domingo, 21 de novembro de 2021

O monumento aos retirantes e o Touro de Ouro da Bolsa, Elio Gaspari, FSP

 Saiu o primeiro dos dois volumes da biografia de Lula, escrita pelo jornalista Fernando Morais. Perto da metade de suas 468 páginas ocupam-se com minuciosas descrições de suas prisões, a de 2018, como ex-presidente, e a de 1980, como líder sindical.

É o livro de um biógrafo que gosta do seu personagem, circunstância que o enriquece. Em um parágrafo ele conta a partida de Dona Lindu, em 1952, com seis crianças na caçamba de um caminhão do interior de Pernambuco a Santos. Lula tinha sete anos. Essa viagem de 13 dias teve algo de épico, sem conforto, com quase nenhuma comida e já foi contada muitas vezes. Dona Lindu e seus filhos estão imortalizados no Recife, num monumento aos retirantes nordestinos da época. Plantado num parque que leva o nome da matriarca, foi projetado por Oscar Niemeyer.

A história tem suas trapaças. Faltam no monumento aos retirantes, e em quase todas as descrições da viagem, Dorico, irmão de Lindu, a mulher Laura e mais suas duas crianças. Eles também vieram no pau de arara. Quando chegaram a Santos, foi Dorico quem chamou o táxi que os levou ao endereço de Aristides, o pai de Lula. Trabalhando como estivador, vivia com Mocinha, a prima de Lindu, com quem viera de Pernambuco. Isso foi revelado há anos pela jornalista Denise Paraná em seu excepcional "Lula, o Filho do Brasil".

Morais fez duas referências nominais a Dorico, ambas mostrando que, anos depois, Dona Lindu e seus filhos moraram num quarto nos fundos de seu bar, em São Paulo.

A ausência de Dorico e sua família no monumento do Recife e nessa parte da história do garoto Luiz Inácio é um aspecto da vida dos retirantes dos anos 1950. É a presença do ausente, aquele migrante que acaba engolido pela História, mesmo que seu sobrinho tenha sido presidente da República por dois mandatos.

O TOURO DE OURO

Se o monumento a Dona Lindu, do escultor Abelardo da Hora, é uma homenagem ao andar de baixo, o Touro de Ouro que papeleiros puseram diante da Bolsa de Valores é um monumento à falta de imaginação do andar de cima de Pindorama. É um eco da escultura semelhante colocada em frente à Bolsa de Wall Street.

Madame Natasha lembra que no Brasil, e em português, touros nada têm a ver com Bolsas. Em Wall Street o touro, "bull" em inglês, designa um mercado que o bicho joga para cima com seus chifres. Já um mercado em queda é chamado de "bear" (urso) porque empurra suas presas para baixo.

O touro de Wall Street é de bronze, com a cor do metal. O touro paulista é de fibra de vidro, pintada de dourado. De ouro era Baal, a divindade pagã que Moisés destruiu quando desceu do Monte Sinai.

Enquanto o Touro de Ouro foi para a frente da Bolsa, o urso dava o ar de sua graça e os papéis caíram abaixo da marca de novembro do ano passado.

PASTORE TEM SORTE

O economista Affonso Celso Pastore, que está no círculo de colaboradores de Sergio Moro, sabe economia e passou pela presidência do Banco Central (1983-1985) com biografia imaculada. É também uma pessoa de sorte.

Em 1982, quando participava de uma reunião do FMI em Toronto, saiu para almoçar e pediu ostras. Mordeu uma coisa dura e achou que tinha quebrado um dente.

Era uma pérola.

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