José Eduardo Faria*
04 de novembro de 2021 | 06h00
Nas apresentações que fizeram aos membros da Congregação da Faculdade de Direito da USP, no dia 28 de outubro, os dois candidatos a reitor apresentaram seus projetos e as diretrizes que adotarão, caso venham a integrar a lista tríplice e ser escolhidos pelo governador. Contudo, apesar de suas boas intenções e de sua simpatia, deixaram parte da plateia frustrada.
Em primeiro lugar, porque privilegiaram uma agenda essencialmente burocrática, como se os problemas USP se reduzissem apenas a questões técnicas e de gestão administrativa. Em segundo lugar, porque nada falaram a respeito de como reagirão a pressões externas, sejam elas políticas, sejam oriundas de setores econômicos que reivindicam sua submissão à princípios de utilidade mercantil e à lógica do mercado, onde conhecimento é tratado como mercadoria. E, em terceiro lugar, porque não levaram em conta que, nestes últimos tempos, a comunidade acadêmica e científica tem ficado à mercê das contingências de governos e de preconceitos de governantes. Com isso, frustraram quem esperava que tratassem de questões institucionais, como, por exemplo, a sistemática agressão do governo ao princípio da autonomia universitária, o processo de asfixia orçamentária do ensino superior público, o menosprezo pela proteção do meio ambiente, o desprezo pela pesquisa e a negação da ciência.
Assim, deixaram no ar quem aguardava deles uma atitude resistência às ameaças aos direitos fundamentais do corpo docente da USP, como ocorreu com a ofensiva jurídica da AGU contra um professor da instituição, o constitucionalista Conrado Hubner Mendes. Improcedente e intimidadora, a iniciativa foi tomada pela AGU apenas por ter ele exercido sua liberdade de opinião, criticando a omissão do Ministério Público Federal na fiscalização de atos de um presidente da República autocrata, homofóbico, inepto, inconsequente e irresponsável.
Além disso, apesar das reiteradas afrontas desse presidente às instituições de direito e ao regime democrático, em momento algum desses candidatos mostraram ver a Universidade publica como um espaço autônomo dos poderes político e econômico, bem como um locus de liberdade de criação, de pensamento e reflexão crítica. É difícil saber se os dois candidatos foram omissos por questão de esquecimento ou, então, por contemporização. Mas o fato é que, como se entendessem equivocadamente que as posições de uma universidade pública devam ser neutras, uma vez que é praticamente impossível que ela se expresse em nome de todos seus integrantes, os dois candidatos perderam uma excelente oportunidade para mostrar como encaram, por exemplo, a crítica de que universidades públicas são “locais de baderna” e as insistentes tentativas desmanche do ensino superior público.
No fundo, ambos agiram como se a ausência de uma manifestação sobre essas questões equivalesse a uma imparcialidade de juízo. Assim, desprezaram o risco de que ela pudesse ser entendida como um silêncio pusilânime. Pecaram por se esquecer de que reitores de uma universidade de ponta, como a USP, têm de enfrentar dois desafios. Por um lado, o de compreender as transformações de sua época. Por outro, o de estimular ações transformadoras por meio de suas atividades não apenas administrativas, mas, também intelectuais. Esqueceram-se, também, de que a gestão de uma universidade pública do porte da USP, a maior da América Latina, requer não apenas eficiência administrativa, mas coerência político e compromisso. Dessa forma, relevaram as razões políticas e as motivações culturais que levaram à criação, no dia 24 de janeiro de 1934, da própria instituição que almejam dirigir.
Comunidades cientificas respeitadas e universidades públicas conceituadas exigem liberdade de pensamento, condições de trabalho, ambiente de ensino, autonomia administrativa e independência funcional – ou seja, requisitos que o atual governo não honraria, se pudesse. Foi justamente por isso que o silêncio dos dois candidatos a reitor da USP com relação a de temas institucionais, num período de fortes tensões políticas, deixou vários membros da congregação da Faculdade de Direito decepcionados com as alternativas que ofereceram.
*José Eduardo Faria, professor titular da Faculdade de Direito da USP. Chefe do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito (DFD)
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