Atuação de Comissões da Verdade estimula criação de memoriais da luta política em locais usados pela repressão militar; em SP haverá 3 centros
18 de agosto de 2013 | 2h 13
ROLDÃO ARRUDA - O Estado de S.Paulo
Chamado de "sucursal do inferno" nos anos da ditadura, o prédio que abrigava a sede do DOI-Codi em São Paulo, no número 921 da Rua Tutoia, terá o seu destino decidido nos próximos dias. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) vai votar se aceita ou não pedido de tombamento do local. Se aprovado, o prédio onde hoje funciona o 36.º Distrito Policial (Vila Mariana) passará a abrigar um memorial da luta contra a tortura e a ditadura.
Será o terceiro centro cultural da cidade destinado a preservar a memória da resistência e da repressão políticas. Os outros dois, ambos na região central, são o Memorial da Resistência, que funciona desde 2009 na antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops); e o Memorial da Luta pela Justiça, em fase de instalação no centenário casarão que abrigou a 2.ª Auditoria da Justiça Militar, na Rua Brigadeiro Luís Antônio. Juntos, vão compor o que está sendo chamado de Rota da Ditadura, com uma função didática parecida com a que foi montada em países europeus para lembrar as atrocidades do nazismo.
As três iniciativas fazem parte de uma onda que se estende pelo País, animada pelos debates provocados pela Comissão Nacional da Verdade e colegiados similares que não param de se multiplicar pelos Estados, municípios, universidades, sindicatos e estatais.
O governo federal é a principal força desse movimento. O Ministério da Justiça está investindo R$ 24 milhões na construção do Memorial da Anistia, no antigo prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. A inauguração, adiada duas vezes, agora está prevista para o final do governo da presidente Dilma Rousseff, uma ex-presa política.
Trilha da Anistia. Paralelamente, a Comissão da Anistia, vinculada à pasta da Justiça, deu início recentemente à instalação de dez pequenos memoriais para lembrar mortos e desaparecidos na ditadura. Vão compor a chamada Trilha da Anistia.
O primeiro, uma placa com os nomes de mortos e desaparecidos em Minas, foi instalado em Belo Horizonte, diante da antiga sede do Dops. O segundo está em Curitiba, na praça onde funcionou o comitê paranaense da luta pela anistia. O terceiro deve ser fincado na Cinelândia, no centro do Rio, para lembrar os militares que se opuseram ao golpe militar de 1964 e sofreram perseguições. O tipo de memorial e o local exato estão sendo discutido com o prefeito Eduardo Paes (PMDB).
As próximas capitais a integrar a trilha serão Fortaleza, São Paulo e Goiânia. O projeto dá continuidade à série denominada Pessoas Imprescindíveis, desenvolvida pela Secretaria de Direitos Humanos durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ela resultou na instalação de 27 memoriais - a maioria deles constituídos por placas com nomes de cidadãos mortos por resistirem à ditadura.
O governo federal também participa de projetos patrocinados por governos estaduais. É o caso do Memorial da Democracia, no Recife. Iniciativa do governador Eduardo Campos (PSB), que cedeu o local, o histórico prédio do Liceu de Artes e Ofício, o futuro museu terá aportes da União. A estimativa é de cerca de R$ 6 milhões.
O novo memorial vai integrar a Rota da Ditadura - uma lista de locais históricos da capital pernambucana que têm ligações com a repressão no regime militar, entre 1964 e 1985. Inspiradora do projeto paulistano, a rota integra o guia turístico Recife Lugar de Memória, patrocinado pela prefeitura da capital e o Ministério da Justiça.
Sua idealizadora, a ex-presa política Amparo Araújo, atual titular da Secretaria Estadual de Articulação Internacional, diz que começou a pensar no assunto a partir de visitas a países da América Latina que também enfrentaram ditaduras e estão cuidando de preservar a memória do período. "É o melhor caminho para evitar que a violência se repita, que a tortura continue ocorrendo no País", diz.
Um dos locais de visita sugeridos é a Praça Padre Henrique - em homenagem ao auxiliar de d. Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife e um dos mais barulhentos opositores do regime militar. O padre foi assassinado em 1969, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.
No centro da praça, na Rua Aurora, nas proximidades da antiga sede do Dops de Pernambuco, destaca-se a escultura Tortura Nunca Mais, do escultor Demétrio Albuquerque. Representa uma vítima pendurada num pau de arara - um dos mais conhecidos instrumentos de tortura na repressão.
Recife foi uma das primeiras cidades a inaugurar um monumento para lembrar as vítimas da ditadura, em 1993, e é uma das que mais investem na memória do período. Segundo Amparo, alguns projetos contam com recursos até de países europeus. Em São Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), responsável pelo Memorial da Luta pela Anistia, na antiga sede da Auditoria Militar, pretende captar recursos por meio de incentivos na Lei Rouanet.
Para o presidente da Comissão da Anistia e titular da Secretaria Nacional de Justiça, Paulo Abrão, a onda de memorialização no País segue a tendência mundial de preservação de sítios que ajudam novas gerações a valorizar a democracia. "O que temos ainda não dá conta de todas as aspirações dos movimentos sociais, mas já é um passo importante."
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