domingo, 4 de agosto de 2013

Gestão de verbas para educação (editorial do Estadão)


04 de agosto de 2013 | 2h 11

O Estado de S.Paulo
Se ainda havia alguma dúvida de que o problema da educação brasileira não é de escassez de verbas, mas de falta de gestão eficiente e responsável, ela acaba de ser desfeita pelo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação Básica (Fundeb).
Criado em 2006 para complementar os investimentos dos Estados e municípios em educação, o Fundeb transfere mais de R$ 10 bilhões por ano para o pagamento de salários de professores e servidores técnicos, financiamento da merenda e do transporte escolares e aquisição de equipamentos. A distribuição desses recursos é proporcional ao número de alunos das redes públicas estaduais e municipais de ensino básico, obtido no último Censo Escolar.
Segundo a CGU, cuja função é defender o patrimônio público, tornar as decisões governamentais mais transparentes e prevenir e coibir a corrupção na máquina governamental, em 73,7% dos 180 municípios por ela fiscalizados, entre 2011 e 2012, foram constatados desvios, gastos perdulários, falhas administrativas, contratos irregulares, superfaturamentos e fraudes em processos de licitação para a compra de materiais e contratação de serviços pela rede pública de ensino fundamental.
Além disso, em 69,3% dos municípios fiscalizados foram detectados gastos incompatíveis com os objetivos do Fundeb, como aquisição de automóveis de luxo e tratores. Em vários casos, o dinheiro desviado por prefeitos foi utilizado para financiar campanhas eleitorais, pagar bebidas alcoólicas e despesas pessoais e comprar lanchas, chácaras e gado.
Nas licitações, os vícios mais graves foram a falta de competitividade, direcionamento dos editais e simulação de concorrência, com farta utilização de notas frias, documentos fiscais falsificados e empresas de fachada com endereços inexistentes, envolvendo prefeitos, secretários municipais, vereadores, servidores administrativos e prestadores de serviços. Os auditores da CGU constataram que a comissão cobrada das empresas vencedoras em licitações fraudadas era, em média, de 20%.
Também descobriram movimentação das verbas do Fundeb fora da conta específica e até aplicação do dinheiro no mercado financeiro. Detectaram ainda que 21,9% dos municípios fiscalizados não destinaram 60% dos recursos para pagamento do professorado, como determina a lei que criou o Fundeb.
Segundo os técnicos da CGU, em 58% dos Conselhos de Acompanhamento do Fundeb, criados para promover o "controle social" dos gastos com ensino básico, nenhum conselheiro tinha capacitação técnica para exercer o cargo. Além disso, 50% desses conselhos não cumpriram seu papel, deixando de monitorar a execução das verbas do Fundeb; 56% não acompanharam a aplicação dos recursos do programa Brasil Alfabetizado; 59% não supervisionaram a realização do Censo Escolar; e 62,9% não fiscalizaram a elaboração da proposta orçamentária anual.
O relatório da CGU registra ainda casos de saques dos recursos do Fundeb na "boca do caixa" no valor de R$ 1,2 milhão, momentos antes de os novos prefeitos tomarem posse. Isso mostra "a fragilidade no controle da aplicação dos recursos", concluíram os auditores da CGU, alegando que, enquanto a legislação do Fundeb não for mudada para tornar as prestações de contas mais rigorosas, a farra com os recursos transferidos pela União para as redes estaduais e municipais de ensino básico vai continuar.
Por sua vez, o Ministério da Educação informou, em nota oficial, que já foi editado decreto determinando que as movimentações dos recursos do Fundeb sejam realizadas apenas por meio eletrônico e proibindo saques diretos na "boca do caixa".
As estatísticas oficiais mostram que os valores gastos pelo poder público por aluno vêm crescendo. Mas o relatório da CGU pondera que não há como avaliar se esse crescimento está, de fato, melhorando a qualidade das escolas públicas.

O déficit de leitos hospitalares


04 de agosto de 2013 | 2h 11

O Estado de S.Paulo
Enquanto o governo federal gasta tempo e energia com o seu polêmico programa Mais Médicos, os verdadeiros problemas da saúde - a falta de leitos hospitalares e a desatualização da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) - continuam a se agravar. A ausência de médicos em regiões carentes - seja por falta desses profissionais, como pretende o governo, seja por sua má distribuição - é uma questão menor, se comparada com o risco de colapso do sistema de saúde, que pode ocorrer se não for enfrentada com determinação a crise por que passam os hospitais.
Os dados de um levantamento realizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), publicados pelo jornal Valor, são altamente preocupantes. Eles permitem montar dois cenários. No mais otimista, se o crescimento do número de clientes dos planos de saúde for de 2,1% ao ano, serão necessários pelo menos 13,7 mil novos leitos até 2016, com investimentos estimados de R$ 4,3 bilhões. Essa projeção considera o desempenho do setor no ano passado, de 2,1%, o menor registrado nos últimos sete anos.
Se a tarefa já é difícil nessas bases, a situação se complica ainda mais no cenário em que se considera a média de crescimento do setor nos últimos cinco anos, que foi de 4,1%. Nesse caso, que é o mais realista, a necessidade de novos leitos sobe para 23,2 mil, com investimento de R$ 7,3 bilhões. Consulta feita pelo Valor junto a 20 grupos hospitalares revelou que eles planejam abrir apenas 4,3 mil leitos até 2016, isto é, pouco menos de um terço do necessário no melhor cenário.
Em vez de aumentar, acompanhando a demanda, o número de leitos nos hospitais públicos e privados diminuiu de 453.724 para 448.954 (4.770 a menos), entre 2007 e 2012. Atualmente, o Brasil tem 2,3 leitos por mil habitantes, taxa inferior à do padrão estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, que vai de 3 a 5.
Como se chegou a essa situação? Nos últimos cinco anos foram fechados 286 hospitais, o que agravou o déficit que já se acumulava. A maior parte deles - lembra o presidente da Anahp, Francisco Balestrin - era de hospitais que atendiam pacientes do SUS e dos planos de saúde. "Eram hospitais pequenos, normalmente localizados no interior ou na periferia, que precisavam do SUS como complemento de receita", diz ele. Aí está uma das causas principais da crise da saúde no Brasil - a defasagem da tabela de procedimentos do SUS, que cobre apenas 60% dos custos.
Não há como sobreviver por muito tempo nessas condições e a prova está aí. As Santas Casas e os hospitais filantrópicos têm conseguido resistir graças a atos de benemerência, ao endividamento junto aos bancos, cujas taxas de juros são o que todos sabem, e a medidas emergenciais de socorro adotadas de tempos em tempos pelo governo. Uma situação que não pode mais durar, pois chega a seu limite. Essas entidades já estão se aproximando perigosamente da situação sem saída em que se viram aqueles 286 hospitais.
Como elas são responsáveis por 45% das internações do SUS e 34% dos leitos hospitalares do País, é evidente que seu eventual colapso será também o de todo o sistema de saúde pública. Há muito tempo que sucessivos governos lidam de maneira irresponsável com esse problema, acreditando que haverá sempre um "jeitinho" - com uma ajudazinha aqui e outra ali - de evitar a falência das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos. Mas, como o dinheiro referente aos 40% dos custos que o SUS não cobre não cai do céu, o tempo está se esgotando. A melhor prova disso - se é que alguma prova ainda era necessária - é o fechamento dos 286 hospitais que dependiam do SUS.
Para sair da grande crise que se avizinha, é indispensável começar a rever logo a tabela do SUS. Ao mesmo tempo, é preciso também encontrar formas de financiamento a longo prazo para a construção de novos hospitais, como defende Balestrin, o que depende do governo. No ponto a que se chegou, ou se age com rapidez ou as consequências serão desastrosas.

Livro relata horrores de hospício mineiro


"Holocausto Brasileiro" traz histórias do Hospital Colônia de Barbacena, onde morreram mais de 60 mil pessoas
Para a autora, 'país desconhecia uma de suas piores tragédias' porque internos eram 'indesejados sociais'
ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
Francisca dos Reis trabalhava na cozinha do hospital e queria uma vaga como assistente de enfermagem. Foi encaminhada para um teste. Viu uma de suas colegas colocar um pedaço de cobertor na boca de um homem amarrado, molhar a testa dele e acionar a engenhoca.
A descarga elétrica matou o paciente na hora. Seu corpo foi embrulhado com um lençol e deixado no chão. A segunda sessão de eletrochoque aconteceu em seguida. O homem era mais jovem. Morreu imediatamente. Francisca desistiu de concorrer ao posto na enfermaria.
Era 1979 e os eletrochoques faziam parte do cotidiano do Hospital Colônia de Barbacena (MG), o maior hospício do Brasil. As descargas eram tão fortes que chegavam a afetar o abastecimento de luz do município mineiro, conhecido como a "cidade das rosas".
Lá, em 1903, o hospício começou a funcionar. Foi construído nas terras da antiga Fazenda Caveira, que Joaquim Silvério dos Reis recebeu como prêmio por sua delação ao movimento dos inconfidentes mineiros.
Ali, 60 mil pessoas morreram. Nos anos 1960, 5.000 pacientes habitavam o lugar projetado para 200. Dormiam sobre capim no chão, andavam nus, bebiam água do esgoto, comiam em cochos, passavam frio e fome.
O relato dessa rotina de está em "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, 40, ganhadora de prêmios Esso e Vladimir Herzog.
"O Colônia tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos", escreve Arbex.
Por telefone, ela diz à Folha que tomou conhecimento da tragédia de Barbacena em 2009, folheando um livro do governo do Estado onde apareciam fotos do interior do hospício feitas em 1961 para a revista "O Cruzeiro". Eram imagens chocantes de degradação e abandono.
Arbex, repórter especial do jornal "Tribuna de Minas" (em Juiz de Fora), começou uma apuração sobre o caso e publicou reportagens em 2011. No ano passado, resolveu aprofundar o trabalho.
Tirando dinheiro do próprio bolso, viajou nos finais de semana e entrevistou mais de cem pessoas em três Estados. Os testemunhos de internos, médicos e funcionários que passaram pelo hospício são a base do livro.
A obra relata histórias como a de Antônio Gomes da Silva, levado ao hospital quando tinha 25 anos. Aos 68, ele conta: "Não sei por que me prenderam. Depois que perdi meu emprego, tudo se descontrolou. Da cadeia, me mandaram para o hospital, onde eu ficava pelado, embora houvesse muita roupa na lavanderia. Se existe inferno, o Colônia era esse lugar". Ele só deixou o hospício em 2003.
Arbex contabiliza ao menos 30 bebês nascidos no Colônia doados sem o consentimento das mães. E narra o ato desesperado de algumas grávidas, que jogavam suas fezes no corpo para se proteger de ataques de funcionários.
A jornalista diz que o que mais a chocou foi constatar que "o país desconhecia uma de suas piores tragédias". Para ela, o silêncio de décadas ocorreu porque os internos "eram indesejados sociais, e existe uma teoria de limpeza social que vigora até hoje".
Na sua visão, a situação em prisões e em outros locais ainda reflete essa "invisibilidade social". "O modelo da internação compulsória não seria uma reedição desses abusos sob a forma de política pública? A sociedade precisa discutir essas questões."
A ditadura sufocou o drama de Barbacena, denunciado em 1961 por "O Cruzeiro", e o caso só voltou a ganhar relevo em 1979, quando novas reportagens e denúncias sobre o hospício puderam circular.
A partir dos anos 1980, o hospício foi sendo modificado e desativado; pacientes foram transferidos para instituições menores.
Até 1994 havia celas no hospital. Hoje, o lugar atende várias especialidades médicas. Na área psiquiátrica ainda estão 160 pessoas remanescentes do antigo Colônia.
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Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva"
Assessoria de Imprensa
Thaís Barreto