Causou-me agradável surpresa saber que Thiago de Mello, o grande poeta amazonense, foi companheiro de exílio, no Velho Mundo, de querido amigo meu com quem contacto frequentemente e que, até há alguns anos, colaborava com a imprensa local por meio de apreciados artigos em que discutia, de forma inteligente, muitos dos problemas brasileiros. Sendo também pessoa de escolaridade superior, sensível aos grandes desafios da modernidade, imagino como terão sido as conversas dos dois, embalados pelos mesmos ideais e envolvidos, penso, pela angustiante saudade da pátria distante. Confesso, veja o leitor quão intensa foi minha surpresa, que até mesmo senti um tanto de inveja daquele amigo médico por haver convivido, ainda que em circunstâncias adversas, com o notável poeta amazonense. O que não sei e nem me dei ao trabalho de pesquisar é se, naqueles sombrios tempos, já tinha ele composto o monumental poema “Os Estatutos do Homem”. Estou convencido, contudo, de que alguma produção poética há de haver sido, então, produzida por ele. É que o poeta sempre consegue ver, mesmo nas situações mais embaraçosas, alguns ângulos que podem ser revestidos por palavras que sensibilizem os leitores, despertando-lhes vivas emoções. Guardadas as devidas proporções, o mesmo ocorre com bons fotógrafos, que tanto conseguem dar o “click” no melhor momento de alguma cena vivida, quanto buscar, em paisagens anódinas, o melhor ângulo de enquadramento, de forma a surpreender positivamente os que veem suas produções. “Como é que eu não pensei nisso antes”, muitas vezes eu próprio me perguntei. Certa vez, nos meus distantes tempos de professor de Língua Pátria, um aplicado aluno perguntou-me sobre se era possível alguém aprender a ser poeta. Respondi-lhe que se pode, sim, estudar muita coisa sobre versos, desde os simples heptassílabos de ingênuas quadrinhas, até preciosos alexandrinos de sofisticadas composições, como também os diversos gêneros poéticos, o épico, o lírico, o satírico e outros, e ainda saber distinguir rimas pobres de rimas ricas. E até mesmo, conhecendo técnicas de versificação, compor poesia, razoavelmente boa e correta do ponto de vista formal, sobre um tema qualquer. Eu mesmo fiz isso em meus tempos de jovem apaixonado. Contudo, nem assim alguém se torna verdadeiramente “poeta”. É que a sensibilidade de ver a beleza das coisas não pode ser ensinada, como também não tem como ser apreendida a capacidade de colocar, nos versos, a beleza vernacular que desperta emoções no leitor. Essas são habilidades inatas dos verdadeiros poetas, como é o caso de nosso Thiago de Mello. Com efeito, basta recordar os últimos artigos de seu notável “Os Estatutos do Homem” para se compreender o que estou dizendo: Artigo XII: Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. Parágrafo único: Só uma coisa será proibida: amar sem amor. Artigo XIII: Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou. Artigo Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração. Você também sentiu arrepios pelo corpo, amigo leitor?
Darly Viganó darly.vigano@gmail.com
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