quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sem razão para pessimismo


ALBERTO TAMER - O Estado de S.Paulo
Fim de ano, hora de balanço e previsões sobre o que pode acontecer a partir de agora. Só que esse agora não muda com o virar da folhinha e a troca de calendário. É tudo igual. O desafio é alterar esse "igual", que era bom nos primeiros meses do ano, com a herança do excepcional crescimento em 2010, para melhor porque piorou muito nos últimos meses.
Não vamos cansar o leitor com mais uma inundação de números sobre o desempenho da economia brasileira. Vamos nos limitar ao mínimo possível. O leitor desta coluna já sabe que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro termina o ano com um crescimento de praticamente zero nos dois últimos trimestres, apontando para recessão técnica. Foi o efeito conhecido das medidas macroprudenciais adotadas para conter a inflação.
A economia vai crescer menos este ano, talvez 2,8%, mas deve crescer mais em 2012 porque estão prontas novas reduções de impostos, juros, aumento do crédito e outras facilidades. Tudo o que for preciso para evitar um novo recuo do PIB nos primeiros meses de 2012.
Tudo inteiro. O cenário básico não mudou com a crise externa: sistema financeiro saudável, linhas de crédito crescentes, inflação sob controle - 6,5% não é explosão da meta -, investimentos externos continuam a entrar, o que revela grande confiança externa no Brasil. Por que não confiar também aqui?
Pessimismo ou otimismo? Neste cenário em que o governo joga na mesa as suas cartas aplicando um Plano B que já é Plano A, e sinaliza que tem ainda alguma reserva, a coluna não vê razão para alimentar pessimismo. Dúvidas, sim. Pessimismo, não.
O debate público sobre se o PIB vai crescer 3,5% ou 4% no próximo ano, ou se vai ficar em 3%, reflete um clima de incerteza com o resultado negativo dos últimos dois trimestres, mas parece exagerado, assim como se a inflação será de 6,5% ou 6,51%.
E isso por três fatores: primeiro, a situação na Europa não tende a ser agravar ainda mais; ontem, o BCE ofereceu 489 bilhões aos bancos europeus por três anos e a juros de 1% ao ano, o que afastou o iminente risco de um novo Lehman Brothers. A economia americana dá sinais de reanimar e até o Japão prevê alta do PIB de 2,2% em 2012.
O segundo fator é que o governo tem espaço fiscal para mais estímulo ao consumo. Um terceiro, ainda indefinido, é a reação do consumidor. Será que ele acredita e vai voltar a comprar? Isso dependerá também de dois fatores: a intensidade dos incentivos oficiais e o aumento da renda, agora não corroída por uma inflação maior que a atual, já absorvida nos seus orçamentos. Uma análise desses três fatores revela que o cenário para os próximos meses é delicado, mas não tumultuoso ou sombrio.
Por quê? No fundo, porque o mercado interno, que representa mais de 60% do PIB, ainda está inteiro e reagiu bem aos estímulos oficiais em 2008, quando a crise foi gravíssima. Há mais renda, mais crédito, os juros devem cair mais, podem chegar a 4,5% reais. Esse é um fato que poucos assinalam. O Brasil tem uma taxa de juros elevada, de 11% ao ano, que permite reduções significativas nos próximos meses. Arma de que não dispõem a Europa, os Estados Unidos e o Japão, que já praticam taxas reais negativas.
Por que demorou? Esta é grande questão. Por que as medidas de incentivo do governo vieram somente agora, depois de o PIB ter estagnado? Não há explicação para esse atraso, que nem de longe ocorreu na crise financeira em 2008 quando o governo se antecipou. Talvez a equipe econômica tenha avaliado mal os sinais de recessão do fim do primeiro semestre, talvez tenha subestimado os efeitos das medidas macroprudenciais, que, admite o governo, ainda pesam.
Fundo do poço. Tudo indica que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu isso e, junto com a presidente, faz uma intensa campanha de esclarecimento público, para afirmar que o pior passou. Ficam as perguntas: por que, afinal, chegamos no fundo do poço e o que estão esperando para anunciar novos estímulos que tanto anunciaram nos últimos dias? Será que não entenderam que o consumidor está esperando por eles para voltar a comprar? Eles confiam, sim, mas estão esperando.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

'Jogo bonito'


DANIEL PIZA - O Estado de S.Paulo, 21 dez 2011
É curioso, mas não surpreendente, que tenha sido necessário o Barcelona confirmar sua óbvia superioridade técnica e tática sobre o Santos para que muitas pessoas lamentem o nível medíocre do futebol brasileiro. No resto do tempo, é a mesma ladainha: temos o melhor campeonato do mundo, com vários clubes candidatos ao título; a ginga nacional é imbatível desde que não haja complexo de vira-lata; Neymar nada teria a aprender jogando num grande clube europeu, pois a mestiçagem nos fez o povo eleito na arte do futebol; etc., etc. Como acham que nos bastam "auto-estima" e dinheiro, pois a habilidade é um dom que Deus ou o DNA já nos deu, são incapazes de reconhecer uma entressafra de talentos - da qual um Neymar sozinho não nos redime - e a melhor fase de outras escolas do ludopédio.
Daí essa desculpa de que o problema do Santos foi justamente não jogar à brasileira. Sim, é verdade, a escola de Pelé sempre foi a da realização de todos os fundamentos (passes, dribles, chutes) associada ao improviso, à criatividade, à ousadia; foi combinar aproximações e simulações para atingir o objetivo da vitória. E é isso que, simplesmente, como disse Pep Guardiola, faz o Barça. O time mantém a bola rolando de pé em pé, sem chutões nem chuveirinhos, fica no campo adversário a maior parte do tempo e busca frequentemente o gol, busca entrar na área para nocauteá-lo com classe. Mas, opa, quem disse que é assim que os brasileiros interpretam seu próprio futebol? O que se ouve é que organização nunca foi nosso forte, que nossa "essência" é o efeito sem esforço, a poesia sem prosa, que a vantagem no placar é menos relevante que um drible da foca - e que faltou ao Santos "se divertir" para fazer frente ao Barcelona...
Ao mesmo tempo - e este hiato é o problema central - não vemos nada disso aqui. É um futebol cheio de faltas, trombadas, correrias desordenadas, bolas rifadas, de escassos gols e brilhos - como o futebol do campeão nacional deste ano, o Corinthians. Os treinadores ficam à beira do gramado gritando "Tira daí!", "Mata a jogada!", "Pega, pega!", "Cruza na área!". E depois têm a cara de pau de dizer que o Barcelona joga "sem atacantes" - como se Messi não ficasse sempre a menos de 20 metros da área e não fizesse um gol por partida, como se Villa ou Pedro não entrassem em diagonal às costas da zaga o tempo todo, como se os meias Xavi, Iniesta e Fábregas não apoiassem muito e não marcassem decisivos gols. Veja Daniel Alves: ele é um lateral e joga na linha dos zagueiros... adversários! Nada de "volantes de contenção", nada de atacantes paradões e toscos.
Fico à vontade para criticar o futebol brasileiro dos últimos cinco ou seis anos porque, enquanto todos chamavam a geração de Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos e Cafu de "estrangeiros" e "mercenários", eu os defendia como herdeiros honrosos de um estilo que combina refinamento e eficiência. Agora é preciso pensar diferente para jogar diferente. Ou melhor, para voltar aos bons tempos do "jogo bonito".

Vila Itororó começa a ser restaurada depois de 40 anos de projetos

O Estado de S. Paulo, 21/12/2011

Obra de R$ 50 milhões vai recuperar arquitetura 'extravagante' do começo do século 20 - Ernesto Rodrigues/AE
Ernesto Rodrigues/AE
Obra de R$ 50 milhões vai recuperar arquitetura 'extravagante' do começo do século 20
O projeto de restauração da primeira vila de São Paulo, a Vila Itororó, no Bexiga, região central, começa a sair do papel após quase 40 anos engavetado. Na tarde de ontem, técnicos do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de São Paulo (Conpresp) foram ao local registrar todas as suas construções. Na semana que vem, começarão as demolições dos "puxadinhos" que foram construídos posteriormente nos arredores da casa principal.
O local será agora transformado em um centro cultural e gastronômico, possivelmente com um restaurante. O início das obras de restauro, com custo de R$ 50 milhões, está previsto para o ano que vem. A transferência de 86 famílias que habitavam a vila foi concluída no dia 15 - elas estão sendo realocadas em unidades da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
A vila foi construída entre 1916 e 1922 pelo tecelão português Francisco de Castro e ficou conhecida, já na época, como Casa Surrealista, pela arquitetura extravagante. É formada por um palacete e 37 casas. Diferentemente das construções da época, tem os quintais voltados para a frente dos imóveis. No terreno, de 4,2 mil m², Castro ergueu a primeira casa da cidade com piscina particular, aproveitando o riacho do Vale do Itororó.
Ainda ontem, o Conpresp abriu processo de tombamento de um casarão neocolonial na Avenida Angélica, em Higienópolis, e de um conjunto de galpões conhecido como Armazéns Gerais Piratininga, na Rua da Mooca. / RODRIGO BRANCATELLI