sexta-feira, 3 de maio de 2024

Hélio Schwartsman - Vontade de punir, FSP

 A esquerda precisa definir aquilo em que acredita. Quando um bolsonarista fala em reduzir a maioridade penal, a esquerda, com razão, rejeita a proposta. E o faz com base na ideia de que crianças e adolescentes, por serem sujeitos em formação, devem receber da Justiça um tratamento menos rigoroso que o dispensado a adultos. Daí não decorre que jovens não devem responder por ilícitos ou violações éticas que cometam, mas apenas que as sanções tenham caráter mais educativo do que retributivo.

Essa é uma das raras situações em que as leis brasileiras encontram amparo na ciência. O córtex pré-frontal, a área do cérebro responsável pela tomada de decisões complexas e pelo controle da impulsividade, é a última a amadurecer, o que só ocorre por volta da segunda década de vida.

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A atriz Samara Felippo, cuja filha adolescente foi vítima de racismo por parte de colegas em colégio de elite em São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress - Folhapress

Basta, porém, que a falta cometida integre a lista de crimes que a esquerda considera hediondos para que as ideias humanistas acerca da moderação punitiva sejam esquecidas. Foi o que vimos agora no caso de racismo numa escola frequentada pela elite paulistana. Parte dos autointitulados progressistas exigiu a expulsão sumária —a pena máxima no âmbito acadêmico— das meninas que perpetraram o ato racista.

O que as garotas agressoras fizeram é grave e precisa gerar consequências. Mas, se achamos que a contenção sancionatória deve valer até para homicídios, parece óbvio que precisa abarcar também crimes com consequências menos definitivas, por maior que seja a repulsa que estes nos provoquem. Podemos ir um pouco mais longe e afirmar que, se a função precípua da escola é educar, a expulsão priva tanto a vítima como as ofensoras de transformarem o episódio numa oportunidade de aprendizado e crescimento, o que é possível recorrendo aos princípios da justiça restaurativa. Pelo que li, é o que a escola procurava fazer até o caso tornar-se público e converter-se em mais um capítulo das guerras culturais.

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