sexta-feira, 10 de junho de 2011

Carcinicultura e os mangues


06 de junho de 2011 | 0h 00
João Lara Mesquita - O Estado de S.Paulo
A discussão sobre o novo Código Florestal, recém-aprovado na Câmara dos Deputados, esconde alguns problemas que passaram despercebidos no noticiário e, especialmente, nos artigos de especialistas que analisaram o assunto. Uma pena. O público saiu perdendo. É em nome dele que proponho esta pequena contribuição.
Não pretendo voltar aos temas polêmicos: reservas legais, anistia para quem desrespeitou a lei, tamanho da mata ciliar, etc. A polarização entre "mocinhos" e "bandidos" causou prejuízos demais.
Eis os fatos.
O relatório de Aldo Rebelo, sancionado na Câmara por 410 votos a favor, 63 contra e uma abstenção, alterou as áreas de preservação permanente em topos de morros, encostas, várzeas e margens de rios. Certo? Errado. Faltou citar um bioma importantíssimo que, da mesma forma, perdeu a proteção: os mangues (assim como as restingas).
O Código Florestal também vale, ou valia, para a zona costeira. Mas a discussão ficou de tal modo centrada entre a "floresta" e a "agricultura" que o litoral, como sempre acontece, perdeu espaço.
Os manguezais eram considerados áreas de proteção permanente por sua importância. Mas o lobby dos carcinicultores - produtores de camarão em cativeiro -, parece, venceu a parada. O novo Código Florestal, se aprovado no Senado, será o réquiem dos manguezais brasileiros.
Os mangues são extremamente importantes por vários motivos, a começar pela proteção que oferecem à linha da costa contra as marés, os ventos, as ressacas, forças naturais típicas da zona costeira. Ficou provado, quando do tsunami na Indonésia em 2004, que as áreas protegidas por manguezais sofreram estrago menor.
Do ponto de vista de vida marinha, os mangues são especiais. Suas raízes aéreas retêm nutrientes, o que os torna berçários importantíssimos. Um sem-número de peixes, moluscos e crustáceos dependem deles para procriar. Os mangues também filtram e melhoram a qualidade da água, enquanto servem como hábitat para diversos tipos de aves.
Tem mais. De acordo com matéria publicada pelo Estado na quinta-feira (Mangue concentra mais CO2 que floresta na Amazônia, 2/6, A18), relatório do IBGE divulgado na semana passada "revela que as maiores concentrações de carbono no solo da Amazônia estão em áreas de mangue, hoje ameaçadas pelas mudanças nas regras do Código Florestal aprovadas na Câmara". Segundo a geógrafa Rosangela Garrido, citada na reportagem, "o trabalho reforça a importância da conservação de manguezais e o seu papel no equilíbrio climático".
Quando produzi a série de documentários Mar Sem Fim, para a TV Cultura (2005-2007), naveguei desde o Oiapoque ao Chuí, visitando cada palmo da costa brasileira. Conheci, se não todas, a maioria das fazendas de camarão que proliferaram no Nordeste, desde o Piauí até o sul da Bahia, mas não apenas nessa região.
Fiquei horrorizado com o que vi, e aprendi, entrevistando mais de 40 especialistas da academia, raramente chamados para discussões como as da mudança do Código Florestal, diga-se.
Denunciei a carcinicultura com vigor, no meu site, nos documentários e no livro que publiquei ao fim da expedição (O Brasil Visto do Mar Sem Fim - editoras Terceiro Nome, Albatroz e Loqui, indicado ao Prêmio Jabuti na categoria reportagem). No livro, em dois volumes, sem o problema do espaço exíguo deste artigo, não economizei ao mostrar, até com fotos aéreas, o descalabro, espécie de escárnio contra o meio ambiente, provocado pela carcinicultura. Fiz questão de publicar o depoimento dos maiores especialistas em vida marinha e ecossistemas costeiros, unânimes em condenar o modo como ela vem sendo praticada no Brasil, ou seja, transformando imensas áreas de mangues em terra arrasada.
Sobram motivos para a condenação. Para começar, manguezais, áreas públicas, são "doados" aos produtores, que, ao contrário dos agricultores, têm a vantagem de não precisarem pagar a terra onde vão produzir. Curiosamente, descobri, a vasta maioria das fazendas pertence ou a políticos (entre os quais prefeitos, deputados e senadores) ou a grandes grupos empresariais. Desta vez não há a desculpa "dos pequenos produtores".
Uma vez de posse da área, os mangues são arrasados. A vegetação é extirpada até a raiz. No lugar da floresta são construídas as piscinas criatórias. A maioria sem bacia de sedimentação A contaminação do lençol freático quase sempre acontece. Assim fica mais fácil, e barato, sugar a água do estuário, através de bombas, para criar um camarão exótico, originário do Pacífico, o Paneus vannamei.
Ao detonar os mangues, os produtores criam conflitos sociais com as populações nativas que vivem do extrativismo. Constatei. Tenho depoimentos gravados, de várias pessoas dessas áreas, contando sobre ameaças e truculência por parte dos poderosos do camarão. Até um membro do Ministério Público do município de Natal, no Rio Grande do Norte, contou das ameaças que sua família passou a receber desde que entrou na luta contra a carcinicultura.
O desaparecimento de hábitats é o principal responsável pela perda de biodiversidade no mundo. Em segundo lugar está a introdução de espécies exóticas.
A carcinicultura é uma proeza. Faz as duas coisas simultaneamente.
Muitas vezes as fazendas são financiadas com dinheiros públicos, como é o caso das que estão instaladas no Rio Real, entre Bahia e Sergipe, que receberam aportes do Banco do Nordeste (BNB), com recursos do FNE Aquipesca (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Aquicultura e Pesca do Nordeste).
As diretrizes do FNE (o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste) especificam "tratamento especial aos míni e pequenos empreendedores e preservação do meio ambiente".
Galhofada!
Mais fácil, só sendo ministro. E prestando consultoria, claro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dormir se torna a preocupação do momento



Em certas empresas, os funcionários estão livres para cochilar

Jogadores de basquete profissional da Associação Nacional de Basquete (NBA, na sigla em inglês) como Lebron James, Grant Hill e Steve Nash juram que tiram um cochilo antes dos jogos, dizendo que tal prática faz com que eles recuperem a energia e estejam prontos para a competição.
Jogadores que têm nove horas de sono possuem maiores chances de reagir mais rapidamente e jogar melhor, de acordo com o doutor Charles Czeisler, o diretor da Divisão do Sono da Escola de Medicina de Harvard.
"Se você faz parte do mundo corporativo, adoraria tirar um cochilo", disse o jogador do Filadélfia 76ers Jason Kapono ao jornal "The New York Times". "Então, por que não o faria se você pudesse?", completou.
Porque para o restante da América -diferentemente de países quentes e de clima mediterrâneo que possuem a chamada "siesta"- a soneca é algo improdutivo ou preguiçoso. Mas cochilar pode estar perdendo esse estigma, já que pesquisas estão mostrando que os cochilos podem corrigir desatenções ao longo do dia, pois aumentam o nível de alerta, a produtividade e a memória, além de melhorar o humor. Um estudo britânico descobriu que a soneca pode fazer bem para a pressão sanguínea, e pesquisa na Grécia concluiu que o cochilo diminui o risco de infarto e derrame cerebral, de acordo com o "Times".
As companhias se renderam ao cochilo de 20 minutos como uma maneira de prevenir a perda de bilhões de dólares anuais em queda de produtividade.
E por que não, se já existem atrações no trabalho como academia, creche, sala de videogames e, até mesmo, lugar para os cachorros? Os trabalhadores da Nike possuem um "quarto silencioso" para o bem-vindo cochilo, o Google também possui algo parecido, e Jawa, uma companhia de celulares do Arizona, conta com dois quartos voltados para o repouso.
Depois que controladores de voo nos EUA foram pegos cochilando no trabalho, a Administração Federal de Aviação, em abril, mudou os horários para combater a sonolência. Na Alemanha e no Japão, os controladores de voo, quando estão com sono, vão para quartos silenciosos.
Dormir se tornou a preocupação do momento. Mesmo que você consiga tê-lo de graça, o sono está sendo negociado, comercializado, como sendo um prazer, por vezes inalcançável, escreveu o "Times". Yelo, um salão localizado em Manhattan, vende aos ansiosos nova-iorquinos a promessa de um breve, mas revigorante sono em um quarto privado (o preço começa em US$ 17 pelo direito de descansar por 20 minutos). A saúde do sono também virou um rentável negócio para a indústria do spa. Um número crescente deles oferece tratamentos que se enquadram na medicina do sono, reportou o "Times". Um salão de Londres disponibiliza massagens, sem se esquecer, é claro, do cochilo na chamada "Barraca do Sono".
Para ajudá-los a dormir melhor, os consumidores compram travesseiros especiais. A melatonina, adicionada aos alimentos, é o ingrediente utilizado para obter o efeito calmante. Chamados de "bolos da preguiça", esses produtos, que contêm oito miligramas de melatonina, são vendidos por US$ 3 a US$ 4 como uma forma de promover o tão perseguido relaxamento.
Em um mundo estressado e cada vez mais baseado em remédios, as pessoas exigem sempre uma solução. Como Jussie Gruman, a presidente do Centro para a Saúde de Washington, disse ao "Times": "Você pode comprar coisas como excitação sexual, um novo padrão para o seu rosto, um corpo esbelto, então, por que não poderia comprar o sono?
ANITA PATIL

Uma aula que abalou a indústria

Um projeto sobre apps gerou empresas enxutas
"Classe Facebook" causou corrida pelo ouro dos aplicativos
Por MIGUEL HELFT


STANFORD, Califórnia

"Classe, este é o seu dever de casa: criar um aplicativo [ou "app"]. Fazer que as pessoas o usem. Repitam."
Essa foi a tarefa para alguns alunos da Universidade Stanford, no outono de 2007, naquilo que ficou conhecido aqui como a "Classe Facebook". Ninguém esperava o que ocorreu depois.
Os alunos acabaram conseguindo milhões de usuários para aplicativos gratuitos que eles criaram para funcionar no Facebook. E, com a entrada da publicidade, esses estudantes começaram a ganhar muito mais do que os professores.
A Classe Facebook fez disparar carreiras e fortunas de mais de duas dúzias de estudantes e professores daqui. Também ajudou a inaugurar um novo modelo de empreendedorismo que revolucionou o meio tecnológico: a novata enxuta.
"Tudo aconteceu muito depressa", lembra Joachim De Lombaert, hoje com 23 anos. O aplicativo da sua equipe faturava US$ 3 mil por dia e se transformou em uma empresa que, mais tarde, foi vendida por uma quantia de seis dígitos.
Na época, os apps para Facebook eram uma novidade. O iPhone tinha acabado de chegar, e o primeiro telefone Android ainda demoraria um ano para surgir.
Mas, ao ensinar os alunos a construir apps simples, distribuí-los rapidamente e aperfeiçoá-los depois, a Classe Facebook encontrou o que se tornou o procedimento operacional para uma nova geração de empresários e investidores. As novatas exigiam muito dinheiro, tempo e pessoal. Mas, durante a última década, o software de fonte aberta gratuito e os serviços em "nuvem" reduziram os custos, enquanto as redes de anúncios ajudaram a trazer uma receita rápida. O fenômeno do app acentuou a tendência e ajudou a libertar o que alguns chamam de nova onda de inovação tecnológica.
Desde o início, a Classe Facebook se tornou um microcosmo do Vale do Silício. Trabalhando em equipes de três, os 75 alunos criaram aplicativos que conquistaram 16 milhões de usuários em apenas dez semanas. Durante o semestre, os apps, que eram gratuitos, geraram cerca de US$ 1 milhão em publicidade.
Esse sucesso ajudou a inspirar empresários a elaborar planos de negócios e trabalhar em apps. Nem todos tiveram êxito, mas os que tiveram contribuíram com a expansão do Facebook, que tem quase 700 milhões de usuários.
Os capitalistas de risco também começaram a rever sua abordagem. Alguns criaram fundos de investimentos sob medida para as novatas menores.
"Conceitos e ideias que saíram da classe influenciaram a estrutura do fundo em que trabalho", diz Dave McClure, um dos instrutores da classe e fundador da 500 Startups. "A classe foi a percepção de que essa coisa funciona."
Quase quatro anos depois, muitos dos estudantes aprenderam que construir uma empresa é muito mais difícil do que criar um app. "Criar uma empresa é mais trabalhoso", disse Edward Baker, que foi parceiro de De Lombaert na classe e depois sócio na empresa. Os dois fundaram a Friend.ly, uma rede social.
Mas muitos dos estudantes foram recompensados. Alguns transformaram sua lição de casa em empresas. Outros, desde então, venderam essas empresas para outras como Zynga. Outros ainda uniram-se a novatas como RockYou, um site de jogos que, na época, estava entre os apps mais bem sucedidos do Facebook.
A Classe Facebook mudou a vida de De Lombaert. O aplicativo atraiu usuários e dinheiro mais depressa do que qualquer outro da classe. E seu sucesso chamou a atenção dos investidores.
O Facebook não participou ativamente da classe de Stanford, mas alguns dos seus engenheiros frequentaram as sessões. "A plataforma Facebook estava decolando e havia uma sensação de corrida do ouro", disse Mike Maples Jr., um investidor que frequentou algumas aulas e acabou apoiando uma das novatas.
A Classe Facebook foi criação de B. J. Fogg, que dirige o Laboratório de Tecnologia Persuasiva em Stanford. Fogg pensou que a plataforma Facebook seria uma boa maneira de testar algumas de suas teorias. Criar um novo modelo de empreendedorismo estava longe de suas intenções.
"Os alunos fizeram um trabalho incrível, colocando coisas no mercado", diz Michael Dearing, professor associado do Instituto de Design em Stanford.
"Love Child" -filho do amor. Parece um nome improvável. Mas Johnny Hwin e sua equipe em Stanford decidiram construir um app com esse nome, que permitiria que dois usuários criassem e educassem criança virtual. Não deu certo. "Fomos ambiciosos demais", diz Hwin.
Ver que seus colegas de classe faturavam com ideias mais simples foi uma lição valiosa. Em 2009, Hwin começou a trabalhar no Damntheradio.com [maldito rádio], ferramenta de marketing no Facebook que ajudou bandas e músicos no contato com os fãs on-line. Ele foi inaugurado em junho passado e adquirido em janeiro pela FanBridge, onde Hwin é vice-presidente, por alguns milhões de dólares, segundo ele. Hwin, que tem 26 anos e também é músico, vive em um loft no bairro Mission em San Francisco.
Baker diz que a plataforma Facebook é um ímã para jovens desenvolvedores, embora o tipo de aplicativo simples que era o foco de sua classe em Stanford enfrente grandes obstáculos. O Facebook dificultou o desenvolvimento de apps de sucesso ao controlar como eles se espalham. Mas Fogg diz que para os que estavam no lugar certo na hora certa -no final de 2007- as coisas foram diferentes. "Houve um período em que você podia chegar e encontrar ouro", diz.