domingo, 27 de fevereiro de 2011

Mais petróleo segura o preço

ALBERTO TAMER - O Estado de S.Paulo
Os preços do petróleo chegaram a US$ 119 na quinta-feira, num mercado intensamente especulativo, e recuaram neste fim de semana, com o Brent a US$ 98. É quase o nível de quando eclodiu a crise no Egito.
O recuo se deve principalmente à decisão oficial da Arábia Saudita de aumentar a produção. No fim da tarde sexta-feira, informava-se que os sauditas haviam colocado no mercado mais 3 milhões de barris por dia, elevando sua produção de pouco mais de 7 milhões de barris/dia para cerca de 10 milhões. Isso apenas confirma uma tendência anterior, quando os sauditas evitaram que os preços do barril ultrapassassem US$ 100, considerado o nível suportável pela economia mundial nesta fase de recuperação.
O que vocês querem? A Arábia Saudita não só está produzindo mais petróleo, mas chegou a perguntar às empresas dos países consumidores qual tipo de petróleo, leve ou pesado, estavam precisando para manter a produção de suas refinarias e abastecer o mercado.
Uma sutileza importante, pois tinha como objetivo conter as especulações de que o petróleo saudita é pesado, e não pode substituir o produto leve da Líbia. Não vai dar, diziam os críticos, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade, afirmava Lawrence Goldstein, diretor da Fundação de Política Energética, em Nova York.
A resposta veio logo. Os sauditas têm esse tipo de petróleo, mas se propõem a fazer acordos com a Argélia e principalmente a Nigéria, grandes produtores de petróleo leve, em troca de contrato de reposição futura em condições financeiras mais favoráveis. Há espaço no mercado para esse tipo de operações. Além disso, as refinarias americanas e mesmo sauditas e outras nos países árabes do Golfo Pérsico estão preparadas para operar com petróleo pesado e exportar derivados. Não se pode esquecer que, além do petróleo que jogou no mercado, a Arábia Saudita tem mais 3,5 milhões de capacidade ociosa. É uma decisão política, que, parece, já adotou.
Opep sem reuniões. Outro fato que pesou no recuo dos preços foi o anúncio velado dos países árabes do Oriente Médio de que não vão esperar reuniões da Opep para produzir mais petróleo. Pouco lhes importa, nas circunstâncias atuais, o que vierem a dizer o Irã, ideologicamente engajado num confronto com o Ocidente, ou a Venezuela, de Chávez. Os países árabes da Opep não veem razão alguma para impedir a recuperação econômica mundial e jogar o mundo contra eles.
Os preços também recuaram na sexta-feira porque a Casa Branca informou que os EUA têm dependência menor do petróleo do Oriente Médio. Aumentaram suas importações os países do leste da África e da América Latina. Isso foi possível porque suas refinarias, ao contrário do que ocorre com as europeias, estão mais preparadas para operar com petróleo pesado. Hoje até exportam gasolina, diesel e outros derivados.
Outro fato. No mesmo dia em que se fazia esse anúncio, o Departamento do Comércio informou que o PIB dos Estados Unidos cresceu menos que se previa, apenas 2,8% (anualizado) no último trimestre de 2010, ou seja, apenas 3% no ano. Sinal de menor aumento da demanda. É muito importante, porque eles respondem por cerca de 24% do consumo mundial de petróleo. Acrescente-se que o país dispõe de reserva estratégica, estimada pelo mercado em torno de 750 milhões de barris, que pode ser usada a qualquer momento.
Outro desdobramento importante: a Agência Internacional de Energia (AIE) confirmou que os países consumidores têm reservas estratégicas de 1,6 bilhão de barris. Na quarta-feira, antes da ação da Arábia Saudita, a AIE havia sugerido aos países membros que começassem a usar parte desse petróleo para conter especulação com os preços, mas no fim da tarde de sexta-feira reavaliou essa recomendação. Não será preciso, disse um diretor da agência. O mercado, agora, está abastecido. 

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Remédio em excesso mata

MIR KHAIR - O Estado de S.Paulo
Os remédios têm em suas bulas a posologia, ou seja, as dosagens que podem ser tomadas para produzir o melhor efeito no combate ao problema de saúde. O médico, após o diagnóstico, tem que decidir qual o remédio ministrar e a posologia adequada ao tratamento.
O mesmo ocorre para a economia. Uma das doenças a ser tratada é a inflação e o remédio mais usado tem sido uma alta taxa básica de juros, a Selic. A partir do dia 6 de dezembro um novo remédio foi usado pelo Banco Central (BC) visando conter "certos excessos do mercado de crédito". Ele impôs uma reserva maior de dinheiro pelos bancos quando concederem empréstimos para consumidores com prazo acima de dois anos. No caso de automóveis, essa reserva varia conforme a entrada que o comprador do veículo der. Além disso, o BC elevou o recolhimento compulsório dos bancos, tirando da economia cerca de R$ 65 bilhões.
Os efeitos deste remédio foram eficazes e imediatos, pois de acordo com o BC, até o fim de janeiro, a taxa do crédito pessoal subiu de 40,3% para 49,4% ao ano, o prazo médio reduziu de cinco para quase três anos e a média diária das concessões de crédito pessoal caiu 19%! No caso dos veículos, a taxa do financiamento subiu cinco pontos nos bancos convencionais e quatro nos bancos de montadoras, o prazo médio recuou de três anos e meio para menos de três anos e a concessão de crédito caiu 45% nos bancos convencionais e 35% nos bancos das montadoras.
Outros indicadores confirmam queda ou estabilidade no nível de atividade depois dessas medidas macroprudenciais. A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE de dezembro ficou estável em relação a novembro, e em janeiro, o indicador de atividade do comércio elaborado pela Serasa apresentou queda de 2,7%. Avalia-se que as vendas do varejo tendem a ser prejudicadas pela redução da oferta de crédito.
Quanto ao remédio taxa básica de juros, a posologia adotada mundialmente é aproximá-la da taxa de inflação. Atualmente, está um ponto abaixo da inflação na média mundial e nos países emergentes meio ponto abaixo. Mas, no Brasil, é de 5,5 pontos acima, ou seja, uma posologia anormalmente elevada, que além de não resolver a doença da inflação traz vários efeitos colaterais danosos ao corpo econômico.
1) Aumenta as despesas do governo. A Selic contamina no curto e no médio prazo todas as taxas de juros dos títulos do governo federal cuja dívida está atualmente em R$ 1,7 trilhões. Cada ponto de aumento da Selic aumenta a despesa com juros do governo federal em R$ 17 bilhões! Como essa dívida é crescente, especialmente por causa da elevação das reservas internacionais, do aporte de recursos do Tesouro Nacional ao BNDES - que são feitos com a emissão de títulos - e da Selic, esse dano será maior neste ano, anulando parte expressiva do corte de R$ 50 bilhões no orçamento do governo federal.
2) Causa elevado custo de carregamento das reservas internacionais. O BC tem mais de US$ 300 bilhões de reservas, que são aplicadas especialmente em títulos do Tesouro americano com juros de cerca de 1,5% e pagam juros de 11,25%. Além disso, há a perda cambial com a valorização do real perante o dólar. No ano passado, o custo de carregamento desta dívida foi estimado em R$ 26,6 bilhões pelo BC, mas esse cálculo parece conservador frente a outros estudos que apontam para R$ 45 bilhões. Neste ano deverá se elevar mais, pois crescem as reservas e a Selic em relação ao ano passado.
3) Valoriza o real perante o dólar. Os especuladores do mercado captam recursos a taxas próximas a zero e aplicam nos títulos do governo federal que pagam taxas elevadas. São ganhos líquidos e certos, sem riscos. O BC está dando um presentão a esses especuladores para manter o real apreciado e funcionar como âncora cambial, barateando as importações e encarecendo nossas exportações. Isso tira o poder competitivo das empresas do País tanto interna quanto externamente, causando um rombo nas contas externas, que pode se tornar explosivo. Esse risco existe, caso se mantenha essa situação, pois a política dos países desenvolvidos é continuar inundando o mundo com suas moedas para permitir elevar suas exportações e reduzir suas importações.
O mais grave é que o paciente Brasil ainda não se deu conta que está tomando o remédio errado e em doses cavalares. Ele tem, ainda, uma boa saúde, mas está ficando cada vez mais debilitado com os efeitos colaterais do remédio. O pior é que o médico já avisou que vai elevar essa dosagem, pois não está havendo a cura e o paciente tem confiança no médico e não pensa em mudá-lo. Se continuar assim, corre sério risco de espalhar em seu organismo novos problemas, que certamente serão combatidos com mais elevação da dosagem do mesmo remédio. Assim, o paciente corre o risco de vir a morrer.
A pergunta que fica é: Não dá para trocar de remédio uma vez que o outro (medidas macroprudenciais) já provou sua eficácia além de não causar os efeitos colaterais apontados? Dá, e isso precisa ser feito imediatamente rumando em prazo, o mais curto possível, para taxas de juros a nível internacional e continuar aferindo os efeitos das medidas macroprudenciais, regulando sua posologia para que o apetite de consumo não tensione a inflação.
O consumo das famílias, que responde por 75% do consumo total, é fortemente influenciado pela oferta de crédito via taxas de juros e prazos de financiamentos. As medidas macroprudenciais, que podem influir o nível da oferta de crédito e suas taxas de juros, têm efeito imediato. A taxa Selic leva, segundo o BC e o mercado financeiro, cerca de nove meses para produzir efeito. Em nove meses ninguém sabe o que estará ocorrendo no mundo e em nossa economia, pois o tempo é longo demais para previsões. Há pouco não se previa a revolta no mundo árabe e ninguém sabe onde isso vai dar, com repercussões nos preços do petróleo, em forte ascensão.
Outra questão que chama a atenção é o ciclo vicioso criado pelo BC: 1) mantém a Selic elevada para servir como âncora cambial; 2) com isso atrai capital externo para lucrar com essa taxa; 3) isso aprecia o real; 4) para segurar essa apreciação, o BC compra dólares aumentando as reservas; 5) reservas maiores atraem mais capital externo, pois aumentam a garantia às aplicações externas. Ou seja, ele cria o problema e o agrava com sua "solução".
Várias vezes o jornalista Celso Ming, em sua coluna no Estado, chamou a atenção que, quanto maiores as reservas internacionais, mais atração exercerão para a entrada de capital externo. Como resultado desse processo da ação do BC, eleva-se a dívida bruta do País, as despesas com juros do governo federal e o custo do carregamento das reservas. E tudo isso tem efeito imediato; não precisa de nove meses para repercutir numa improvável alteração da inflação.
Quanto à teoria das expectativas de que as alterações da Selic servem para conduzir os agentes econômicos a adequar seus preços conforme a meta de inflação, isso não ocorre, pois ao contrário dos outros países, onde essa teoria funciona razoavelmente, a distância entre a Selic e a taxa de juros dos bancos é tão grande, que permite variar as taxas dos bancos conforme outros interesses, visando ampliar seu mercado na disputa com bancos mais agressivos em sua expansão, além das pessoas e empresas terem mais alternativas de escolha das melhores ofertas de financiamento.
A teoria das expectativas faz mais sentido para as medidas macroprudenciais, pois o efeito é imediato sobre o crédito, que é a perna principal da adequação do nível de consumo. As expectativas, porém, estão sendo mais influenciadas pela inflação corrente do que pela inflação projetada, sempre sujeita a toda sorte de erros. A inflação está sendo influenciada mais pela realidade internacional nos preços dos alimentos e commodities do que por qualquer outro fator e sobre isso pouco se pode fazer a não ser restringir o galope do crédito.
Para que possa ocorrer a mudança do remédio velho para o de nova geração, que já mostrou sua eficácia, é necessário que o BC, que já dispõe de autonomia operacional em relação ao governo e aos políticos, comece a exercê-la também em relação ao mercado financeiro, o qual adora uma Selic elevada, pois amplia sem riscos seus lucros.
Para isso, é fundamental cortar a relação simbiótica que sempre existiu entre ambos. Isso agora tem melhor chance de ocorrer, uma vez que os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) são todos funcionários de carreira do próprio BC. Além disso, já passou da hora de usar o Boletim Focus, baseado em cem instituições financeiras, como única fonte de consulta sobre projeção de inflação e Selic. O BC precisa estender as consultas à academia e às instituições que representam o setor real da economia se quiser ter maior credibilidade e possuir diagnósticos mais confiáveis e de melhor qualidade. Já passou da hora de mudar de remédio.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR 


Os pobres e os ricos do Nordeste

SUELY CALDAS - O Estado de S.Paulo
Nos últimos dias o Nordeste ganhou destaque duas vezes na mídia: em Barra dos Coqueiros (Sergipe), a presidente Dilma Rousseff fez sua primeira reunião com governadores locais; na quinta, o Ministério da Justiça divulgou o Mapa da Violência 2011 - Os jovens do Brasil, despontando os Estados nordestinos como "campeões da violência", título tomado do eixo Rio-São Paulo.
Ao criar a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, o economista Celso Furtado queria levar progresso para a região mais pobre do País com projetos financiados com dinheiro público. Em sua cabeça, a justiça seria feita, transferindo renda de Estados ricos do Sul e Sudeste para desenvolver os pobres do Nordeste. Meio século depois, quase nada mudou e o Nordeste segue pobre, subdesenvolvido e subnutrido. Com exceção de José Sarney, do Maranhão, os coronéis, donos do poder naquela época, aposentaram-se ou morreram, mas a elite política local - com raras exceções - ainda usa a pobreza como argumento para arrancar dinheiro de Brasília.
Da presidente Dilma, ouviu-se um rotundo "NÃO" em resposta a duas demandas: criar uma nova CPMF para financiar a saúde e alterar o indexador para reduzir dívidas com a União, o que implicaria jogar no lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao contrário de seu antecessor, Dilma não fez demagogia, recusou os pedidos no ato, sugeriu que administrassem melhor o dinheiro da saúde e procurassem crédito em fontes como o Banco Mundial.
A pesquisa sobre violência mostra mudanças que refletem a ação ou omissão, competência ou fracasso das gestões estaduais de políticas de combate ao crime. Entre 1998 e 2008, enquanto São Paulo reduziu em 62,4% o número de homicídios, a Bahia aumentou em 237,5%; o Maranhão, em 297%; o Pará, em 193,8%; e Alagoas, em 177,2%. Segundo o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, em São Paulo "o aparato repressivo foi recuperado, as polícias foram depuradas, as investigações ganharam nova tecnologia e o sistema de informação melhorou". Ou seja, a ação eficaz e a correta aplicação dos recursos deram bons resultados. Já no Nordeste, explica, surgiram novos polos econômicos, a população em torno cresceu, mas o Estado não acompanhou, manteve-se ausente.
A persistência da pobreza no Nordeste é muito mais decorrente da incompetente (e muitas vezes mal-intencionada) gestão dos políticos locais do que da falta de recursos públicos. O dinheiro sai de Brasília, passa pelo governo do Estado, mas não chega à população. Os serviços públicos não funcionam e a multiplicação de fraudes e escândalos de projetos fantasmas da Sudene prova que há uma elite de empresários, políticos e seus amigos e parceiros que retêm indevidamente o dinheiro. Há governadores que resistem e outros que cedem (ou são compadres) a lobbies para suprir gastos de campanha eleitoral ou engordar patrimônios privados.
A pesquisa aponta Alagoas como o Estado campeão em mortes e onde a violência quase triplicou - cresceu 2,7 vezes em dez anos. Em vez de gerir o dinheiro com eficiência, é um dos mais rápidos e persistentes em correr a Brasília quando a situação aperta.
Em 1995, quando a queda da inflação tirou a máscara da contabilidade dos governos, Alagoas tinha três folhas de salários atrasadas, as polícias (civil e militar) entraram em greve, as escolas fecharam, os hospitais entraram em colapso, o Judiciário entregou as chaves do tribunal ao STF. Alagoas vivia um caos nunca visto. O dinheiro nos cofres públicos pingava porque o ex-governador Fernando Collor abdicou da principal fonte de arrecadação de impostos ao isentar os usineiros de açúcar do pagamento do ICMS. O governador que o sucedeu, Divaldo Suruagy, correu a Brasília atrás de dinheiro. FHC negou e despachou para Alagoas um interventor federal para tirar o Estado do caos.
Pois bem. Na reunião com Dilma, na segunda-feira, foi justamente o governador alagoano, Teotônio Vilela (PSDB), o primeiro a defender a mudança do indexador para reduzir o pagamento das dívidas do Nordeste com a União.
JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR)