repressão no regime militar, entre 1964 e 1985. Inspiradora do projeto paulistano, a rota integra o guia turístico Recife Lugar de Memória, patrocinado pela prefeitura da capital e o Ministério da Justiça.
Sua idealizadora, a ex-presa política Amparo Araújo, atual titular da Secretaria Estadual de Articulação Internacional, diz que começou a pensar no assunto a partir de visitas a países da América Latina que também enfrentaram ditaduras e estão cuidando de preservar a memória do período. "É o melhor caminho para evitar que a violência se repita, que a tortura continue ocorrendo no País", diz.
Um dos locais de visita sugeridos é a Praça Padre Henrique - em homenagem ao auxiliar de d. Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife e um dos mais barulhentos opositores do regime militar. O padre foi assassinado em 1969, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.
No centro da praça, na Rua Aurora, nas proximidades da antiga sede do Dops de Pernambuco, destaca-se a escultura Tortura Nunca Mais, do escultor Demétrio Albuquerque. Representa uma vítima pendurada num pau de arara - um dos mais conhecidos instrumentos de tortura na repressão.
Recife foi uma das primeiras cidades a inaugurar um monumento para lembrar as vítimas da ditadura, em 1993, e é uma das que mais investem na memória do período. Segundo Amparo, alguns projetos contam com recursos até de países europeus. Em São Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), responsável pelo Memorial da Luta pela Anistia, na antiga sede da Auditoria Militar, pretende captar recursos por meio de incentivos na Lei Rouanet.
Para o presidente da Comissão da Anistia e titular da Secretaria Nacional de Justiça, Paulo Abrão, a onda de memorialização no País segue a tendência mundial de preservação de sítios que ajudam novas gerações a valorizar a democracia. "O que temos ainda não dá conta de todas as aspirações dos movimentos sociais, mas já é um passo importante."

domingo, 18 de agosto de 2013

Luz na matriz - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 18/08
"A luz do sol que atinge a terra durante 90 minutos é suficiente para fornecer energia por um ano". A frase que piscou na minha timeline tinha sido tuitada pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, e retuitada pelo meu colega André Trigueiro. Apesar disso, a energia solar é praticamente inexistente na matriz energética do Brasil.

Dizem que a energia solar é cara. Foi o mesmo que me disse a então ministra Dilma Rousseff sobre energia eólica, em entrevista que fiz com ela no Ministério das Minas e Energia. Ela assumiu prometendo mudar os erros do passado da falta de planejamento que havia levado ao apagão de 2001. À época, Dilma demonstrou desinteresse pela energia dos ventos.

Hoje, energia eólica é a que mais cresce no Brasil, porque ocorreu o previsto: os investimentos no setor levaram ao barateamento dos custos, que permitiram novos projetos. Hoje, o esquisito é a falta de linha de transmissão que faz com que parques eólicos produzam em vão. Mesmo assim, a ampliação já licitada vai triplicar a capacidade de geração dessa energia nos próximos anos, e a EPE se prepara para realizar o maior leilão de eólica do país.

Foram feitas mais exigências, o preço foi reduzido, e criada uma discriminação. Serão dois os leilões deste fim de agosto. Um, no dia 23, só para eólica, em que o preço máximo é de R$ 117 o MWH e só serão aceitos projetos perto das linhas de transmissão existentes, como se fosse culpa das eólicas não terem sido feitas as linhas pela Chesf nos projetos hoje parados. No dia 28, haverá um leilão misto em que solar e eólica não entram. Serão permitidas as pequenas centrais hidrelétricas, as térmicas e biomassa. Mas neste caso não há exigência de localização, e o preço máximo permitido é mais elevado: R$ 140 o MWH. Ou seja, o governo aceita comprar uma energia suja, como a do carvão, por um preço maior do que aceita comprar por uma energia limpa. Vá entender o Brasil!

O setor de energia vive uma série de problemas: a conta da redução do preço da energia ao consumidor residencial e industrial só faz aumentar. A notícia da queda do preço da energia era boa e foi tratada com ares de palanque. Melhor seria, se fosse consequência de uma queda do custo. Mas o governo diminuiu o preço quando o custo estava subindo. Com pouca água nos reservatórios, foram ligadas as térmicas que são muito caras. Há um gargalo energético de curto prazo no país e, por isso, a energia comprada no mercado livre disparou.

As distribuidoras tiveram que reduzir a conta quando o preço estava maior. Essa diferença de custo das térmicas e da compra no mercado livre será paga pelo Tesouro. Segundo "O Estado de S.Paulo", já chega a R$ 17 bi. Um número espantoso. Uma decisão populista do governo Dilma custará R$ 17 bilhões. O Tesouro vai aumentar a dívida para cobrir o rombo. O jornal se baseou em um relatório da consultoria PSR, do especialista Mário Veiga, que já assessorou o governo no tema.

Uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética determinou o rateio entre todas as geradoras do custo extra do uso das térmicas. Foi assim, sem mais nem menos. Isso significa que pagam as limpas pelas sujas, ou seja, geradoras de energia mais limpa vão pagar a conta de quem emite gases de efeito estufa e polui. Empresas entraram na Justiça, conseguiram liminar, não pagaram, a liminar caiu; a briga promete ser longa.

Enquanto isso, nas hidrelétricas do Rio Madeira, uma falha de planejamento da compatibilização dos sistemas de segurança entre geração e transmissão criou um impasse. Quem deu a notícia foi o "Valor". Tudo o que o governo fez foi tentar isentar o Ministério das Minas e Energia de responsabilidade pelo erro. Se não é o MME, quem seria o responsável? A EPE? O ONS? O CNPE? A Aneel? Pelo governo, foram as empresas de Jirau e Santo Antônio que deveriam ter cumprido algo que não estava no edital, nem foi previsto pelo governo. Se não for resolvido e as empresas não puderem pôr no sistema a energia que gerarem, custará R$ 200 milhões por mês, me contou uma das fontes do setor.

Quanto à energia solar, continua desprezada, apesar do seu brilho. Se o governo fizer a conta do custo de outras fontes mais polêmicas ou mais sujas, talvez comece a ver a luz da energia solar que merece ter uma fatia na matriz de um país tão ensolarado.

Entenda Basileia 1, 2 e 3 - CELSO MING


O ESTADÃO - 18/08

O grande risco de qualquer Banco é o descasamento. Deve aos depositantes e aos aplicadores à vista ou, em geral, a prazos curtos, e empresta a prazos quase sempre mais longos. Se um grande número de credores se atira para buscar seu dinheiro de volta, ele pode não estar lá, porque os devedores do Banco têm prazo para devolvê-lo.
Esta é a principal razão pela qual um Banco tem de ter reservas disponíveis em proporção a seus empréstimos. Nas horas de sufoco, os bancos centrais também atuam como emprestadores de liquidez. Em compensação, está obrigado a supervisionar e fiscalizar cada Banco.
A partir de 1988, uma instituição com nome em inglês e com sede em Basileia, na Suíça, bank of International Settlements (BIS), que atua como Banco Central dos bancos centrais de 27 países, inclusive do Brasil, decidiu coordenar a uniformização de procedimentos de segurança. Foi, então, uma necessidade imposta pela crescente globalização das finanças. Por isso, por meio de acordos entre bancos centrais, o BIS passou a exigir dos bancos um capital mínimo de 8% sobre o volume de seus ativos (financiamentos e aplicações de recursos), de maneira a proteger os depositantes e evitar quebras. Assim, os índices de Basileia 1 foram o primeiro acordo global do gênero. No Brasil, começaram a valer em 1994.
Logo em seguida, os bancos e os especialistas argumentaram que não fariam sentido exigências uniformes de capital para ativos de qualidade diferente. Títulos dos Estados Unidos e da Alemanha, por exemplo, considerados sem risco, não são comparáveis a empréstimos sujeitos a calotes. Em 2001, o BIS coordenou novo acordo, o Basileia 2, que passou a levar em conta diferenças de risco de crédito, risco operacional e os preços de mercado. No Brasil, passou a ser implantado em 2007.
A crise que estourou em 2008, mostrou que títulos carimbados com AAA (praticamente sem risco) de um dia para o outro passaram a ser considerados lixo tóxico, e bancos sólidos, de repente, se viram na bancarrota. O pânico se generalizou, depositantes correram para sacar seus recursos e até mesmo os bancos deixaram de confiar uns nos outros. Logo se viu que a segurança bancária é refém de outra contingência: o nível de liquidez (disponibilidade de dinheiro) nos mercados.
Novo conjunto de normas de segurança foi definido em 2010, para começar a ser observado até 2019. Há nove dias, o presidente do Banco Central do Brasil,  Alexandre TombiniI, avisou que o Acordo de Basileia 3 começa a ser implantado por aqui a partir de 1º de outubro.
São quatro as determinações (pilares) principais. Primeira, a definição de capital exigido passa a ser mais rigorosa. Só podem ser contabilizados como recursos próprios ativos conversíveis imediatamente em dinheiro vivo.
A segunda determinação prevê acumulação pelas instituições financeiras de reservas adicionais, denominadas capital de conservação e capital contracíclico. Devem funcionar como colchões destinados a absorver riscos e perdas em momentos de alto estresse financeiro e econômico.
O terceiro pilar institui dois índices de disponibilidades: um de curto prazo e outro de longo prazo. O objetivo é levar os bancos a contar com recursos de alta liquidez em situações de crise aguda e, simultaneamente, com fontes mais estáveis de captação de recursos.
A quarta, é a criação de um índice de alavancagem de, no máximo, 3% em relação ao capital principal da instituição (Nível I). No sistema bancário, a alavancagem corresponde à proporção de empréstimos que uma instituição pode fazer em relação ao seu capital. Pelas novas regras, os bancos não devem emprestar mais de 33 vezes o seu capital.
Tudo isso implica enorme transformação das práticas de gerenciamento de riscos e de modelos de negócios em vigor no sistema bancário global. Estudo elaborado pela consultoria PwC adverte que o capital se tornará mais escasso e mais caro. A necessidade de manter uma carteira com alta qualidade de ativos líquidos aumentará os custos de oportunidade e reduzirá os retornos (lucros) dos bancos. Outro efeito será maior competição por depósitos e maior custo de captação de recursos.
A principal consequência para o cliente do Banco é uma possível redução da oferta de crédito. Porque estarão obrigados a reter capital de qualidade, a tendência é de que os bancos se concentrem nos financiamentos de menor risco.