André Borges e Paulo Favero, O Estado de S.Paulo
18 de novembro de 2021 | 19h48
Atualizado 18 de novembro de 2021 | 21h25
BRASÍLIA – Em mais um recorde, o Brasil registra o maior índice de desmatamento do País dos últimos 15 anos na chamada Amazônia Legal, que engloba o território de nove Estados. Nesta quinta-feira, 18, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informou que, entre agosto de 2020 e julho de 2021, foram desmatados 13.235 quilômetros quadrados de floresta na região. Esse volume é 21,97% maior que o registro no mesmo intervalo de 12 meses anterior, quando a área devastada chegou a 10.851 km².
Os dados consolidados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélites (Prodes) são conhecidos como a informação técnica mais precisa sobre a medição de desmatamento no País. Para chegar ao levantamento, foi detalhada a situação de 106 cenas prioritárias em todos os Estados que compõem a região.
O Pará é o Estado com a maior taxa de desmatamento, respondendo sozinho por 5.257 km² de devastação, o equivalente a 39,72% da área total. Amazonas é o segundo Estado mais afetado, com 2.347 km² (17,73%), seguido pelo Mato Grosso, com 2.263 (17,10%).
O dado é contrário ao discurso de proteção ambiental que o governo Bolsonaro apresentou na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP-26, com o argumento de que tem protegido a Amazônia. Desde 2019, quando Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto, praticamente, dobrou o volume de desmatamento na região. O índice medido de julho de 2017 a agosto de 2018 foi de 7.536 km² de desmatamento na região. Já no primeiro ano da gestão Bolsonaro, porém, em 2019, o volume saltou para 10.129 km². No ano passado, em nova alta, chegou a 10.851 km². Agora, atinge 13.235 km², só atrás do que se viu em 2006, durante o governo Lula, quando a área desmatada chegou a 14.286 km².
Chama a atenção o fato de que o documento do Inpe com os dados oficiais ter a data de 27 de outubro, mas ser divulgado apenas em 18 de novembro, ou seja, a informação só foi conhecida 22 dias após o documento ser elaborado e depois de ser encerrada a COP-26, em Glasgow. Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente, garantiu que só teve contato com os números de desmatamento nesta quinta-feira. "Eu tive contato com os dados hoje", afirmou.
Na quarta-feira, o Estadão mostrou que a série de compromissos assumidos pelo Brasil na COP-26 não foi o bastante para destravar contribuições bilionárias de países europeus ao Fundo Amazônia, mecanismo que recebia doações estrangeiras para financiar ações de proteção da floresta e foi bloqueado no primeiro ano do governo Bolsonaro. Alemanha e Noruega, por exemplo, são alguns dos países que esperam uma redução substancial no desmatamento para retomar doações.
Ação integradas com inteligência policial
Nesta quinta-feira, os ministérios da Justiça e Segurança Pública e do Meio Ambiente anunciaram que estão preparando ações integradas, com participação de inteligência policial, para coibir o desmatamento no País. Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, prometeu uso de "toda a força" para coibir crimes ambientais e permitir que o país cumpra metas assumidas na COP-26 de zerar o desmatamento ilegal.
"Agora nós temos um prazo para chegar a níveis aceitáveis dos crimes ambientais do Brasil. Estamos readequando nossas forças e subiremos para essas regiões de desmatamento. A gente está trabalhando operações integradas, com tecnologia, e vamos usar a força que o Estado brasileiro tem. Vamos combater o desmatamento e as forças de segurança estão orientadas a se planejar. A gente já tentou maneiras preventivas e educativas, mas isso até agora não funcionou", disse.
Já o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou que o governo precisará ser "mais contundente" para combater o desmatamento, após reconhecer que os números ainda são um "desafio".
"Quero deixar claro que o governo federal irá atuar de forma contundente contra qualquer crime ambiental. Nós aumentamos para 700 o número de homens, especialmente da Força Nacional, que estão atuando em 400 polígonos detectados pelo novo sistema, que consegue dar alerta com um metro de resolução e um dia de recorrência, então a Polícia Federal estará atuando com a secretaria de Crimes Organizados para atuar de forma mais contundente", explicou.
Leite disse ainda que os números apresentados não refletem a atuação do ministério nos últimos meses. "Estamos sendo mais presentes e a Força Nacional, junto com Ibama e ICMBio, tem atuado em 23 municípios de forma permanente. São números que são um desafio para nós e teremos de ser mais contundentes em relação a esses crimes", continuou.
O ministro do Meio Ambiente avisou que o governo pretende ampliar a operação Guardiões do Bioma, que segundo ele trouxe "resultados no combate ao incêndio este ano, para atuar no desmatamento de uma forma integrada, para que a gente consiga reverter esses números que estão em alta desde 2012".
O ministrou disse que tem viajado semanalmente para a Amazônia, principalmente para as áreas de desmatamento. E espera que o resultado dessa atuação que começou nos últimos meses tenha reflexo nos próximos números do desmatamento. Ele também prometeu recursos para as agências de fiscalização. "Estamos acabando de executar o orçamento de R$ 270 milhões suplementares para Ibama e ICMBio para trazer mais equipamentos e 739 homens estão em processo de contratação, que atuarão no início do ano que vem para contribuir ao combate dos crimes ambientais."
Desmatamento e a COP-26
João Paulo Capobianco, que foi coordenador do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia (2003-2008) e é membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, diz que “há um duplo escândalo que deve ser considerado”. “O primeiro é o fato de que a nota divulgada pelo Inpe é do dia 27 de outubro, ou seja, anterior à Conferência do Clima. Trata-se da primeira vez em que o Prodes não foi divulgado antes ou durante a COP. O governo federal foi a Glasgow já ciente da taxa de desmatamento, mas, ainda assim, não a informou para as Nações Unidas. Preferiu falar sobre outra métrica, o Deter, que apontava uma leve redução no desmate", disse.
O especialista vai além: “Outro fator chocante é o aumento em si do desmatamento, que ocorreu apesar de anos de investimento maciço na presença das Forças Armadas na Amazônia. Só comprova aquilo que era sabido por todos que acompanham a pauta ambiental: desmate se combate com planejamento e intervenções em áreas definidas de forma estratégica, e não pelo mero deslocamento de milhares de soldados, sem planejamento interno, para uma área de dimensões continentais. Se não houver uma mudança radical na abordagem, este avanço do desmatamento pode se tornar exponencial.”
Já Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, faz um alerta. "O que a realidade mostra é que o governo Bolsonaro acelerou a rota de destruição da Amazônia. Se não revertermos essa tendência, acabando com o desmatamento e restaurando as áreas já degradadas, a floresta amazônica poderá alcançar um ponto de não reversão e iniciar um processo de degradação acelerado. Se isso acontecer, o Brasil deixará de contar com os serviços ambientais vitais que ela presta, como o armazenamento de carbono e a regulação do regime de chuvas do país", comenta.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, lamenta a situação. “O resultado é fruto de um esforço persistente, planejado e contínuo de destruição das políticas de proteção ambiental no regime de Jair Bolsonaro. É o triunfo de um projeto cruel que leva a maior floresta tropical do mundo a desaparecer diante dos nossos olhos e torna o Brasil uma ameaça climática global. Diferentemente da propaganda que o governo e seus aliados no agro e na indústria levaram à COP-26, em Glasgow, o Brasil real é este, da terra arrasada, da violência contra populações tradicionais e do crime organizado agindo sem controle na Amazônia”, disse.
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