O clima de polarização parece ter chegado de vez à seara econômica, o que não é um bom prenúncio para os meses vindouros. A qualidade do debate sobre temas importantes —e, consequentemente, sobre as formulações dos caminhos para o Brasil— fica prejudicada quando se perde a objetividade necessária.
A capacidade de o país manter a responsabilidade e a organização fiscal, nossa vulnerabilidade há de muito, volta a ser questionada a partir da infeliz proposta da PEC dos Precatórios.
Além de elevar a insegurança jurídica ao deixar de pagar dívidas que já transitaram em julgado, altera o indexador do teto de gastos de maneira casuística e eleitoreira para acomodar oportunisticamente despesas sob o véu da necessária expansão da rede de proteção social aos mais pobres (que seria factível sem que houvesse a violação das regras fiscais, como já mostraram inúmeras propostas de qualidade superior).
É falso, contudo, que o Brasil esteja à beira do abismo fiscal —assim como é falsa a relegação da importância do teto a uma mera entidade metafísica. A trajetória do gasto primário como proporção do PIB continua declinante, e, mesmo depois de ter gastado muito em termos absolutos e relativos, o Brasil conseguiu "segurar" e reverter a dinâmica de dispêndio imposta pela pandemia.
Por outro lado, o estrago causado pela opção (e a forma) de "furar" o teto está relacionado à significância de violar-se a credibilidade de nossa âncora fiscal como elo com um futuro fiscalmente sustentável.
Não é sobre os montantes envolvidos. A dinâmica da dívida pública é endógena e prospectiva, aspectos cruciais que frequentemente passam ao largo deste debate.
Ao reajambrar o teto dessa forma, neste momento, com as motivações implícitas e sem necessidade, corrói-se o mecanismo de coordenação através do qual o Estado brasileiro prometia, a partir da contenção do ritmo de crescimento dos gastos públicos, ser fiscalmente responsável. Isso tem reflexo nos preços, inclusive em parte dos que determinam a trajetória futura do endividamento público.
Pode-se discutir se o teto era o melhor instrumento para atingir tais objetivos, e o Brasil já não escapará de retomar o debate, que se espera seja racional, sobre a reorganização da miríade de regras fiscais vigentes em um arcabouço factível e crível em termos de regras, práticas e gestão orçamentária. Mas isso não altera o ponto central sobre o que representa a alteração hoje sobre a mesa. O resto é chantili.
Lamento profundamente a partida precoce de Cristiana Lôbo. Fará muita falta. Minha solidariedade à família e aos amigos.
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