Em fins de 1945, derrubada a ditadura de Getúlio Vargas e a dias da primeira eleição presidencial desde 1930, havia um favorito disparado: o brigadeiro Eduardo Gomes. Era o símbolo da honestidade e da oposição a Getúlio, mas de total inaptidão para o poder. Seu adversário, o general Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro germanófilo da ditadura, convertido à causa dos Aliados na guerra, era dúbio e oportunista. Mas, então, 73 anos antes de a prática receber um nome, o Brasil conheceu o primeiro caso de fake news. E sua vítima foi o brigadeiro.
Num discurso no Theatro Municipal do Rio, indagado sobre se queria conquistar os partidários de Getúlio, ele respondeu que "dispensava o voto da malta de desocupados que apoiava o ditador". Um empresário paulista, Hugo Borghi, notório por transações milionárias e ilegais com o Banco do Brasil sob Vargas e já julgado culpado de corrupção por um órgão federal, ouviu aquilo e foi ao dicionário. Queria saber o que era "malta".
Entre os vários significados, havia o de "quadrilha, bando, súcia" —que nitidamente era o que o brigadeiro queria dizer. Mas havia também o de "turma de trabalhadores que comem em marmita". Borghi, interessado na eleição de Dutra, que poderia suspender sua condenação, foi ao microfone de uma rádio e disse que o brigadeiro tinha dispensado "o voto dos marmiteiros, dos trabalhadores". Era mentira, claro. Só que a rádio era dele e ele tinha 150 retransmissoras pelo país.
Carlos Lacerda, jovem apoiador do brigadeiro, ouviu aquilo e entrou em pânico. Era urgente desmentir a história antes que ela se consolidasse como verdade. Mas seus correligionários não o ouviram —não imaginavam a força do rádio. O próprio brigadeiro o ignorou. No dia 2 de dezembro, Dutra virou o jogo e venceu com quase o dobro de votos.
O rádio era a internet da época. Uma mentira disparada pelo ar já podia decidir uma eleição. Hoje mais do que nunca.
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