terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Precisamos mesmo de mais engenheiros?

RONALDO DE BREYNE SALVAGNI - O Estado de S.Paulo
Os noticiários têm destacado a falta de engenheiros no País. Enquanto a China forma 400 mil engenheiros por ano e a Índia uns 300 mil, formamos menos de 40 mil. Nossos dirigentes e líderes falam em PACs e concluem que nos faltam engenheiros. Mesmo que não levemos em conta a diferença de população, será mesmo verdade? Será que não estão faltando apenas técnicos um pouco mais qualificados e administradores mais competentes?
A atividade fundamental do engenheiro é o projeto de novos produtos ou processos. Num segundo nível, ele atua também na operação - obra ou chão de fábrica - para fiscalizar ou resolver imprevistos. A engenharia tem que ver com projeto, o que significa tecnologia, inovação, know-how, patentes, conhecimento próprio e independência. No Brasil, com raras e honrosas exceções, empresas apenas fabricam ou montam produtos aqui. O projeto e a tecnologia vêm de fora, empregamos nossos engenheiros só na operação, geralmente em funções que técnicos mais bem treinados ou administradores capazes poderiam desempenhar.
No setor automotivo, por exemplo, que está batendo recordes de produção e vendas (perto de 4 milhões de veículos, em 2010), o Brasil tem 25 montadoras e 500 fornecedores de autopeças, segundo a Anfavea. Algumas dessas empresas desenvolvem projetos aqui, mas a maioria apenas fabrica (eventualmente, com pequenas adaptações) ou importa peças, e monta os veículos no Brasil, com projeto e tecnologia estrangeiros. A Zona Franca de Manaus é um exemplo acabado da "indústria" de simples montagem de kits importados (os CKDs), mas que recebem o selinho de "indústria brasileira" (!).
Diz-se que o problema brasileiro está no cumprimento de prazos e qualidade. Isso, entretanto, não é problema de engenharia, é mais de administração. Engenheiros costumam assumir a administração no País, mas isso é "desvio de função". Empresas querem engenheiros com "capacidade de liderança", "formação multidisciplinar", "iniciativa e espírito de competição", isso é, um super-homem com profundos conhecimentos técnicos e, além disso, um administrador extremamente competente. Como formar esse "administrador de luxo" em cinco anos de curso? Isso não acontece em países civilizados. Lá se formam engenheiros competentes, em engenharia, e administradores competentes, em administração.
Por paradoxal que pareça, um dos empecilhos ao desenvolvimento nacional é a política industrial, simplista e obsoleta, de substituição de importações, adotada recorrentemente por sucessivos governos. Isso só leva ao protecionismo e à estagnação do desenvolvimento local. A China (ver New York Times, http://nyti.ms/dL2zp3) e a Coreia do Sul, ao contrário, adotaram a política de produção industrial voltada para a exportação, expondo suas indústrias à competição internacional e forçando seu desenvolvimento de forma fantástica. A estratégia sadia e correta não é impedir empresas estrangeiras de virem aqui competir com as nossas. O certo seria incentivar e apoiar empresas brasileiras para competirem com (e ganharem das) estrangeiras na arena global.
O Brasil tem se destacado em pesquisa científica, com crescente produção de papers, estando agora entre os 15 países mais produtivos. Porém sua produção tecnológica é quase zero, insignificante. Isso implica total dependência de tecnologia estrangeira. Aqui, as universidades só fazem pesquisas acadêmicas. Novamente com raras e honrosas exceções, empresas não fazem pesquisa nem projeto no Brasil - multinacionais, porque fazem isso na matriz, e nacionais, porque não fazem mesmo, apenas compram ou licenciam projetos no exterior.
Não tem havido a noção de que tecnologia própria é estratégica para o País. Se o Brasil quiser ocupar um espaço real no cenário global, precisa ter independência tecnológica. Não precisa propriamente de mais engenheiros. Precisa é de empresas nacionais que precisam realmente de engenheiros. Aí sim, eles vão faltar, sem dúvida.
ENGENHEIRO NAVAL E PROFESSOR TITULAR DA ESCOLA POLITÉCNICA DA USP 

O avanço do crédito expõe a valorização imobiliária

- O Estado de S.Paulo
O valor médio dos financiamentos a mutuários finais feitos pelos bancos captadores de poupança aumentou de R$ 101 mil, em 2008, para R$ 123 mil, em 2009, e para R$ 145 mil, em 2010 - o que confirma, indiretamente, a tendência de alta dos preços dos imóveis. Constatada pelos agentes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), a alta foi confirmada pelo sindicato da habitação (Secovi) e por novas pesquisas, como a FipeZap, da USP e dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, que apresentará um índice mensal de valorização imobiliária.
Entre 2009 e 2010, os financiamentos do SBPE, que opera com os recursos das cadernetas, aumentaram 65%, de R$ 34 bilhões para R$ 56,2 bilhões. A parcela financiada dos imóveis era de apenas 48%, em 2005, subindo para 61,1%, em 2009, e para 62%, em 2010. No último ano, o número de unidades financiadas aumentou menos (39%), de 302 mil para 421 mil, o que comprova o crescimento dos preços.
Sabe-se, historicamente, que a oferta abundante de crédito é fator de manutenção ou de alta dos preços, sobretudo quando os mutuários podem alongar os prazos dos financiamentos. E esses prazos, que eram em média de 10 anos no início da década passada, agora chegam a 30 anos.
As cadernetas sustentaram o mercado de crédito para a classe média. Elas remuneram os tomadores com 6,17% ao ano mais a Taxa Referencial (TR), o que dá cerca de 7% ao ano, permitindo que os bancos financiem imóveis cobrando juros entre 10% e 11% ao ano mais a TR, ou seja, inferiores aos de mercado. Mas essa situação só persistirá enquanto houver recursos nas cadernetas. E a captação das cadernetas cresce à taxa de 18% ao ano, bem menos do que a da aplicação dos recursos. Em 2011 e 2012, segundo estimativas do setor, os valores depositados em caderneta permitirão atender a toda a demanda de crédito das construtoras e dos mutuários, mas os montantes serão insuficientes a partir de 2013.
Nos últimos anos, o SBPE alcançou sucessivos recordes, mas a simples redução do ritmo de crescimento da economia terá impacto sobre a renda dos mutuários, que precisarão ser um pouco mais cautelosos no momento de adquirir ou de substituir a casa própria por outra mais adequada.
Novos aumentos de preço seriam um fator limitador da expansão do mercado de imóveis, ao reduzir o crescimento da demanda, ainda que marginalmente. É a estabilização de preços, em termos reais, o melhor cenário para a manutenção da inadimplência em níveis muito baixos, como hoje, e para manter o mercado ativo, apesar da queda do ritmo da economia. 


O etanol perde terreno

O Estado de S.Paulo
Além de grande consumidor mundial de etanol produzido a partir de cana-de-açúcar, o Brasil aspira a tornar-se um dos grandes exportadores mundiais do produto. Até agora, porém, a produção nacional de etanol tem-se caracterizado pela instabilidade, com variações de produção e preços que afetam o consumo interno e limitam a exportação. E o etanol vem perdendo mercado no País e no exterior. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), foram vendidos diretamente nos postos 15 bilhões de litros de álcool hidratado em 2010, 8,5% a menos que no ano anterior, o primeiro recuo da demanda desde 2003. Por sua vez, o consumo de gasolina aumentou 17,5% em relação a 2009. Quanto às exportações do biocombustível, o Brasil ainda detém a liderança mundial, mas está ameaçado de perdê-la para o etanol produzido a partir de milho nos Estados Unidos, altamente subsidiado e protegido da concorrência externa por uma pesada sobretaxa.
É bem verdade que o aumento das importações de veículos movidos a gasolina puxou o consumo desse combustível. As compras de automóveis estrangeiros por brasileiros em 2010 se elevaram mais de 50% em comparação com 2009, custando US$ 8,54 bilhões ao País. Além disso, o etanol ficou bem mais caro para os carros bicombustíveis aqui fabricados. Os preços variam de região para região, mas, segundo a ANP, ficaram 77% aquém do preço da gasolina, quando, para atrair o consumidor, deveriam ficar abaixo de 70%. O governo, porém, não precisou diminuir o porcentual de adição de 25% de álcool anidro à gasolina, o que exigiu 22,2 bilhões de litros, um pouco menos que em 2009 (22,7 bilhões de litros).
Como ciclicamente ocorre, as cotações em alta do açúcar no mercado internacional fizeram as usinas destinar uma maior quantidade de cana para essa produção, o que foi agravado pela quebra de safra no Centro-Sul. Não são esperadas grandes mudanças neste ano, a se confirmarem as previsões de que as cotações do açúcar ainda seguirão elevadas.
Quanto ao etanol, a perspectiva é de que seus preços no mercado interno se mantenham estáveis, com variações sazonais. Segundo analistas, o preço do álcool hidratado com relação à gasolina só se tornará mais vantajoso se for autorizado um aumento dos preços dos derivados de petróleo em geral, com o objetivo de mantê-los em linha com as cotações no mercado internacional. Essa, no entanto, é uma medida que o governo evitará adotar para não agravar a inflação.
Uma forma de manter um diferencial competitivo do etanol é cobrar uma alíquota maior do ICMS sobre a gasolina, como já fazem os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. É duvidoso que outros Estados venham a fazer o mesmo, o que importará em novo recuo do etanol no mercado interno, como prevê Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica (Globo, 16/12). Segundo ele, serão produzidos no País, neste ano, entre 15 bilhões e 16 bilhões de litros de etanol hidratado, volume semelhante ao de 2010, o que significará perda de mercado, já que o consumo de combustíveis crescerá com o aumento da frota de veículos.
Já as exportações brasileiras de etanol em 2010 ficaram em torno de 1,5 bilhão de litros, superando por pouco as vendas externas americanas do sucedâneo de milho, estimadas em 1,3 bilhão de litros. E este ano não começa bem nessa área: em janeiro, a exportação de etanol foi de 95,3 milhões de litros, 60,3% abaixo do volume no mesmo mês do ano passado.
Vê-se que falta muito ainda para que o Brasil possa recuperar a competitividade interna do etanol e seja capaz de exportar regularmente o produto em volumes significativos, de modo a transformá-lo em uma commodity no mercado internacional. Cabe à iniciativa privada vencer esse desafio, e investimentos de grande vulto estão sendo feitos ou são planejados para aumentar a oferta de etanol. A principal ajuda que o governo pode dar é fazer gestões nos foros internacionais e junto aos países desenvolvidos para superar as resistências protecionistas ao produto brasileiro.